Quando Conca anunciou que pretendia deixar o Fluminense para ganhar muito mais dinheiro na China, reverberou na torcida tricolor uma onda de decepção. Maculou-se, para muitos, a imagem de um ídolo que seria insuscetível aos apelos do capital em detrimento de seu suposto amor pelo clube, principalmente num momento de previsíveis e severas dificuldades financeiras. Recrudesceu na torcida, assim, antiga discussão sobre idolatria.
“Fulano de tal é ídolo”; “Não, Sicrano é quem é ídolo”; “Fulano é mais ídolo do que Sicrano” e por aí vai.
Li e ouvi amiúde sobre o assunto durante a semana. Discussões acirradas, calorosas e até ofensas pessoais foram perpetradas em defesa de quem se considera, segundo os contendores, verdadeiramente um ídolo.
Conca, Fred, Gum, Super-Ézio, Jandir, Branco, Romerito, Assis, Washington (os dois), Marcão e Renato Gaúcho – só para citar, a título de exemplo, alguns dos mais recentes nomes da história tricolor – foram considerados ídolos por algum torcedor, em algum momento, em algum debate. Conca e Fred, principalmente, na condição de ídolos de grande parte de torcedores da mais nova geração, encabeçaram as disputas.
Como poderia eu questionar a escolha de cada um? Meu ídolo não é melhor do que o seu, ele é simplesmente o meu e isso basta para mim, assim como o seu ídolo não é melhor do que o meu, porque se eu tenho os meus critérios para elevá-lo ao meu olimpo e você também tem os seus.
É uma questão de gosto pessoal e gosto, como se diz popularmente, não se discute. Um ídolo não é forjado apenas por critérios objetivos que todos devem necessariamente preencher, é escolhido por seu fã de acordo com a sua consciência e valores que enxerga no eleito, quaisquer que sejam. Trata-se de uma relação personalíssima, porque de absoluta afinidade, e unilateral – depende unicamente da escolha do fã – cuja subjetividade impede que seja impugnada (a relação) por quem quer que seja.
Afinal de contas, Adolf Hitler, o ditador austríaco genocida-racista-antissemita e Mahatma Gandhi, o líder hindu defensor do satyagraha , tão distantes em ideais e propósitos, são ídolos de nazistas e pacifistas, respectivamente. O homem que disse que “eu aprendi a descobrir o lado bom da natureza humana e entrar nos corações dos homens. Eu percebi que a verdadeira função de um advogado era unir partes separadas” tem fãs, assim como aquele que disse: “Temos de ser cruéis. Temos de recuperar a consciência tranquila para sermos cruéis.”, por incrível que possa parecer, também os têm.
Exemplos extremos que demonstram o subjetivismo da idolatria.
De volta ao Fluminense, um clube centenário, cuja história é gloriosa, não se poderia deixar de reconhecer a existência de seus ídolos. E não são poucos. Vivenciaram momentos importantes da epopéia tricolor e arrebanharam multidões de fãs, cada um a seu tempo. Não os distingo como maiores ou menores, ídolos ou não. Se existe quem os idolatra, esta condição deve ser respeitada. Cada qual que cultue como melhor lhe aprouver a sua idolatria, de acordo com seus próprios critérios, com seus valores e afinidades pessoais.
Não pode haver valoração entre entes forjados no imaginário de cada um e, por isso, especialmente únicos; não são melhores nem piores, são simplesmente ídolos. Pode-se discutir, contudo, sob a égide de critérios objetivos – as estatísticas existem para esse fim -, quem foi melhor ou pior; nesse ponto, porém, não se questiona a idolatria, invulnerável às críticas destrutivas e às máculas que lhe queiram atribuir, mas tão somente o jogador despido do manto santificado que lhe deu seu fã.
O ídolo é, portanto, intocável, quase um “santo” para o seu admirador.
Qualquer argumento para tentar convencer seu companheiro tricolor de que o seu é melhor do que o dele – seja porque assina contratos em branco, seja porque amputa um dedo para servir ao seu clube, ama verdadeiramente a instituição, ou mesmo porque não é um “mercenário” – será em vão.
Os nossos ídolos sempre serão deuses, e, os dos outros, ídolos rotos.
Sugiro, portanto, ao torcedor que discute quem é mais ou menos ídolatrado, mais ou menos “mercenário”, que se associe ao clube e canalize as suas energias tentando convencer, com idêntico esmero, o seu colega a associar-se também. É mais simples, pois custa apenas R$35,00 reais mensais, e poderá dar ao Fluminense, quem sabe, a sonhada autossuficiência, oportunidade em que os ídolos seremos todos nós, contribuintes perenes de uma nova e gloriosa história tricolor.
* Inspirado no título homônimo da novela de Manuel Díaz Rodriguez.
1. é uma filosofia desenvolvida por Mohandas Karamchand Gandhi (também conhecido como “Mahatma” Gandhi: Grande alma Gandhi) para o movimento de Resistência não-violenta na Índia. (Wikipédia).
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
#SejasóciodoFlu
Uma cronica sensata que encerra qualquer debate sobre ídolos tricolores.
Mahatma ´Gandi é um dos meus ídolos preferidos.
Se cada um dos 23.000 sócios convencerem 3 outros tricolores a se associarem , rapidamente chegaremos a 70.000 sócios.
Grande abraço. ST!
Esse é o propósito, Nelson. Discussões vazias não levarão o Flu a lugar algum. Obrigado pelas palavras. Um abraço e ST
ST**** Felipe
“Como poderia eu questionar a escolha de cada um? Meu ídolo não é melhor do que o seu, ele é simplesmente o meu e isso basta para mim, assim como o seu ídolo não é melhor do que o meu, porque se eu tenho os meus critérios para elevá-lo ao meu olimpo e você também tem os seus.”
Tal deveria encerrar as discussões entre torcedores do Flu.
Frustrado e decepcionado acompanho o debate.
Quanto a Gandhi e Hitler, faltou dizer que concepções tão contrárias foram contemporâneas.
O propósito é realmente o que você mencionou, Mauro. Evitar discussões ásperas e inócuas entre tricolores, quando há assuntos mais importantes a se debater, sobretudo a necessidade da associação do torcedor ao clube. E, realmente, a contemporaneidade é um traço comum desses ideais tão extremados. Um abraço e ST