Fantasia, realidade e apoteose (por Paulo-Roberto Andel)

O Fla-Flu é um sistema solar com seus planetas, vidas e perspectivas. Na Terra, ele claramente se fez presente em dois cenários ontem: o da realidade e o da fantasia.

O campo dos sonhos, como já se esperava, deu ao Flamengo uma superioridade técnica lunática, oceânica, monumental, a ponto de, num passe de mágica, esquecer-se os 25 pontos de diferença que a Gávea possui para o líder, o nosso líder, o nosso time.  E também no cenário da fantasia, chegar ao G4 e até disputar o título tornou-se fichinha na tarde de ontem, ao menos até antes das dezesseis horas.

Depois do britânico começo do jogo, foi tudo diferente. Veio a realidade.

Muito antes de Fred ter feito mais um gol de placa, depois de apoteótico passe de Deco, o Fluminense era superior em campo, mas não agredia incisivamente – e nem precisava. Líder do campeonato e tendo o Atlético Mineiro empatado com a Portuguesa, é claro que o tricolor podia jogar com mais calma. Ah, sim, o Flamengo trocou a correria dos outros jogos por um esquema muito mais cauteloso e fechado. Maior prova da prudência rubro-negra foi o completo silêncio de sua torcida em 90% da partida – e todo o primeiro tempo. Principalmente quando Wellington Nem quase fez um golaço por cobertura. E antes, quando Fred deu lindo passe e Digão furou a finalização? Estes lances, ninguém lembrou de pôr nos “melhores momentos”.

Falo do gol. Uma obra de arte. Um Portinari. Um Áquila. Quando engatilhou o tiro de fuzil, Fred já era o senhor do Engenhão – que outro craque fez mais golaços do que ele no estádio alugado do Botafogo? Ninguém. Lembremos contra o Coritiba. O Grêmio. O Botafogo. Ontem, mais uma vez, ficou provado que o golaço redime, o golaço liberta. Irmãs siamesas no setor oeste superior, as torcidas organizadas urraram como nunca, tudo provavelmente abafado nos microfones da emissora oficial. Há palavras para descrever este gol? Não. Tudo o que for escrito será humilde e escasso. O jogo devia ter sido encerrado depois do um a zero, como tributo à beleza do futebol.

Nem tudo foi um caminho de primavera, contudo. Carlinhos deixou a desejar e Bruno foi Bruno, o que nos causou problemas principalmente no final da partida, quando a fantasia rubro-negra tomou as cores do desespero e aí, finalmente, jogaram como Flamengo: atacaram, agrediram e só não empataram porque a garra da Gávea não coadunou com a perícia técnica. O Fla-Flu não é fácil, nunca é fácil e isso só aumenta o sabor de nossa vitória. Edinho firme, sempre com bons passes de trivela. Quando houve perigo, Cavalieri foi Paulo Victor e saiu com todo arrojo para evitar o empate.

Neves saiu aplaudido de campo, substituído. Não poderia ser de outra forma. Correu, brigou muito e poderia ter feito quatro gols: um no primeiro tempo, em chute forte por cima; os outros três no segundo: duas bolas na trave em cobranças de falta, outro chute no canto direito que Felipe espalmou. Imaginem um novo créu? E a jogada no segundo tempo em que tivemos três atacantes livres e perdemos a chance? Pois bem, falhamos. Era para ter sido de mais.

Nos vinte minutos finais do jogo, deu Flamengo. Vieram com tudo. A fantasia desabou, a realidade era ficar no pelotão de baixo da tabela. Perderam um gol, dois. Cavalieri fez grande defesa no ângulo esquerdo. Houve o problema também das mexidas, não propriamente por conta de Abel (poupem-no desta vez, não sejam cegos!), mas por não surtirem efeito: Diguinho, sempre com raça, entrou mal e, sem Fred no ataque, perdemos referência. Sobre o pênalti, aí surgiu um mundo de novas fantasias. Que gol anulado? Marcelo já tinha marcado o penal bem antes, a defesa parou e não teria sido anormal se Renato recebesse cartão amarelo. A empáfia rubro-negra pela primeira vez tomou as arquibancadas de assalto (sem trocadilhos), mas o time deixou a desejar num momento crucial: bateu o pênalti o jogador que tinha acabado de entrar, Botinelli, isso contra o melhor goleiro do Brasil hoje. Aí, Cavalieri foi mais Paulo Goulart do que nunca, Botinelli foi mais Zico do que nunca e quem urrou de novo foi a nossa torcida. O urro de quem trabalha e confia, o urro de quem quer ser campeão e não precisa de manchetes espetaculares a seu favor. Urro também à beira do campo: em certo momento tivemos Fred junto a Abel na área técnica gritando com o time, orientando. Um espírito de equipe difícil de ser visto em outros lugares.

Depois do pênalti, ainda houve o impedimento e mais uma conclusão a gol que merecia cartão amarelo – mas Vagner Love já o tinha, então… a fantasia perdeu seu viço. A realidade é outra: o Fluminense luta pelo título, o Flamengo comemora o afastamento da zona de descenso.  Os bobocas do contra adentram esta segunda-feira com o mofo do fracasso de suas retóricas.

Deco e Fred foram dois monstros. Por isso, o Fluminense é o líder. Por isso, o Fluminense segue firme na disputa do título, sem manchetes e fantasias, mas com uma verdadeira Praça da Apoteose no gramado e nas arquibancadas. Por isso, mais um centenário terminou em Ai-Jesus com o completo silêncio dos meios de comunicação convencionais.

Esta crônica é dedicada a João Saldanha.

 

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri @ pauloandel

Imagem: google.com

Contato: Vitor Franklin

8 Comments

  1. O cordão dos “admiradores” está aumentando…
    Aproveitando, caro Paulo, vamos botar umas meninas pra comentar. Tá parecendo clube do bolinha rsrsrs

  2. Cada crônica do Andel é uma jóia de alto valor! Sensacional!

  3. O mais legal é que mantemos a tradição do “novo Zico” semanal. Como vc bem lembrou, o Botinelli.

    ST!

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