O campo dos sonhos, como já se esperava, deu ao Flamengo uma superioridade técnica lunática, oceânica, monumental, a ponto de, num passe de mágica, esquecer-se os 25 pontos de diferença que a Gávea possui para o líder, o nosso líder, o nosso time. E também no cenário da fantasia, chegar ao G4 e até disputar o título tornou-se fichinha na tarde de ontem, ao menos até antes das dezesseis horas.
Depois do britânico começo do jogo, foi tudo diferente. Veio a realidade.
Muito antes de Fred ter feito mais um gol de placa, depois de apoteótico passe de Deco, o Fluminense era superior em campo, mas não agredia incisivamente – e nem precisava. Líder do campeonato e tendo o Atlético Mineiro empatado com a Portuguesa, é claro que o tricolor podia jogar com mais calma. Ah, sim, o Flamengo trocou a correria dos outros jogos por um esquema muito mais cauteloso e fechado. Maior prova da prudência rubro-negra foi o completo silêncio de sua torcida em 90% da partida – e todo o primeiro tempo. Principalmente quando Wellington Nem quase fez um golaço por cobertura. E antes, quando Fred deu lindo passe e Digão furou a finalização? Estes lances, ninguém lembrou de pôr nos “melhores momentos”.
Falo do gol. Uma obra de arte. Um Portinari. Um Áquila. Quando engatilhou o tiro de fuzil, Fred já era o senhor do Engenhão – que outro craque fez mais golaços do que ele no estádio alugado do Botafogo? Ninguém. Lembremos contra o Coritiba. O Grêmio. O Botafogo. Ontem, mais uma vez, ficou provado que o golaço redime, o golaço liberta. Irmãs siamesas no setor oeste superior, as torcidas organizadas urraram como nunca, tudo provavelmente abafado nos microfones da emissora oficial. Há palavras para descrever este gol? Não. Tudo o que for escrito será humilde e escasso. O jogo devia ter sido encerrado depois do um a zero, como tributo à beleza do futebol.
Nem tudo foi um caminho de primavera, contudo. Carlinhos deixou a desejar e Bruno foi Bruno, o que nos causou problemas principalmente no final da partida, quando a fantasia rubro-negra tomou as cores do desespero e aí, finalmente, jogaram como Flamengo: atacaram, agrediram e só não empataram porque a garra da Gávea não coadunou com a perícia técnica. O Fla-Flu não é fácil, nunca é fácil e isso só aumenta o sabor de nossa vitória. Edinho firme, sempre com bons passes de trivela. Quando houve perigo, Cavalieri foi Paulo Victor e saiu com todo arrojo para evitar o empate.
Neves saiu aplaudido de campo, substituído. Não poderia ser de outra forma. Correu, brigou muito e poderia ter feito quatro gols: um no primeiro tempo, em chute forte por cima; os outros três no segundo: duas bolas na trave em cobranças de falta, outro chute no canto direito que Felipe espalmou. Imaginem um novo créu? E a jogada no segundo tempo em que tivemos três atacantes livres e perdemos a chance? Pois bem, falhamos. Era para ter sido de mais.
Nos vinte minutos finais do jogo, deu Flamengo. Vieram com tudo. A fantasia desabou, a realidade era ficar no pelotão de baixo da tabela. Perderam um gol, dois. Cavalieri fez grande defesa no ângulo esquerdo. Houve o problema também das mexidas, não propriamente por conta de Abel (poupem-no desta vez, não sejam cegos!), mas por não surtirem efeito: Diguinho, sempre com raça, entrou mal e, sem Fred no ataque, perdemos referência. Sobre o pênalti, aí surgiu um mundo de novas fantasias. Que gol anulado? Marcelo já tinha marcado o penal bem antes, a defesa parou e não teria sido anormal se Renato recebesse cartão amarelo. A empáfia rubro-negra pela primeira vez tomou as arquibancadas de assalto (sem trocadilhos), mas o time deixou a desejar num momento crucial: bateu o pênalti o jogador que tinha acabado de entrar, Botinelli, isso contra o melhor goleiro do Brasil hoje. Aí, Cavalieri foi mais Paulo Goulart do que nunca, Botinelli foi mais Zico do que nunca e quem urrou de novo foi a nossa torcida. O urro de quem trabalha e confia, o urro de quem quer ser campeão e não precisa de manchetes espetaculares a seu favor. Urro também à beira do campo: em certo momento tivemos Fred junto a Abel na área técnica gritando com o time, orientando. Um espírito de equipe difícil de ser visto em outros lugares.
Depois do pênalti, ainda houve o impedimento e mais uma conclusão a gol que merecia cartão amarelo – mas Vagner Love já o tinha, então… a fantasia perdeu seu viço. A realidade é outra: o Fluminense luta pelo título, o Flamengo comemora o afastamento da zona de descenso. Os bobocas do contra adentram esta segunda-feira com o mofo do fracasso de suas retóricas.
Deco e Fred foram dois monstros. Por isso, o Fluminense é o líder. Por isso, o Fluminense segue firme na disputa do título, sem manchetes e fantasias, mas com uma verdadeira Praça da Apoteose no gramado e nas arquibancadas. Por isso, mais um centenário terminou em Ai-Jesus com o completo silêncio dos meios de comunicação convencionais.
Esta crônica é dedicada a João Saldanha.
Paulo-Roberto Andel
Panorama Tricolor/ FluNews
@PanoramaTri @ pauloandel
Imagem: google.com
Contato: Vitor Franklin
O cordão dos “admiradores” está aumentando…
Aproveitando, caro Paulo, vamos botar umas meninas pra comentar. Tá parecendo clube do bolinha rsrsrs
Parabéns,muito bom como sempre
Paulo,
Como sempre, muito bom.
Abraço.
Valeu Andel! Registrou o FlaFlu com muito estilo, parabéns! ST.
espetacular!
Cada crônica do Andel é uma jóia de alto valor! Sensacional!
O mais legal é que mantemos a tradição do “novo Zico” semanal. Como vc bem lembrou, o Botinelli.
ST!
Urubu otário mais um centenário pra casa do ….