Francisco Horta, 90 anos (por Paulo-Roberto Andel)

Muito já se disse sobre o aniversariante deste 23 de setembro. Ousado, corajoso, carismático, desafiador de definições. Certo é que, ao completar 90 anos, Francisco Horta é o maior presidente vivo do Fluminense, o mais emblemático e só fica atrás de Arnaldo Guinle porque este, tão genial quanto Horta, teve a chance de sedimentar o Tricolor e colonizar o futebol brasileiro de vez. Contudo, o maravilhoso Flu de Guinle foi até reconhecido mundialmente com o tempo, mas o governo de Horta teve uma projeção mundial tamanha que nem a chegada do Flu à decisão do Mundial de Clubes 2023 teve a mesma repercussão.

Há quase meio século, a Máquina Tricolor misturou sonho e realidade. Até então, o Fluminense era uma potência e já tinha sido inclusive campeão mundial, mas com Francisco Horta o Tricolor se tornou uma referência internacional permanente. Ganhou o Bayern Munchen, base da Alemanha campeã mundial de 1974, com o Maracanã em êxtase. Alinhando craques de todos os jeitos, a equipe aproveitava feras da casa como Edinho, Pintinho, Cleber e Rubens Galaxe. Quando o campeonato carioca era o mais importante do país, o Flu conquistou o bicampeonato que não via desde os anos 1930. Dava um show de goleadas, inclusive nos rivais, e faturava torneios de grande expressão no exterior.

O Fluminense virou símbolo pop. Sua camisa era vestida até em fotos dos Rolling Stones. Cruyff quase veio para o Flu, imaginem. Um fenômeno mundial num tempo sem internet, apenas com rádio, TV e jornais. Em casa, o clube conquistou a maior média de público numa temporada, em 1976. Sem patrocinador, investidor, mecenas ou dinheiro público. O troca-troca sacudiu o futebol brasileiro duas vezes.

Reparem que a Máquina nunca foi chamada de “time do Rivellino”, “time do Paulo Cezar” ou “time do Carlos Alberto Torres”. Não. É uma unidade. Um projeto. Uma força da natureza concebida por seu arquiteto, o maquinista Francisco Horta. Uma força tão grande que supera a ignorância de seus detratores, que insistem em tratar como “menor” o time que ganhou “pouco”, numa comparação desequilibrada dos anos 1970 com os 2020. Mas poucos haters são honestos em admitir que só com Horta o Fluminense teve em seu elenco 1975-1976 cinco campeões mundiais de 1970 no México: Félix, Carlos Alberto Torres, Marco Antônio, Rivellino e PC Caju. Assim como ninguém se esquece do Brasil de 1982, da Holanda de 1974 e da Hungria de 1954, não dá para discutir a excelência do futebol brasileiro sem falar da Máquina.

Tudo bem, a cada ano a Invasão Corintiana de 1976 tem mais torcedores no borderô, mas deixa estar. A magia de um dos maiores confrontos da história do futebol brasileiro é também marcada pelo time que o Fluminense tinha, digno do Olimpo do nosso futebol, no mesmo salão de festas da Academia do Palmeiras, do Santos do inigualável Pelé, do Botafogo nos anos 1960 e do Flamengo de 1981.

Tudo isso tem o roteiro e a direção de Francisco Horta, que já deveria ter uma estátua no clube e o título de grande benemérito. O Fluminense já tinha nome nas ruas do mundo, mas foi Horta quem colocou a grafia tricolor nos letreiros à altura da Broadway.

Aos 90 anos, plenamente ativo e lúcido, o eterno presidente do Fluminense conduz a Santa Casa da Misericórdia há mais de uma década. Tida como incurável, a Santa Casa começou a respirar sem aparelhos e, aos poucos, vem retomando sua vida normal. Dá para dizer que o maquinista não tem poderes de cura?

A Máquina Tricolor alimentou corações e mentes, fez história e arrematou uma multidão de crianças para sempre – que eram jogadas para o alto em toneladas de vitórias, gols e grande futebol. Hoje, são os cinquentões que sentem o brilho nos olhos quando se fala de Miguel dos saudosos Rodrigues Neto, Dirceu, Carlos Alberto Torres, Félix, Toninho, Félix, Cafuringa, Doval e Mário Sérgio (craçaco que somente na Máquina ficou no banco de reservas), de Roberto Rivellino, de Paulo Cezar Lima, de Renato, Pintinho, Edinho, Rubens, Zé Roberto, Búfalo Gil e tanta gente. De Didi, Parreira e Paulo Emílio e Mário Travaglini, entre outros. De José Carlos Villela, o maior advogado tricolor de todos os tempos. De Ximbica. São muitos e muitos nomes, que todos se sintam representados aqui.

Tomara que meu pai consiga ler estas linhas. Ele me jogou para o alto muitas vezes no Maracanã. Eu era criança e ali, em meio à nuvem de pó de arroz, aprendi o que era uma festa. O ano de 1976 foi um dos mais difíceis da vida de Helio Andel. Sofremos literalmente o pão que o diabo amassou. Sua única alegria era o Fluminense, o Fluminense da Máquina, o fenômeno de popularidade. Obra e graça eternas de Francisco Horta, a quem declaro meu apreço, admiração, respeito e agradecimento a quem ofereceu alegria ao meu pai. Vivi para contar essa breve história.

Viva Francisco Horta, o eterno presidente do Fluminense!

Viva a Máquina imortal!

@p.r.andel

1 Comments

  1. Sensacional!
    Sou testemunha ocular de tudo isso, viva Francisco Horta!

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