No futebol, há vários casos que exemplificam essa relação. Aliás, há a constante provocação de que o Fluminense não possui ídolos e isso o diminuiria de alguma forma. Tola instigação. Há quem se proponha a responder, elencando um rol de jogadores extraordinários que já vestiram nossa camisa e a quem devemos muito – e, com o espaço à crítica, reconhecemos pouco.
Entretanto, faço questão de concordar com a pilhéria alheia: não temos ídolos. E como isso é bom! Um ídolo é a personificação do desejo de que uma pessoa reúna em si todas as qualidades e habilidades possíveis (e impossíveis), é aquele que terá a capacidade de intervir magicamente na realidade e modificá-la a nosso favor, em qualquer tempo. Um ser epifânico, transcendente, acima do julgamento humano. Alguém de tal envergadura e elevação que serve de exemplo a todos que o seguem.
Essa expectativa sobre-humana sobre um indivíduo é cruel por demais. Conheço pessoas que comemoram um “natal” quando da passagem do aniversário do ídolo. Triste. De fato, como ateu, não comemoro qualquer natal, mas entendo a necessidade religiosa de fazê-lo, já que seu ídolo – em sua mitologia – é dotado de habilidades divinas. Já no futebol, há os grandes jogadores, os craques, atletas que se tornaram legendários pelo que fizeram. Verdadeiros heróis em suas atuações, superando problemas e por muitas vezes suas próprias limitações.
Eis aí um belo conceito do esporte: superar limites. Inspirador, certamente, porém, isso não faz de ninguém divino. Aliás, se assim o fosse, não haveria encanto algum. O admirável nos virtuoses é exatamente sua condição humana, a sugestão de uma diretriz pela qual todos nós podemos ir além. Uma ajuda divina nos êxitos revelaria um doping mágico que estragaria todo o esforço da conquista e a admiração conferida.
A imagem, assim, não corresponde à realidade. Os ídolos são humanos e, portanto, falíveis. A idolatria leva à cegueira. O que alguns fizeram em campo não lhes habilita à boa administração, não lhes faz impolutos e abnegados. E o pior, qualquer erro do indivíduo é dor para toda a torcida, quase uma mancha no clube. Antes uma trava no olho que um ídolo! Pessoas que chegam carregadas ao comando de seus clubes e frustram a paixão alheia: saem criticados, expulsos, enxovalhados. Atiram pela janela uma bela história que construíram.
Sem mencionar as inúmeras de vezes em que as fraquezas humanas surgem. Envolvimento com drogas, problemas judiciais, agressões, ou quaisquer outros deslizes, tudo repercute diretamente na camisa do clube, na vergonha dos torcedores. O ídolo reflete-se nos seus adoradores. A mídia e a política fazem uso desse poder de persuasão hipnótico para impor aceitações dispensando-se o senso crítico. Desde a venda de produtos, até a ocupação de cargos ministeriais em governos absolutamente questionáveis. Usados por sua imagem, iludidos por sua própria definição.
Gosto de futebol por ser um jogo coletivo. Fosse diferente, eu acompanharia tênis ou golfe. Nada contra esses esportes, mas a coletividade torna a contenda mais fascinante. Uma metáfora social em campo. Coisa alguma pode ser mais significativa que abdicar da glória individual de um gol por um passe a um companheiro em melhor situação para fazê-lo. O futebol é o desejo escrito em bola do que deveria ser a vida. Todos pelo mesmo objetivo, por vezes abrindo mão de sua posição original para ajudar outro setor em um momento de apuro, em hora de dificuldade, em situação inferior. Quantas vezes não desejamos que o mesmo ocorresse no mundo?
Não quero com tudo isso diminuir o vulto e o relevo de nossos grandes jogadores. De Oscar Cox, a Fred, passando por uma miríade de nomes importantes, como Marcos Carneiro de Mendonça, Preguinho, Castilho, Telê, Carlos Alberto Torres, Gérson, Rivelino, Ricardo Gomes, Assis, Romerito, Thiago Silva e tantos outros, todos fizeram parte da construção de nossa grandeza. Nossa excelência é tão vasta que temos, em igual condição de importância, escritores como Nelson Rodrigues, músicos como Arthur Moreira Lima ou compositores como Chico Buarque. Ultrapassamos as quatro linhas pelo que nos esforçamos para ser, pela disciplina que tanto nos fascina.
Mas afirmo peremptoriamente: que bom que não são ídolos, que não os temos. Quão gratificante é perceber que a genialidade é humana e que muitos desses talentos representaram (e representam) nossas três cores em diversos gramados diferentes. Sei que os torcedores dos outros clubes desdenharão deste texto, destas ideias. Chamarão de pretexto ou justificativa. Dirão que são pensamentos evasivos. Bom, eu os compreendo. Entendo a necessidade que têm em cultivar a idolatria por um personagem que lhes simbolize a grandeza. Mas isso jamais se aplica a nós. Entre os grandes, lembremos, o Tricolor é enorme. E ninguém, absolutamente ninguém, pode ser maior que o Fluminense. O inexorável não é feito por um só. O destino, assim como a história, pinta-se em três cores.
Walace Cestari
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Caro Walace, excelente teu texto, por que traz luz ao às vezes oba-oba do esporte e da vida, quase sempre à procura de figuras míticas e salvadores da pátria, aqueles que podemos ter e chamar de ídolos são figuras humanas que doaram-se à instituição no único intuito de vê-la representada no cenário esportivo nacional e até mundial, estas sinceramente são poucas; Preguinho, Marcos Carneiro de Mendonça, Didi, Pinheiro, Píndaro e tantos outros até meados de 90 talvez possam ser assim nomeados, mas salvaguardadas as limitações que a humanidade impõe. Saudações Tricolores, Waldir e Waléria Barbosa.
Caro Walace, excelente teu texto, por que traz luz ao às vezes oba-oba do esporte e da vida, quase sempre à procura de figuras míticas e salvadores da pátria, aquele que podemos ter e chamar de ídolos são figuras humanas que doaram-se à instituição no único intuito de vê-la representada no cenário esportivo nacional e até mundial, estas sinceramente são poucas; Preguinho, Marcos Carneiro de Mendonça, Didi, Pinheiro, Píndaro e tantos outros até meados de 90 talvez possam ser assim nomeados, mas salvaguardadas as limitações que a humanidade impõe. Saudações Tricolores, Waldir e Waléria Barbosa.
Morte ao ídolos então?¹
Não acho que seja “morte aos ídolos”, mas sim “morte à idolatria”. Não vejo como isso faz bem ao clube…