Historinhas da vida 2 (por Aloísio Soares Senra)

Dona Maraca tinha quatro filhos, Flávio, Flúvio, Bottas e Vaz. Este último era o filho caçula, mas mesmo assim já era idoso e não estava bem de saúde. Euri, filho de Vaz, aprendera desde cedo a manipular o velho. Sabia que Vaz era querido de norte a sul do país, então acabava usando o pai para se promover e conquistar sua confiança. Deu tão certo que, logo, Euri era quem realmente conduzia os negócios do pai: uma rede de panificadoras. Durante uma certa época, seu negócio foi muito bem-sucedido, e ninguém jamais questionou as decisões de Euri, que governava com mão-de-ferro. Porém, nada dura para sempre, e os desvios de caráter latentes de Euri acabaram cobrando seu preço, e seu velho fora obrigado a afastá-lo do comando.

Euri aceitou, mas não desistiu. Seu primo, Granado, que era como um filho para Vaz, acabou assumindo o negócio. Porém, as maracutaias que Euri havia feito em seu comando foram tão danosas ao negócio que não houve jeito: em pouco tempo, a empresa acabou tendo que fechar várias filiais e estava caminhando para a falência. Vaz estava cada vez mais doente e desgostoso com o que acontecia, e acabou ouvindo o clamor popular, que pedia Euri de volta. Ele voltou, assumiu o negócio e conseguiu fazer com que o pai perdoasse uma dívida gigantesca que ele havia contraído, tirando do próprio bolso, tamanha era a astúcia nefasta dele. Todavia, era difícil manter-se tranquilo no poder, visto que ainda havia muita desconfiança de seu pai pairando no ar. Então, ele resolveu tirar o foco dele, atacando um membro da família.

Flávio não era um bom candidato. Tinha conexões e influências que poderiam ser perigosas, e Euri não era bobo. Bottas era um pobre coitado, só vivia na miséria, morava numa casa alugada pela mulher, e ainda assim era o irmão mais próximo de Vaz, tendo em comum até as cores das camisas que vestiam. Sobrou então seu tio Flúvio. Seu odiado tio Flúvio, que tinha um escritório de advocacia extremamente bem sucedido desde o longínquo século passado. O velho sempre havia sido uma pedra no sapato de Euri, que não conseguia conter a inveja das conquistas dele. Ele seria, então, o alvo. Primeiro, Euri tratou de instalar um clima de discórdia entre seu moribundo pai e seu tio, que antes se relacionavam amigavelmente, com o episódio do quartinho. Depois, começou a estreitar laços com um tribunal regional ao qual o escritório de advocacia de seu tio era submisso, a fim de sabotá-lo de todas as formas possíveis. Enquanto isso, embora seguisse afirmando que o respeito havia voltado, seu próprio negócio ia de mal a pior. Os resultados ruins se sucediam, e ele precisava contratar um profissional para gerar soluções.

E este profissional se chamava Rone. Com mais de duas décadas de experiência na área, vivência internacional e passagens por instituições multinacionais inclusive, ele era o nome mais adequado para o cargo. Conversas foram iniciadas com seu preposto, Aci, e Euri anunciou a quem quisesse ouvir que ele estava 90% contratado, faltando apenas alguns detalhes para o acerto. Quando soube que seu tio Flúvio também tinha demonstrado interesse na contratação, através de seus espiões do tribunal, declarou que “no Brasil, ele só trabalhará aqui comigo”. Euri, contudo, não contava com a capacidade de negociação de seu tio, que trabalhou em silêncio e, de súbito, anunciou a contratação de Rone, que trabalharia agora em sua firma de advocacia. Na lona, Euri só pôde declarar, resignado, aos que lhe cobraram: “Eles são mais inteligentes”.

Coisas da vida.

 

escudão do flu