Num sábado à tarde de muito tempo atrás, o Fluminense perdeu para a simpática Portuguesa da Ilha por 2 a 1. Gols de Rico, torcedor tricolor. Na volta para casa, um garoto carregou no metrô a linda bandeira que sua mãe havia costurado para ele. A tristeza ficou de lado quando perto de saltar e pegar a baldeação na Rua São Clemente, ele pensou: “Quando é o próximo jogo?”. Meses depois, aplaudiria uma das maiores equipes da história do clube. Perto de outros garotos, acompanharia o Fluminense para sempre.
Muito antes disso, o aniversariante deste 21 de julho já tocara o terror pelas pradarias, ora vencendo partidas teoricamente impossíveis, ora conquistando títulos todos como improváveis para cientistas curtos e apagados. Até quando não ganha, surpreende como na semana retrasada, obrigando o time mais caro do Brasil a jogar uma decisão que já considerava desnecessária.
Ao longo do tempo, o Fluminense espalhou vanguarda e história: não fundou o futebol brasileiro, mas o reinventou, dando-lhe régua e compasso para sair da brincadeira e ganhar o mundo. Germinou a Seleção Brasileira que até hoje (mais pelo passado) causa suspiros pelos continentes. Virou modelo mundial desportivo, campeão mundial de futebol e em cada gramado espalhou suas vivências: Rua Guanabara, Álvaro Chaves, Lagoa, São Januário, Maracanã.
Ganhou títulos aos montes, respeito de muita gente boa, inveja dos pobres de espírito. Mosca na sopa, desafiador de definições, quebra-firma. Queimou as línguas de jornalistas desafetos, virou jogos quando menos se esperava. Venceu, viveu, perdeu, foi para o umbral, espatifou a sala e voltou ao mundo dos muito vivos.
Na última década, o Fluminense fez menos do que dele se espera. Ora figurante, ora em riscos sucessivos de rebaixamento, vítima de um modelo de gestão ultrapassado, com muitos factóides e resultados sofríveis. E precisa se reinventar. New blood. Gás novo. Mas é um momento que precisa – e vai – passar, porque ao contrário do que alguns pensam, o Flu só tem um dono: sua torcida, que, reunida no Maracanã, proporciona um dos mais belos espetáculos de luz e cor em todo o Rio de Janeiro.
O grande Fluminense está por todas as partes. Dos engraxates humildes da Praça Tiradentes, passando pelos garotos da Zona Sul, os engravatados corporativos do Centro ou os velhinhos antenados de Santíssimo. Num descanso de tela, num escudinho pintado à mão por um menininho, numa camisa oficial que uma linda mulher desfila num passeio pela Lagoa Rodrigo de Freitas. Num toldo esparramado no chão, cheio de laranjas descascadas ou in natura.
Mais lembranças, nos sonhos, na força que nunca seca.
Quando preciso, rema contra a maré e a ilógica, vide a luta recente contra a sandice da volta do futebol.
Num país onde, a cada quinze anos, seus habitantes se esquecem do que aconteceu nos últimos quinze anos, viver cento e dezoito não é para qualquer um. Portanto, o Fluminense é especial, é uma raridade.
Todo torcedor é importante. Ninguém é melhor do que ninguém porque tem um site ou muitos livros publicados, ou porque passa o dia vendendo bobajadas em microblogs. O que ergueu o castelo social do Fluminense foi o coletivo, a torcida, a massa cercada de bandeiras e pó de arroz. A massa aflita do último momento, do lance capital. O garotinho carregando a bandeira tricolor costurada por sua mãe, pouco importando a inesperada derrota porque o que importa mesmo é o próximo jogo, o próximo jogo, o próximo jogo.
O Fluminense é apreço em torno de causas, é verve coletiva, é imaginação e desafio. Audácia. Elegância sem empáfia, sexy sem ser vulgar, talento sem arrogância. E quando há dúvidas sobre o hoje e o amanhã, um de seus maiores poetas pode ter seus versos recortados para saudar a paixão onde as três cores são nome. Diz Cartola: “Fim da tempestade/ O sol nascerá”.
São 118 anos. Uma vida de muitas vidas. Ainda há muito a fazer e escrever (sem copiar e colar).
Panorama Tricolor
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#credibilidade
Acredito que faça parte dessa história. Fui atleta de natação, participei das Olimpíadas Comemorativas dos 80 anos do clube.