Torcer sem acreditar? Inviável. O Fluminense inventou a torcida no futebol e vem seguindo com ela a seu lado há mais de um século. Não é uma história para amadores, pernósticos e desavisados. Também não é uma história de fanfarrões caixa-alta sem maior substância. E também não é uma história de felicidades em todos os dias, ainda que certa humildade nos faça reconhecer: nós, torcedores do Fluminense, temos muito mais felicidade para contar do que qualquer outra coisa. Poderia dizer que o mundo já foi nosso muito antes do que qualquer outro time do Rio de Janeiro. Ou que o auto-proclamado maior do mundo exerce respeitosamente sua tradição de nosso eterno vice. É que a nossa história, viva história, não se limitou aos gramados: ela exala pelos poros dos nossos inúmeros torcedores que estão em destaque nas mais variadas manifestações de arte e cultura Brasil afora: música, teatro, cinema, literatura, outras mais. E também nas nossas arquibancadas, com nossas lindas garotas e os rapazes que fazem das suas gargantas o maior dos corais. Os senhores que já viram gols e títulos impossíveis. O fato é que também temos as nossas cicatrizes, as varizes, as dores: quem nunca as teve numa história centenária não merece respeito e credibilidade. É de uma dor lancinante que venho falar agora. “A dor dói”, ensinou o genial poeta Augusto de Campos. “Eu sou como eu sou/ vidente/ e vivo tranquilamente todas as horas do fim”, poesia deslumbrante de Torquato Neto. Nós não vivemos um momento de alegria, sentimos uma dor profunda e o medo de que o fantasma do rebaixamento tão falado a cada dia nos suceda – mesmo que o Fluminense já tenha se tornado em 2013 o mais pré-rebaixado de todos os times que não estiveram na zona de rebaixamento até aqui. E já que temos dor, precisamos curá-la. Ninguém é louco de não reconhecer a dificuldade do momento. Ninguém é louco em não perceber a gravidade do momento. Ninguém também pode ser louco de rasgar o livro dos nossos dias. O melhor meio é agirmos como foi em 2003, 2006, 2008 e principalmente 2009: diante do caos e da tragédia iminentes, encaramos a morte de frente e a atropelamos como se fosse um saco de papel indevidamente colocado no asfalto. Evitar o rebaixamento está em nossa atitude positiva, de força, de zelo tricolor. Eis a deslumbrante dramaturgia de Nelson Rodrigues: “Nas situações de rotina, um “pó-de-arroz” pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumbas.” – melhor retrato do que estamos precisando agora não há. Tal como nos anos 50, precisamos de número nas cadeiras coloridas do Maracanã. A Revista do Rádio foi substituída pelas redes sociais e algumas poucas bestas-feras que se escondem covardemente atrás da tela. Mas acontece que a torcida do Fluminense é maior do que tudo isso. Ela precisa entender o seu papel fundamental nesta hora de devastação que vivemos – e mudar o roteiro, rasgar o script, subverter a desordem vigente. Não é hora de tricolores fazerem o papel de gladiadores entre si. Não é hora de deixar de apoiar por conta do pujante jogo político do clube à véspera das eleições, cercado de baixarias e velhos aproveitadores. Não é hora de arroubos pessoais inúteis em detrimento da causa maior, do SENTIMENTO que nos junta em todos os lugares, das favelas aos grandes condomínios, dos humildes trens aos automóveis luxuosos, do Inferno ao céu. Caros amigos, o Fluminense hoje está em Atibaia. Teve dias de intenso trabalho. Deco, campeão dos campeões, visitou os amigos para dar força. Onde está escrito ou assentado que o Fluminense não pode vencer o Corinthians? Ora, estamos cravejados no centenário do Parque São Jorge, esqueceram? O que nos impede de acreditar que o Fluminense não pode vencer estes desafios mais à frente e permanecer na primeira divisão? A soberba? A vaidade de alguém em ser o primeiro a acertar a tragédia e dizer com sorriso professoral “Eu sabia!”? Uma torcida que não acredita está condenada ao próprio féretro e este não é o caso de milhões de tricolores espalhados de norte a sul deste continente que denominamos Brasil. Nem mesmo um insucesso em Araraquara removerá a fé dos que acreditam na superação do Fluminense por um motivo simples: temos as probabilidades do nosso lado. Quando elas foram de 2 ou 1%, bastaram para escrevermos uma linda história. Agora, com 30%, 40% ou 50% não será diferente. “Quando tudo está perdido sempre existe um caminho”, vaticinou o poeta tricolor Renato Russo. A grande verdade neste momento é que não está nada perdido – e por isso mesmo somos capazes de fazer no ano de 2013 muito mais do que já fizemos até agora. Não me venham com lógicas pueris; os idiotas da objetividade já foram ridicularizados pelo mestre Nelson há sessenta anos. Se futebol tivesse lógica seria ciência exata e não arregimentaria o mundo inteiro a seus pés. Existe um time do Fluminense em campo, existe uma camisa com cento e doze anos de história vestindo o peito de cada um dos nossos jogadores – então, acreditar é somente saber que o passado nos deu inúmeras lições para mudar todo o cenário que a tabela do campeonato nos impõe por ora. Os reducionistas ocos vão falar de três anos: 1996, 1997 e 1998. Modestamente, eu fico com os outros cento e oito entre 1902 até aqui. Não me interessa a vírgula solitária, eu quero a prosa inteira. Não me interessa apenas a parede infiltrada do banheiro, eu penso na casa inteira. O que adianta uma viga sem o viaduto? O pneu sem o carro? Eu acredito que o Fluminense pode escapar do caos e ter um dezembro de alívio, porque já vi isso muitas vezes e não preciso da solidariedade de ninguém para acreditar mais e mais. O Fluminense tem a vocação para desarmar as intempéries, como tenho visto há trinta e cinco anos, como outros têm visto há cinquenta, sessenta ou setenta anos. Somos o TIME do último minuto. Por mais que alguns insistam no individualismo raso, todos nós somos um time. E é só.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: oglobo.com.br
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É isso aí.
Quem não é tricolor não conhece sua história.E sendo assim,vamos pra cima e vamos vencer e mais uma vez desafinar o coro dos contentes.
Saudações Tricolores!
Belíssimo texto, parabéns! Eu também acredito no meu Fluminense. O resultado dos últimos jogos deu-me uma certa dose de desânimo, mas passou. O FLU não cairá. A benção, João de Deus! No fim, o grito tricolor ecoará.
Fluminense, não te abandonarei jamais!
O dia em que vc,Nelson, Arthur e mais alguns deixarem de acreditar no Flu eu me jogo da ponte!
ST!
“… pernósticos e desavisados…” rsrs Sensacional!
Eu tenho certeza que venceremos, amanhã.
E, na quinta, véspera de feriado, faremos uma festa que só
a grande nação tricolor sabe fazer.
ST4