Ser garoto em 1952 no colégio interno e torcer loucamente por Castilho, Píndaro e Pinheiro, Telê e Waldo. Anos depois, Jair Marinho, Altair, Maurinho e Escurinho. Didi!
Helio Andel começou torcendo pelo São Paulo. Em certo momento se apaixonou de vez pelo Fluminense. Quando saiu da escola, era órfão de pai e mãe. Veio para o Rio e nunca mais voltou à terra natal, exceto para trabalhar.
Ganhou dinheiro, perdeu, ganhou, perdeu de vez.
Gostou de música, numa linha que passava pela verdadeira música sertaneja, Ray Charles, Wilson Simonal, o pagode carioca dos anos 1980, Jethro Tull e outras coisas.
Bebeu para esquecer a dor da morte dos pais, o irmão suicida no exílio e a derrocada financeira. Errou e acertou.
Desde aqueles dias de 1952, foi Fluminense até o fim. Não passava duas semanas sem ir ao Maracanã. Aos domingos, comprava todos os jornais possíveis para ter as informações do futebol: O Globo, O Dia, Jornal dos Sports, Jornal do Brasil, às vezes Folha e Estado.
Adorava chegar cedo ao Maracanã, antes de todo mundo, só para espiar o grande portão de ferro e mais nada. Sentado nos degraus da entrada ou num dos muitos bancos de praça que antigamente cercavam o estádio. Gostava de comprar ingressos para os garotos pobres que pediam nas filas da bilheteria, fez isso inúmeras vezes e, mesmo discretamente, se emocionou.
Se a vida pessoal foi sofrida, a esportiva foi maravilhosa. Com vinte e poucos anos viu de perto o strike do Fluminense em meados dos anos 1960 até atravessar toda a gloriosa década de 1970 e desaguar nos tricampeões de 1983-1985. Anos de glória.
Sereno, encarou a tempestade de 1996-1999 como alguém que já a previra desde 1989. E comemorou discretamente a lenta recuperação do Flu no começo do século XXI.
Quando teve um problema de saúde e precisou parar de andar, nunca mais foi ao estádio. Até poderia, mas o desgosto lhe tomou. Tinha sempre a TV à disposição para os jogos, mas sua preferência era sempre o radinho de pilha, onde tudo é mais emocionante e tem uma aura de imaginação.
Apesar de sofrer com a recente viuvez à época, comemorou muito a vitória na final da Copa do Brasil de 2007. Aquela noite diante do Figueirense foi um março, foi o momento em que o Fluminense se reencontrou com si mesmo. O Fluminense campeão, diferente de muitas ocasiões, marcando o gol do título no comecinho da decisão, ao contrário de tantas vezes quando o Flu garantiu títulos imortais nos acréscimos da arbitragem.
O destino reavivou a história da infância, entre o São Paulo e o Fluminense: morreu a uma hora do maior jogo entre os dois clubes na história, pela Libertadores 2008. Perdeu – ou ganhou, nunca se sabe – um momento inesquecível.
Deixou dois filhos tricolores, hoje separados pelo mesmo destino. Nunca pode levar o mais novo ao Maracanã, devido ao problema na locomoção. O mais velho, ele puxou pela mão várias vezes nas velhas arquibancadas de concreto que também faleceram. Numa delas, foi com muita irritação, em pleno intervalo de jogo, numa goleada que o Botafogo aplicou no Fluminense em 1979, 4 a 0 com uma atuação de gala do craque Mendonça. Contudo, o troco viria no ano seguinte, o do jovem Flu campeão, também por 4 a 0, mas com outro protagonista: Cláudio Adão, que acabou com o jogo marcando golaços.
Helio faria 80 anos neste sábado, ou faz – nunca se sabe. O amor pelo Fluminense contagiou seu filho mais velho, que acabou se tornando escritor de futebol com vários livros dedicados ao clube que acompanharam juntos, que ele não conseguiu ler mas que neles aparece como personagem. A história que começou há mais de 70 anos deu frutos e paira no ar, ainda sem previsão de término.
O destino, quase sempre irônico, reservou um Fluminense x Botafogo para este sábado, num outro Maracanã mas com a velha magia secular.
É que os clássicos são eternos.
Livro RODA VIVA – Paulo-Roberto Andel – Distribuição digital gratuita
Pois É, se essa geração de hoje soubesse o que é perder os pais, jamais teriam vergonha de ama-los.
Coincidência ou não, aquele 21 de maio de 2008 marcou a vida de muita gente. E nao apenas por causa do jogo da Libertadores não.
Aquele jogo só foi mais um ingrediente.
Força amigo Andel, como escreveu o compositor MPB, ‘ter saudade é melhor que caminhar vazio…’, todos temos nossas saudades e sonhamos que um dia possamos ser saudade para alguém e não ser esquecidos como tantos…