O golaço liberta, o golaço redime. Alta noite já galopa e aqui sonho acordado. O Fluminense fez uma bela partida, também com riscos, porque o modesto Globo marcou seus gols e ofereceu perigos, mas o que dizer da esplendorosa atuação de Lucas na direita? Do meio campo jovem, vibrante e incansável do time – até perdendo pênalti Sornoza tem garra – Orejuela é a máquina de precisão. Dos Henriques, que pareciam casos perdidos ano passado e se reinventaram com plena eficiência? Do jovem Leo, grande promessa em andamento na esquerda? Ou do eterno Abel, que tem cheiro, suor e tesão de Fluminense saltando nas veias há décadas? Do quase caos, temos traçado um novo caminho. Ainda é cedo demais e ninguém tem direito ao deslumbramento, mas ver o Fluminense em campo tem dado gosto neste começo de 2017. É como beijar aquela mulher incrível por quem você esperava há tempos, desimportando aqui as orientações sexuais de cada um. Temos nos reencontrado com nossa physys, a essência, o espírito do Tricolor.
Wellington, que tem grande habilidade e nem sempre as melhores soluções espaciais com a bola, já tinha feito um lindo gol nos 4 a 1. O Flu era senhor absoluto da partida. O que faltava para uma noite inesquecível? O gol libertador de Scarpa, chutando de antes do meio de campo, desafiando definições, alegrando os corações de homens, mulheres e crianças. Tudo se misturou à conversa que tive à tarde com meu amigo Heitor, quando falamos de John Coltrane a Alaor Prata, passando pelo Abaporu de Tarsila do Amaral. Um carnaval de cores.
O golaço liberta, o golaço redime. Não se sabe do que será desse time do Flu mais à frente, ainda que as expectativas sejam as mais promissoras. Certo é que daqui a muitos anos, sendo o nosso time campeão ou não, as crianças de ontem à noite serão quarentões ou cinquentões e falarão que viam um jogo do nosso onze, um jogo quase qualquer, quando o jovem Scarpa marcou então um dos maiores gols de todos os tempos, feito Dodô em 2008 e Washington no começo de 1989. E todas as crianças nos corpos de senhores respeitáveis parecerão emocionadas. E rirão em êxtase de felicidade ao se lembrarem dos grandes títulos tricolores que já terão visto adultos, até mesmo o bicampeonato mundial, mas alguém dirá que não troca nada, absolutamente nada por aquele lindo gol de Gustavo Scarpa numa partida contra o Globo do norte. Ele foi um monstro.
O que dizer das crianças de oito a oitenta anos, que ontem viram aquela maravilha ao vivo no estádio global? Tricolores que raramente têm a chance de ver o nosso time de pertinho, podendo testemunhar a obra das artes plásticas em forma de bola na rede.
Os golaços ficam para sempre, alimentam a alma, fazem do passado um doce presente. Há quase quarenta anos eu vi grandes gols de Edinho e Cláudio Adão, pênaltis monumentais defendidos por Paulo Goulart, chutaços de Zezé e o mitológico Benedito de Assis. Era um menino. Hoje, o gol de Scarpa encerra meu exílio, me oferece anistia e assim volto para a pátria amada e perdida da minha infância, recordando o poeta Cacaso. O lúdico amor que só o futebol oferece, digno de um velho Maracanã lotado.
Lucas fez uma bela partida. Alta noite, vem aí um lindo dia.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: curvelo
Belíssimo texto, Paulo.
Belo comentário, mistura de boteco e de literatura….vamos fluzão
Fantástico, Paulo!!!
Você foi preciso, brilhante e muito feliz nas palavras!!!
Um gol para toda a eternidade.
Scarpa mito para sempre!!