A quarta foi estranha. As mortes de Gal Costa e Rolando Boldrin fizeram o Brasil chorar ainda mais do que já temos chorado. Resolvi ir ao Maracanã, era a despedida do estádio na temporada, ver o Fluminense é sempre bom.
Casa cheia para o horário de sete da noite, uma vitória fácil no fim – ainda que com demora para abrir o marcador – e muita alegria na torcida. Nos telões, o eterno Fred fazendo o papel de cabo eleitoral do atual presidente – ou até mesmo sócio dirigente -, a massa tricolor indo ao delírio. Depois, a promessa da Taça Libertadores em pleno placar do Maracanã.
Enfim, quase todos saíram felizes e sorridentes do Maraca, o Flu está na competição maior do continente.
É bom ver o Flu jogar, é bom vencer, mas será que a nossa comemoração não anda um pouco exagerada?
Vá saber.
Parece ser um grande momento. Pelo menos no campo. Resta agora conhecer os próximos passos.
Penso que este 2022 sugere uma justa e sincera reflexão. Se estamos em glória por causa do terceiro ou quarto lugar neste Brasileiro, depois de um ano marcado por fracassos na Copa do Brasil, na Pré-Libertadores e na Sul-americana, é também justo reabilitar grandes campanhas do nosso passado no certame nacional, muitas.
Parar de desrespeitar estupidamente a Máquina Tricolor, orgulho não só do Fluminense mas do Brasil. Uma Seleção Brasileira de verdade, com alguns dos maiores jogadores do mundo, em três cores.
Esse celebrado final de 2022, festivo e aplaudido, convida à mesma reverência às temporadas de 1975, 1976, 1982, 1988, 1991, 1995, 2001, 2002, 2005, 2007, 2011, tão ou mais importantes quanto 2020 ou agora.
É só o mínimo de coerência. Só.
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Parece que foi outro dia, mas hoje se completam dez anos do último grande título do Fluminense: o tetracampeonato brasileiro, num emocionante 3 a 2 sobre o Palmeiras.
Eu estava num ótimo bar, o Bom de Papo, que depois trocou para Mamão com Açúcar até falecer meses atrás.
Juntamos uma turma da pesada para torcer. O titulo estava encaminhado. No domingo anterior fui ao Morumbi ver nosso empate com o São Paulo. Para Presidente Prudente era mais longe, resolvi não correr o risco da coluna.
Além do coração em campo pelo título, eu vivia um desafio particular: o tetra tricolor significava também a confirmação do meu segundo livro na gráfica.
Deu no que deu: o Flu fez como sempre, deixou para o final e incendiou o coração de milhões de tricolores. Dois títulos brasileiros em três anos. Vários jogadores de alto nível, mais um grande ídolo. O Tricolor fazia jus à sua própria história.
Daquele lindo dia de título para cá, muita coisa mudou. Muita, disfarçada por megalomania, discursos lisérgicos, mentiras deslavadas e um cinismo atroz.
Com exceção da efêmera Primeira Liga e do simpático Carioquinha 2022, foram dez anos de um enorme vazio, o maior da história profissional do Fluminense em 120 anos.
Claro que foi legal vencer a Primeira Liga e o RJ22, mas o que não cabe é transformar um torneio efêmero e um campeonato decadente em triunfos avassaladores. Não tem como, gente. Nós também comemoramos o Carioca de 2002, mas sabemos de seu tamanho. Não dá para comparar este século com o passado: lá, éramos gigantescos. Aqui, precisamos de afirmação.
Vamos encarar a realidade. Se o período 1986-1994 também passou em branco, o Fluminense não foi um coadjuvante. Brigou pelos títulos. Brasileiros de 1988 e 1991, Copa do Brasil de 1992, Cariocas de 1990, 1991, 1993 e 1994. E assim como sabemos o que foi a Primeira Liga e o Carioca atual, também sabemos da Copa Kirin em 1987 e do Torneio de Kiev em 1989.
Enfim, começamos o ano de 2022 esperando muito mais. Não é vergonha. Fracassamos, é fato. Para o dinheiro que foi gasto, o Fluminense não ganhou quase nada. E festas bonitas na arquibancada, por mais desejáveis que sejam, não significam o oxigênio de todo clube grande: ídolos e títulos.
Porém, a Era Diniz trouxe uma sequência de boas atuações que, se jamais nos puseram disputando o Brasileirão de verdade, ao menos nos trouxeram sentimento de grandeza, de um Fluminense jogando como grande clube que é.
Pelo menos isso. É bonito, mas ainda pouco.
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A festa é linda. A torcida do Fluminense é a mais bonita do mundo. Ok, ainda está faltando pó de arroz, bandeiras e vocais. E samba. E música pra cima.
Também em 2022 tivemos muitos jogos com públicos expressivos no Maracanã, a melhor temporada nesse sentido e sem lutas contra o descenso.
Cantamos, pulamos, urramos, até latimos. Em nome da paixão, toleramos vários frangos, felizmente compensados com grandes gols de um artilheiro inesperado, mas implacável. Façam o L imediatamente!
Estamos felizes. Estamos satisfeitos.
Estamos?
Todos nós?
O que será que a gente está comemorando mesmo?
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Será que a gente vai voltar a ver juntos Arias, Ganso, Martinelli, André, Matheus Martins e Cano?
É sério que o Keno vem?
Que o Reinaldo vem?
Que o Thiago Neves vem?
Será que é sério?
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Ao que tudo indica, no imaginário popular colaram as lorotas de que o Fluminense é um coitadinho, que não arrecada, que é pobre de marré. Está no G4 por sorte, que peninha.
“Fizemos o que pudemos”. “Eles têm muito mais dinheiro”.
Temos dinheiro sim, gente. Para brigar sério pelas competições, não para ser um figurante bem fofo, inofensivo, que se conforma com a coadjuvância.
Temos um batalhão de garotos que, associados a jogadores experientes – não jogadores aposentados -, podem formar uma base para disputar títulos de verdade.
Agora, mandando embora garotos de 18 e 20 anos para investir no Sub 45 com salários de 500 mil mensais, não há sistema que aguente.
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A você, que não concorda com nada do que foi dito acima, meu total respeito pela sua divergência. Só peço a recíproca. Explico.
Não estou aqui para cortar a sua felicidade com os gols de Cano, com a festa linda da torcida, com vídeos e selfies de arrepiar. Longe disso. Quero mais que você seja feliz, muito feliz. Também gosto disso tudo.
Eu só queria dizer que torço há quase 50 anos pelo nosso time. Me apaixonei pelo nome. Eu virei Fluminense sem ver camisa, escudo, nada. Muitos anos depois, prestei serviços literários voltados para o clube e, da maneira que posso, tento fortalecer a sua bibliografia.
Desde o já distante 1973, foram muitos e muitos títulos, foram muitos e muitos ídolos. Não foi apenas um mar de rosas, mas nós sabemos nadar: dois anos depois de ser dado como morto, o Fluminense disputou duas semifinais brasileiras seguidas e conquistou um título estadual. Imagine o estofo de quem, antes disso, viu Félix, Rivellino, Edinho, Assis, Romerito, Pintinho, Cláudio Adão e tantos outros craques.
Com todo respeito à efêmera Primeira Liga (cujo livro tem meu prefácio, aliás) e ao querido Carioquinha (que tanto defendi e amo), eu jamais tinha começado na minha vida uma manhã como essa: dez anos sem títulos expressivos.
Nada tenho contra festa, mosaico, show, nada disso. Eu sou a favor da felicidade, seja efêmera ou permanente.
Acontece que eu quero voltar a ser feliz, vendo meu time comemorar grandes títulos em vez de prêmios de consolação, ou celebrar festas e cânticos.
Vídeo: Deigismon.