Quinta-feira, 20 de outubro, seis horas da manhã.
Começa o RJTV e a apresentadora Silvana Ramiro, nosso patrimônio, empresta seu belo sorriso – ainda que um tanto amarelado pela circunstância – para anunciar a notícia que vai dominar o Rio de Janeiro hoje: o título do nosso rival, o quarto na Copa do Brasil.
Nós temos um, conquistado há quinze anos.
Não será um dia fácil para os tricolores, especialmente para os mais jovens. Nas escolas, a garotada vai ter que encarar muita gozação.
Faz parte do futebol, é assim mesmo, ok. O maior problema vai muito além da galhofa. É que a fotografia do momento preocupa e muito.
Nas próximas semanas, já garantido na próxima Libertadores, o rival disputará a final da competição continental. Se vencê-la, a conquistará pela terceira vez e ainda irá para o Mundial.
Enquanto isso, vamos nos esfalfar para tentar garantir a vaga na Libertadores, sem título. Ah, sim, teremos um evento político da candidatura do atual presidente à reeleição, travestido de lançamento literário, para celebrar a conquista do Carioca 2022.
Essa reflexão se faz necessária e muito.
Tolo daquele que insistir em diminuir as conquistas da Gávea, com tom professoral oco, no melhor estilo “Não me interessa o que não é do Fluminense”.
Não se trata apenas de ganhar os títulos.
A cada ano que passa, aquela gozação nas escolas lá em cima é efeito direto da diminuição da nossa torcida. Atinge em cheio o nosso futuro. Clubes grandes só se perpetuam com títulos e ídolos.
Que garoto quer torcer para um time que parece montado com a finalidade de não ser campeão, nem formar grandes ídolos porque rifa todos os seus jovens jogadores, isso para pagar os salários de veteranos?
Há quarenta ou cinquenta anos, era muito fácil ser Fluminense, um time que entrava em crise quando ficava DOIS anos sem ser campeão.
Os garotos do começo dos anos 1970 tinham Félix, Marco Antônio, Denilson, Flavio, Lula e Samarone como ídolos, mais outros. Mais tarde, podiam escolher entre Rivellino, Paulo Cezar Lima, Pintinho, Edinho, Carlos Alberto Torres, Cleber e Doval, entre muitos outros. A seguir, com Deley, Gilberto, Mário, Robertinho, Cláudio Adão e Zezé.
Hoje, temos o Cano por mais algum tempo, o Arias – Deus sabe como! -, o Ganso – também por tempo limitado. Há quem prefira os escombros de Fábio e Felipe Melo, aliás os dois principais responsáveis por não termos tido a chance de disputar o título da Copa do Brasil ontem.
Já pararam na luta que que é ser criança tricolor neste outubro de 2022?
Durante todo o século XX, o Fluminense foi o protagonista do futebol carioca. Maior campeão num tempo em que a localidade prevalecia sobre tudo. O Flu ganhou o título mundial, fez história no Rio x São Paulo e nós brasileiros, foi ai-Jesus em Maracanãs abarrotados.
No século XXI, o grande período do Flu está compreendido entre 2007 e 2012, com oscilações neste intervalo. Desde então, salvo situações pontuais, é um figurante no futebol nacional, fato agravado ontem.
Resta saber o que nós, tricolores, vamos fazer: lutar por um Fluminense protagonista, vencedor, ou se vamos aceitar passivamente a condição de coadjuvante que tem pautado este novo século. Ainda há tempo para evitar o pior, que é o desinteresse que um clube gera para a sua torcida.
Não cabe mais a desculpa esfarrapada da falta de dinheiro, nem do coitadismo: com um planejamento sério, o Flu é um dos únicos clubes brasileiros capazes de se reinventar com seus próprios recursos. Basta parar com esse vergonhoso vazadouro de dinheiro na folha de pagamento, torrando fortuna com ex-jogadores e dando suas revelações a troco de mariolas. Mas aí é preciso cortar na própria carne, literalmente, e ter vergonha na cara. Um Fluminense vitorioso e multicampeão só virá à tona quando sofrer um choque de gestão.
Por enquanto, valem os versos musicais de um dos nossos patrimônios artísticos do Rio: Marina Lima. “É festa noutro apartamento”.