“Eu sou teu pai!” (por Alva Benigno)

Nunca há uma noite tranquila de sono para quem é cavalo de Zanzibar. Não escolhi isso, mas sou a portadora da confiança desse espírito que paira sobre Laranjeiras faz décadas. É o dono da verdade, de uma infinidade de segredos, de amores platônicos de sarjeta, de gente desqualificada que é paga pra ser exatamente isso, e de ludibriar um oceano de gente de todos os estratos sociais, todos os perfis de ocupação e conduta erótica sobre como as coisas ocorrem no club. Eu sofro e não gozo. Não sei de onde veio fardo tão pesado. Tenho fé que um dia isso me será revelado. Esse preâmbulo-desabafo vem a calhar, porque acordei suada, e com tesão em plena madrugada de mais um dia que não sei se é ou não domingo ou quarta-feira nesses tenebrosos momentos pandêmicos. Confusa com os sonhos que não sei até onde podem ter sido realidades vividas, tamanha a confusão mental que o Conde Di Zanzybahr gera em minha alma. Acordei e fui me masturbar com a ducha do bidê da minha suíte. Não pude gozar, algo me impedia. Eis que veio a voz: “Alva, fume o colombiano! E escreva para esclarecer o torcedor. Essa é a sua missão. Depois você vai gozar o quanto desejar. Mas veja o envelope sob sua escrivaninha, ao lado do seu computador.”

Lá fui eu, exausta e excitada simultaneamente, algo difícil de explicar, e encontrei o tal envelope com o timbre das armas imperiais, o Brasil de café e escravidão. Dentro, um baseado pronto para degustação. E um bilhete: “Fuma essa porra e escreva o que lhe direi!” Sem dúvida alguma, era um chamado do Conde! Recusar tornaria as coisas piores. E eu queria gozar, porque ele é o senhor da porta do meu orgasmo, ele bloqueia meu inconsciente erótico para que eu possa liberar meu élan vital.

Para meu espanto, o computador já estava ligado com o programa de edição de textos pronto. O cursor piscava num ritmo que me embriagava, me fazendo entrar em transe. Eu sabia no que isso iria dar…

“Não adianta negar! Mandei construir a Catedral do Amor, e Happybath obedeceu. A Sauna reina! Porém, um espírito, não! O Espírito precisa de uma igreja. Já não era sem tempo! O Conde é um título para uma vida mortal. Sou mais que isso, sempre fui. Preciso de um verdadeiro templo. Lá estava sendo erguida aos meus olhos a Catedral do Amor que Não Ousa Dizer Seu Nome, centro nervoso da Igreja Zanzibariana. Eu, um homem de bem, temente a Deus e amante do Diabo, branco, rico, escroque, nascido do ceio da corja da rameirice carioca, canalhocrata, com lastro de hétero e valor de homo, preciso me impor aos meus fiéis. Ao clã seleto que me cerca por serem pilantras, emocionalmente frágeis, que vivem do valor de salários que provam o quanto não valem nada daquilo. Ninguém consegue emprego que paga tão bem do que eu, porque eu só emprego estrume profissional. Eu sou meu cu!”

Zanzibar é um Francisco de Assis às avessas, diz coisas sem aparente sentido, me oferece sortilégios de mau gosto e de difícil compreensão. Dessa vez, começa a narrar um estranho ritual de inauguração de um recinto que ora chama templo, ora igreja, ora terreiro.

“Se a vaga na Liber viesse, a Catedral seria construída. E foi! Supervisionei a transformação do que era na prática meu palco, onde platônicos não entram, amores nanicos jamais! Só calibrados, que gemem de fé em mim, que reconhecem meu poder com caçapas que aguantam as boladas das tacadas. Ali se contrata, se demite, se desfaz elencos, rancores, amores, paixões, se desatam nós, damos laços e lições. Eu sou meu cu! A Sauna de Justiça finalmente virou o Templo da Luxúria. Já não era sem Templo! Tudo decorado conforme disse, e conforme eu pedi, lá estava o órgão para tocar as músicas do transe do orgasmo sem fim. Em anexo, o músico por mim escolhido dedilhava o repertório da pulsão vertiginosa.

Todos convidados, Happybath constrangido. Perfilados, homens de família, com suas toalhas, suando por saberem que o Senhor de Seus Desejos chegaria com as honras e pompas merecidas. O primeiro ritual estaria pra começar na Igreja Zanzibariana. Tocata e Fuga, de J S Bach anuncia minha entrada, colocando Happybath em prantos. Vagarosamente, com minha túnica de imortal, entro e chego ao púlpito. Ao lado do meu altar, faço minha primeira homilia. Olho para todos, e digo que recentemente a Sauna de Justiça foi humilhada. Reprovamos pelo péssimo desempenho carnal, por serem um bando de pregas presas e cu secos. Mesmo assim, o nosso querido Happybath cismou em contrariar o nosso veredicto. Ninguém contraria a Sauna. Até hoje Happy não aprendeu. E quando isso ocorrer, o club termina. Ninguém foi contratado, nem bigode de pentelho e nem qualquer outro. Comer é fácil, mas não se sujar de merda só poucos ungidos por mim são capazes. Happy, porque choras?”

O baseado faz minha cabeça, saio rapidamente da onda, mas Fran me manda de volta para escrever o diálogo revelação que mudará pra sempre a história do club!

“Choro porque não sei o motivo de tantas humilhações, Chiquinho! Tento lhe agradar, mas você não me ama, só tem olhos pro Careca. Por isso mesmo eu sou um ser infeliz, possesso e o processo! Mas ele verga, mas não quebra. E você não me come, e o time não ganha nada. No banheiro do amor eu sou motivo de piadas. Eu quero uma explicação por essa falta de compaixão mínima e por não perdoar meu mau-caratismo sem jeito, meu milicianismo de merda incompetente, minha corte de pulhas inúteis! Dei sua Igreja, sem Templo, transformei a Sauna em seu lugar de ser, dei ao espírito sua morada material, e eu peço uma única coisa: responda, por que judias de mim?

“Francisco Da Venezuela y Balezuela Aux Zaizibaux olha fixo e diz: Eu sou seu pai!”

Uma pane elétrica ocorre na vizinhança, deixando o bairro das Laranjeiras em um apagão de minutos. Só o meu computador continua, inexplicavelmente, com energia. Chique Chique me manda voltar a escrever, no que eu, em busca do gozo perdido, obedeço como único caminho a ser seguido.

“Happybath, eu exijo mais de você porque você é meu filho! Mas você não aprende nada! Não te como porque não sou incestuoso. Só o Careca sabia, até então, até esse ritual de inauguração de minha congregação erótico-espiritual dessa revelação. Clandestinamente, aos prantos, em meio a essa pandemia maldita eu consegui enganá-lo por minutos e entrar em seu carro. Era tarde da noite, chuva torrencial. Cheguei em seu ouvido e disse que contaria o maior segredo de minha vida esperando que ele me possuísse. Disse que era seu pai, e que você continuava a ser um lixo humano, um trapo fedorento, porque não tinha um padrasto. Se o Careca passasse a assumir meu ser erótico, ele seria seu padrasto. Ele ouviu minha confissão e logo em seguida me expulsou do carro, em movimento. Desde esse dia, nunca mais eu o vi.”

A luz volta e eu posso terminar o enorme bagulho. A revelação está feita, uma espécie de feitiço sobre a existência de Happy, a paternidade espiritual que ao mesmo tempo é uma maternidade. A recusa do escolhido por seu pãe, Zanzybah, pra ser seu tutor, padrasto e exemplo de vida. Sem isso, sob sua gestão o time jamais será campeão. Os astros estão em movimento, e tudo na vida de Happy está nebuloso, caminhando por estradas escuras, esburacadas e misteriosas. Só me resta levar meu corpo suado para minha cama, e mergulhar no gozo liberado pelo meu senhor. E esperar a larica vir com toda a fúria, quando eu despertar. Sei que muitas coisas ainda serão reveladas, mas a partir de agora uma verdadeira tragédia grega toma conta das tramas intestinas do club.

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