A história sensacional do Felipe (por Paulo-Roberto Andel)

Não paro de pensar desde a manhã de segunda-feira: meu querido amigo Antonio Leal (cujo CINEFOOT é uma aula de arte no Brasil e no exterior) postou no Facebook, o Caldeira escreveu maravilhosamente aqui ontem, muita gente comentou e aplaudiu a história do garoto Felipe na arquibancada do Maracanã. Portador de deficiência visual, ele teve num amigo fiel o locutor que lhe narrou todo o Fla x Flu.

Foi um gesto nobre, de amor, pureza e vida, atualmente muito longe do que se vê por aí. Algo como “Delicate sound of thunder”, o título do mitológico álbum duplo ao vivo do Pink Floyd no fim dos anos 1980. O delicado som do trovão, com a devida fina ironia. Como não reconhecer a verdadeira trovoada sentimental que causa um jovem tricolor apaixonado, louco para ouvir o que se via no campo? E a generosidade de seu amigo? Quem tem amigos assim ao lado, só conhece a vitória.

Antonio, homem de cinema, atento aos detalhes, teve a oportunidade de ver os dois garotos em ação na arquibancada. Ele, tão acostumado a emocionar dezenas de milhares de pessoas com os frutos do seu trabalho artístico, teve a oportunidade de ser um espectador premiado, a testemunha de uma história rara e belíssima. E depois registrou numa foto que diz tudo.

Felipe e seu amigo me remetem a um futebol e Maracanã que eu vivi, parcialmente contado num livro meu que me enche de orgulho. Nele, eu sou um personagem garoto, navegando entre imagens e lembranças dos meus anos 1970, 80 e 90. Em certo tempo, eu ia a todos os jogos do Flu que podia, enquanto descobria que alguns dos meus heróis eram também tricolores: Chico, Tom, Hermeto, Belchior, Egberto. O meu futebol sempre se misturou com música e artes em geral, e não foi em vão: acabou de alguma forma me levando a ser um dos escritores mais publicados da história do clube. Mas tudo isso só foi possível porque eu era desde sempre um apaixonado pelo Fluminense, eu perseguia o Fluminense, a minha torcida era a mais bonita do mundo, tinha as pessoas mais legais. Hoje, a maturidade não me permite tais sonhos juvenis, mas o amor permanece intacto.

Numa arquibancada às vezes tão dividida, rancorosa e despolitizada – mas muito politiqueira -, uma amizade como essa de Felipe e seu amigo é um bálsamo, uma prece, uma golfada de amor, de generosidade. Eu não estive presente ao jogo, mas queria muito estar perto deles, conversar quando possível – sem atrapalhar a narração da partida. Seria uma forma de voltar ao meu passado, quando você via um tricolor na outra calçada e imediatamente reconhecia nele um irmão. Lamento muito por não ter ido: esses dois são o Fluminense, tudo muito longe de bravatas esquizofrênicas de 140 caracteres e discursos copy-paste, ou ainda falácia de meninos de recados. Não, não, não, mil vezes não: o Fluminense é outra coisa, é outra bossa.

Nós somos o time dos amigos arrebatadores, dos camaradas fraternos ao extremo, da camaradagem, da lucidez, das lembranças de beleza e poesia. Sempre foi assim e não tem que mudar. Se a internet tem meia dúzia de espíritos de porco fazendo óinc para os likes, azar o dela e deles. Ser tricolor é crescer na própria caminhada sem pisar em ninguém. Fidalguia é coisa nossa. Nosso hino tem a palavra “amor” como um troféu especial.

A Felipe, seu amigo e Antônio Leal, meu eterno agradecimento. Por alguns instantes, a história dos três me levou aos anos mais felizes de minha vida, quando eu tinha treze anos de idade, o mundo era um futuro inteiro e o Fluminense ainda escreveria muitas histórias bonitas, até mesmo quando sofreu bastante – mas por pouco tempo. Afinal, quem tem cento e quinze anos de vitórias e títulos nunca há de compactuar com a tristeza. Chorei e vivi com a foto acima. Três amigos, dois irmãos, um amor infinito.

Logo mais tem mais. É dureza, estamos na seca, mas a fé não costuma faiá. Duas vitórias seguidas e as coisas se ajeitam. Vamos nessa.

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: antonio leal/curvelo

1 Comments

  1. Andel,
    Que crônica! Nós somos o Fluminense da poesia e das amizades sem limites. Um abraço ao grande escritor.
    Ulysses.

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