Identidade tricolor – I (por Rafael Rigaud)

NovaRG

Olá, pessoal! Sou Rafael Rigaud e vou, de tempos em tempos, contribuir com o PANORAMA com mais uma coluna. Foi com enorme alegria que recebi o convite de escrever sobre dois assuntos que fazem parte da minha vida e que vou ter enorme satisfação em ”misturar” de um jeito bem leve e descontraído: Fluminense e sociologia. Tricolor desde antes de nascer (não vou dizer ”40 anos antes do nada” pois não tenho gabarito pra tal…hehehe) e sociólogo, pretendo, ao unir nossa paixão com esse saber específico, fazer uma tabelinha que seja e oportuna, não só pra gente enxergar além do senso comum, como também para abrir mais um canal pra gente conversar sobre o nosso tricolor para além das quatro linhas. Vamos nessa?

Feitas as devidas apresentações, vou começar falando hoje sobre a nossa identidade. Todos nós, tricolores, desde que nos entendemos por torcedores do Flu, nos deparamos em diversos ambientes e situações com rótulos que são atribuídos a nós e nosso clube e vemos também que este fato acontece não apenas conosco, mas também com todos os demais clubes. Essa atribuição que pode ser jocosa (aquela piadinha tosca do rival) ou ofensiva (que beira o desrespeito e a intolerância) sempre acontece e normalmente costuma ter relação direta com um episódio vivido pela instituição e/ou por aquilo que o clube representa no imaginário dos torcedores de futebol em geral.

Na sociologia, identidade é o compartilhamento de várias ideias e ideais de um determinado grupo, o que nos faz pensar que o modo como vemos aos outros e a nós mesmos, pensamos e aquilo em que acreditamos ser é o que nos define enquanto grupo, para nós e para os demais (e, claro, isso vale pra esferas muito além do Flu e do futebol). Esses rótulos acabam formando nossa identidade não só perante os outros, mas também muitas vezes para nós mesmos (se a gente concordar e internalizar esses rótulos).

Enquanto toda essa dinâmica acontece, nós tricolores não estamos avulsos, vagando no espaço e no tempo, estamos inseridos numa sociedade e num contexto determinado e isso (de estarmos inseridos) fatalmente acaba tendo influência nas identidades de grupos, seja pela passagem do tempo e mudança da sociedade (o Rio de hoje é o mesmo dos nossos pais?),seja pela mudança da percepção de si pelo próprio grupo, entre outros fatores. No fim das contas, a gente pode formar nossa identidade pela interação entre valores externos e internos, que a toda hora podem mudar.

“Tá beleza, mas e o Flu com isso?”, você me pergunta. Estou falando disso tudo pra demonstrar que a nossa identidade tricolor, ao contrário do que dizem por aí, não é obra pronta e acabada. Nós, que vestimos verde, branco e grená, somos os personagens dessa história e podemos pra nós mesmos e pros outros, determinar o que nós somos e como nos vemos E isso não é novidade, na verdade. Sempre foi assim conosco. Aliás, a prova maior de que nunca fomos uma coisa só ao longo do tempo está aí, no nosso passado. Já fizemos, ao longo da nossa história, uma brincadeira sem-graça (o apelido “pó-de-arroz” com conotação pejorativa) se transformar numa marca da nossa identidade, ao receber o time jogando pro alto aquilo que era pra ser um instrumento de constrangimento pros de Álvaro Chaves frente à opinião pública (a pecha de “time de racista” ecoou por muito tempo por aí) e muitos seguiram o mesmo caminho (os palmeirenses ao adotarem o grito ‘porco’ pra apoiar o time também fizeram manobra parecida e acabaram com o sentido negativo do mesmo).

Partindo daí, lanço a pergunta no ar: será que o rótulo “tricolor-branco-riquinho-metido a besta-elitista-blasé-playboyzinho”, que nos caracteriza aos olhos das outras torcidas, realmente corresponde à realidade? Será que somos realmente isso? Indo mais além, será que os tricolores são uma massa uniforme, todos iguaizinhos entre si?

Fui sócio e frequentador (e praticamente vizinho) do Flu desde criança, no fim dos anos 1980 e início dos anos 1990, mas só passei a ir com frequência aos estádios na adolescência, no fim dos anos 1990, quando sofri com a má fase e vi que na hora mais difícil, nossa torcida fez uma mobilização ímpar para não deixar nosso Flu acabar. Nessa época, tinha me mudado de Laranjeiras e não frequentava mais nossa sede. Calculem qual não foi minha surpresa inicial ao ir de Jacarepaguá pro Maraca (e não mais de Laranjeiras pro Maraca) e ver que vários ônibus que cruzavam a floresta da Tijuca estavam APINHADOS DE TRICOLORES. Sim, APINHADOS. Era um mar de camisas do Flu no ônibus e também nos carros que passavam buzinando com bandeiras tricolores penduradas e torcedores se cumprimentando pelas janelas, gritos entusiasmados de ‘Nensee’ ecoavam pela Grajaú-Jacarepaguá e pela Teodoro da Silva até as imediações da UERJ.

Pois bem, acho que essa mobilização que presenciei ,de tricolores de várias regiões da cidade indo pro jogo de todo jeito possível (carro, moto, ônibus, trem, a pé)não condiz muito com o rótulo que nos empurram goela abaixo e que a gente, meio sem pensar, acaba repetindo, não é?

Da mesma maneira que no passado subvertemos um xingamento e o transformamos em recebimento para saudar “o onze” tricolor que sobe pro gramado, fomos capazes de nos reinventar e depois da fatídica década de 1990 (a década perdida tricolor)criando no presente o time de guerreiros que, de 2009 pra cá, contagia e é contagiado pela outrora blasé torcida (que hoje tem cicatrizes de guerra de anos anteriores). Nossa identidade tricolor muda de acordo com o tempo, com as circunstâncias, com o modo que a gente se enxerga e se faz enxergar, e, no fim das contas, é o que nos une e o que temos em comum (já que nós, tricolores, somos tão heterogêneos que provavelmente temos mais coisas diferentes do que iguais).

Sinto que está na nossa mão decidir qual vai ser a identidade do Fluminense no ainda nascente século XXI.

Rafael Rigaud

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

5 Comments

  1. Primeiramente meus parabéns cara, muito sucesso nessa nova fase, sobre os post digamos que a identidade tricolor com a mudança do Maracanã para o engenhao retrocedeu, assim como a torcida tem a sua identidade, o estádio dita a identidade do clube, nao que o Maracanã nos traziam uma media de publico elevada, sim era mais nem tanto maior do que a atual, mas em momentos de gloria como o ano passado, nao teríamos estádio vazio ate quase 10 rodadas do fim, ou seja, e um sinal claro da falta de identidade do clube com o engenhao (éramos quase imbativeis no Maracanã) e também a falta de identidade da torcida com o estádio, em outras palavras o problema esta no engenhao, mas com muito cuidado ao afirmar isso, pois esse é apenas uns dos inúmeros problemas, enfim parabéns novamente e ST!

  2. Seja bem-vindo! A nossa identidade, seja qual for, deve nos mover para as vitórias, para as conquistas. A identidade se constrói através da história. Se a história for positiva, adotamos qualquer adjetivo. Se for negativa, nos aborrecemos até se formos chamados de anjos. e a identidade muda ao longo do tempo. Espero que a da nossa geração seja algo relacionado á vitória.

  3. Paulo-Roberto Andel comenta: Parabéns, Rafael! Excelente a estreia. ST.

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