E se fosse 1980? (por Paulo-Roberto Andel)

Queria voltar trinta e dois anos no tempo. É uma impossibilidade.

Recobrar a juventude e o futuro à frente. Falo de 1980

Futebol no Maracanã às cinco da tarde de domingo, sem a paulistanização do horário. A preliminar de juvenis (não juniores na nomenclatura), palco de apresentação dos futuros craques – quem prestou atenção no passado já sabia muito bem quem eram Paulo Goulart, Edevaldo, Delei, Mário, Robertinho, Zezé.

O sanduíche era cachorro-quente Geneal, o pão de uma maciez incomparável. Refrigerante era Coca-Cola de copo no tanque, os vendedores pareciam astronautas, andavam todos de branco e com capacete. Já falei disso muitas vezes e falarei ainda mais: digno é o homem que se espelha em sua infância.

À beira do campo, a banda perfilada formando as palavras “Flu” e “Bota”.

Os alvinegros, com as arquibancadas vazias. Russão e a turma queriam escalpelar Charles Borer, o presidente. No segundo tempo ia piorar.

No ano anterior, 1979 foi a única vez em minha vida que deixei o Maracanã no intervalo, puxado pela mão por meu pai Helio, irritadíssimo. Levamos uma sapatada de três no primeiro tempo, Mendonça foi um monstro de Saldanha, Borrachinha era o goleiro, todo vestido de preto, não tivemos chance. E vínhamos da goleada monumental sobre a Gávea, com o golaço de Cristóvão. Deu tudo errado. Ainda no 464, ouvimos o quarto gol alvinegro. A pizza da Bella Blu em casa pareceu gelada como nunca, mesmo recém-tirada do forno a lenha.

Nosso time era novo em 80 e a imprensa não dava um dólar furado por ele em tempos de inflação galopante. A garotada dos juniores, mais o Edinho e o Rubens Galaxe. Reforços, só dois: Gilberto, camisa 8 que veio do Atlético Goianiense, e Cláudio Adão, craque defenestrado pela Gávea e que havia acabado de voltar de empréstimo do próprio Botafogo.

Fizemos chover. Cláudio Adão, talvez ainda magoado pela dispensa do Flamengo e por não ter ficado no Botafogo, fez uma de suas melhores partidas em toda a carreira. Foi dele o corta-luz que resultou no primeiro gol. No terceiro, ele lança para a direita, Edevaldo cruza, Robertinho dá um passe de calcanhar no alto e Adão fuzila sem chance no canto esquerdo. Três a zero em meia hora, troco digno para 1979. Sorri. Éramos 3 ou 4 tricolores para cada botafoguense na arquibancada e na geral.

No comecinho do segundo tempo, mais um gol que só os talentosos fazem: escanteio da esquerda, Robertinho cabeceia num “balão” para o meio da área, Adão ajeita no peito e, em meio segundo, fuzila sem piedade. Quatro a zero, acerto de contas, meu pai sorridente. Os alvinegros encostaram na grade da tribuna e realmente pareciam a “cachorrada”: poderiam morder de raiva quem estivesse por perto, inconformados com a atuação do nosso camisa 9. Eram poucos, mas faziam um barulho dos diabos.

Na semana seguinte, o Fluminense ainda ganhou manchetes opacas. Depois, foi até citado com a “empáfia” de quem “já se considerava campeão do turno”. No fim, tudo deu certo: vencemos o Vasco tanto no mesmo turno quanto na final, 1 x 0, apoteose de Edinho na cobrança de falta, dia do adeus de Cartola. Campeões imortais depois de intermináveis quatro anos sem títulos.

Depois, viria o confuso biênio 1981/1982 (que não nos impediu de quase chegar às semifinais do campeonato brasileiro), mas logo seriam plantadas as sementes do grande time de 1983/1985.

Queria voltar no tempo. Namorar a infância, abraçá-la.

Já que voltar é impossível, fica a linda e permanente lembrança, mais o sonho de rever outra infância logo mais, desta vez no Engenhão (onde, incrivelmente, quase jogamos de favor por conta das traquinagens de Maurício Assumpção).

Naquela época, contudo, o Fluminense era uma promessa que se consolidou.

Hoje, é uma realidade em busca de mais um grande título, em busca de ser inquestionável perante o mofo das manchetes pré-fabricadas desde 1906.

Mais tarde eu piso de novo na arquibancada. E me emociono. Nisso, a infância é eterna.

http://www.youtube.com/watch?v=89iFwx0kWcg

FLUMINENSE 4 X BOTAFOGO 0

Local: Maracanã;
Árbitro: Valquir Pimentel:
Renda: Cr$ 4.488.200,00; Público: 34.953:

Gols: Gilberto 13. Zezé 29 e Cláudio Adão 32 do 1º: Cláudio Adão 4 do 2º: Expulsão: Wecsley

Fluminense: Paulo Goulart. Edevaldo (Marinho). Tadeu. Edinho e Rubem Galaxe; Delei. Gilberto (Cristovão) e Mario; Robertinho. Cláudio Adão e Zezé. Técnico: Nelsinho

Botafogo: Paulo Sergio, Perivaldo. Zé Eduardo, Renê e Serginho: Luisinho, Wecsley e Mendonça: Edson, Marcelo (Rocha) e Tiquinho. Técnico: Othon Valentim

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor/ FluNews

@PanoramaTri

Imagem: abril.com.br

Contato: Vitor Franklin

10 Comments

  1. Fluminense: Paulo Goulart. Edevaldo (Marinho). Tadeu. Edinho e Rubem Galaxe; Delei. Gilberto (Cristovão) e Mario; Robertinho. Cláudio Adão e Zezé. Técnico: Nelsinho

    Esse time estava se consolidando, como bem disse o Andel. Todos tiveram carreira de muito sucesso.

    Paulo Goulart foi um dos maiores pegadores de pênaltis que já vi, cansou de deixar frustrados jogadores como Zico e Roberto Dinamite, considerados os melhores batedores do Rio. Goulart afirmava que um dia seria presidente do Fluminense. Por onde anda?

    Edevaldo vestiu a amarelinha e já naquela época jogava como jogam os modernos alas de hoje. Tinha um fôlego excepcional para fazer o vaivém e ainda costumava marcar gols.

    Tadeu era um excelente zagueiro, mas quase ninguém comentava, porque a seu lado jogava o Edinho.

    Edinho foi o maior zagueiro que já vi envergando a camisa do Fluminense. Técnica apuradíssima, raça incomparável. Era segurança lá atrás e arma mortífera lá na frente, em jogadas de bola parada, onde quase sempre ganhava pelo alto. Batia pênaltis e faltas muito bem e cansou de fazer golaços em jogada individual, onde driblava vários adversários.

    Rubens Galaxe era outro que não aparecia com jogadas sensacionais, mas sempre foi importantíssimo para o grupo. Jogava em várias posições.

    Delei estava começando e começou muito bem. Mais tarde se transformaria no maestro do inesquecível e raçudo time que ganhou quase tudo durante três anos. Quem viu, nunca esquecerá aquele lançamento para o Assis aos 45′ do segundo tempo, que culminou no gol que decretou a aposentadoria de Raul Plasmann e calou toda a bandidagem que urrava do outro lado das arquibancadas.

    Gilberto foi o tipo de contratação que encaixou muito bem no time. Técnico, veloz e raçudo. Também costumava marcar seus gols.

    Mário era um jogador de rara habilidade.

    Robertinho era um dos artilheiros do time. Baixinho, cheio de disposição, inteligente e veloz. Com suas atuações, provocou o olho gordo da framengália. Acabou se transferindo pra lá, mas não foi o mesmo que era no Flu. Bem feito!

    Cláudio Adão, já era craque consagrado. Primeiro o framengo o contratou junto ao Santos e NUNCA PAGOU ao Peixe (não poderia deixar de registrar isso). Foi um grande artilheiro e ajudou muito na conquista do título.

    Zezé também jogava muito e, salvo engano, foi outro que despertou o olho gordo da molambada. Jogou muito no Flu.

    Cristóvão também foi um excelente jogador. Tinha sumido do mapa e reapareceu como treinador (agora ex) do WascO.

  2. Esse jogo não fui, mas o time de 80 é uma das melhores recordações da minha vida, tinha 13 anos e só ia quando o sogro de minha tia me levava, saudoso Seu Cuca, me levou nos 2 FlaXFlu, 1×1 no 1º turno, e 2×2 no 2º, e nas 2 finais com o Vasco, da Taça GB, vencida no penaltis, com defesas do Paulinho Goulart, especialmente do traíra do Pintinho, e grande final, que meu tio rubronegro me levou, chovia muito e o Edinho caprichou naquela cobrança de falta, lembro que o Robertinho se machucou no começo do 2º turno e o Mario Jorge o substituiu daí até a final

  3. Além do mate, claro, minha outra grande lembrança era da nuvem de pó-de-arroz, inesquecível.

  4. Comecei a frequentar o Maracanã no meado da década de 80, ainda criança (justamente na época daquele time maravilhoso do tri), e a lembrança que tinha desses vendedores era que eu sempre pedia “mate com muita espuma” rsrs.

    Bons tempos.

  5. Caros, salvo engano, o achocolatado era o da CCPL, triangular, e tinha em diversos sabores: morango, caramelo, chocolate, baunilha etc…ST

    ps.: papo de “velho”, hein?! rs

    1. Também teve CCPL, Andrei. As caixinhas serviam inclusive para marcar golzinho na geral em peladas que os garotos disputavam antes dos jogos… eram outros tempos.

  6. As minhas lembtanças sobre este jogo e as percepções da época são exatamente as mesmas.
    Além do cachorro-quente Geneal, me lembro que muitos chefes de familias iam ao Maracanã para comprar iogurtes.
    Sim, em épocas de inflação, com o ingresso do Maracanã muito mais barato (cerca de US$ 10,00), comprando bandejas de iogurte em grande quantidade (e também um achocolatado que me esqueci o nome), as familias economizavam um bom dinheiro em relação aos preços dos mercados!
    Ouvi esses depoimentos na época e nunca mais os esqueci!

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