Coisa de uns três noites de sábado atrás, tudo silencioso e quase deserto. Os mais jovens foram para a night, os mais velhos foram para seus aposentos e quem não tinha o que fazer aperta os botões, aperta loucamente os botões do controle remoto até que pousa num canal qualquer.
Fox Sports. O programa do Benja. O jornalista Benjamin Back entrevista personalidades do esporte em geral. Um bate-papo. Ao lado do apresentador, um bom velhinho.
Aos 95 anos de idade, gozando de ótima saúde e perfeitamente lúcido, Alberto Dualibi estende a prosa por cerca de duas horas. Ex-presidente do Corinthians, alheio ao processo político de seu clube desde que foi afastado por, digamos, “problemas”, o veterano dirigente não se furtou a falar de vários assuntos bons e ruins. Um pouco de tudo. Às vezes, respostas quase caudalosas; noutras, absolutamente sucintas.
Alguns temas diziam respeito exclusivamente ao Parque São Jorge. Outros, de relevância interclubes. Dualibi é um velhinho simpático, educado e bem-humorado. Comenta sobre o ano de 2005. O escândalo envolvendo o árbitro Edilson Pereira de Carvalho. As investidoras MSI e Hicks & Muse, o sideman Kia Joorabchian e muito mais. Títulos brasileiros, o Mundial de Clubes da Fifa em 2000, o salto do Corinthians num período de 25 anos.
O que pouca gente sabe: o velhinho foi protagonista de um dos episódios mais conturbados do futebol brasileiro ao lado do sr. Mário Celso Petraglia.
O caso Ivens Mendes.
Em 1997, escutas telefônicas indicaram um esquema de favorecimento de arbitragens aos times do Corinthians e do Atlético-PR no campeonato brasileiro do ano anterior, além da Copa do Brasil. Os acontecimentos da última rodada do Brasileirão 1996, no jogo Atlético-PR x Criciúma, com a torcida local chegando ao cúmulo de comemorar os gols adversários, mais a incrível atuação do Flamengo diante do Bahia, sendo derrotado em São Januário (onde jogou por escolha própria), até hoje estão entre os mais suspeitos e não explicados da história do futebol brasileiro.
Ivens Mendes era o homem forte da arbitragem nacional. Num país normal, os clubes fraudadores seriam automaticamente rebaixados pela farsa; no Brasil, bastou apelidar o Fluminense de “rei das viradas de mesa” e tudo bem. Santa hipocrisia. A culpa é do champagne.
Teoricamente, Petraglia seria banido do futebol. Nada aconteceu. Com Dualibi, a mesma coisa – foi afastado do Corinthians por outros negócios. Ivens Mendes pagou o pato. Morreu anos depois do imbroglio.
Duas horas de TV e nada. A pergunta sobre o caso finalmente veio perto do fim da atração:
– Mas afinal, Doutor Alberto: como se explica aquele negócio de falar “1-0-0” no telefone com o Ivens Mendes? Aquilo era um acerto de resultados? O que aconteceu afinal naquela conversa? (A suposição à época tratava de um suborno de cem mil reais).
A resposta, serena, de um velhinho simpático e afável, é digna de entrar para o anedotário do futebol mundial, não fosse o episódio vergonhoso para o futebol brasileiro:
– Não, meu filho. O Ivens era candidato em Minas Gerais. Ele queria camisas de jogadores do Corinthians para distribuir na campanha eleitoral. Não nos entendíamos na fala, a ligação era muito ruim. Um zero zero era o número de camisas que ele precisava.
Benja olhou com calma, mas sem muito conforto. Mais umas poucas e breves perguntas antes do fim do programa. Dualibi manteve-se absolutamente impassível como se tudo fosse absolutamente verossímil em seu relato.
Dualibi, que não falava com a imprensa há mais de uma década, terminou o programa sorrindo.
O Fluminense cumpre uma sentença de condenação pelo que não fez há quase vinte anos.
A desfaçatez não tem limites.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: pra
Eu não assisti ao programa. Por isso, enquanto ia lendo o relato, aguardava o momento que seria falado sobre o tão famoso fato de 1996. O fato de ter aparecido no final e o jornalista não tratar com a seriedade necessária mostra exatamente como a mídia tratou há quase 20 anos e como ela trata outras coisas atualmente, com indignação seletiva. Escolhem um lado pra atirar e esquecem todos os outros alvos.