Didi e seu jogo bonito: um romântico do futebol (por Roberto Rutigliano)

O criador da “folha seca” e também o “Príncipe Etíope”, que brilhou por anos no Fluminense, depois no Botafogo e na seleção nacional, teve uma passagem como treinador do River Plate no início dos anos 1970, que ficou na história do time argentino.

Eram épocas de vacas magras para o time do River. Assim como o Vasco, que em alguma época sofria com o apelido de “eterno vice”, o River Plate sofreu o maior jejum da sua história: 18 anos sem ganhar um título. A seca foi entre 1957 e 1975.

O Brasil hoje importa técnicos porque vive uma crise de renovação no futebol. Hoje, a maioria dos times preferem técnicos estrangeiros porque os daqui não conseguem mudar seus conceitos.

Vivíamos uma época onde o mesmo clube contratava a Joel Santana, depois a Luxemburgo, depois a Abel Braga, Felipão, Renato Gaúcho e por fim retomava a roda. Ficamos assim até começar a trazer Jorge Jesus, Abel Ferreira, Jorge Sampaoli ou Juan Pablo Vojvoda.

Mas teve uma época que o Brasil mandava no mundo da bola e seus conceitos futebolísticos eram admirados em todos os cantos do planeta.

Técnicos brasileiros estavam prestigiados na Argentina. Por exemplo, em 1967 Osvaldo Brandão ganhou tudo com Independiente. Inclusive Brandão foi escolhido por um painel de jornalistas o melhor técnico da história do time de Avellaneda.

Num mundo onde a seleção brasileira dos anos 1970, a Laranja Mecânica de Cruyff e o Barcelona de Guardiola nos ensinavam que futebol é um esporte coletivo, no qual todo o time toca a bola e participa de todas as jogadas, atacando e defendendo, Didi levantava a bandeira do “jogo bonito” num momento no qual o futebol na Argentina carecia de um estrategista que gostasse do futebol arte.

Didi promoveu ao time principal uma garotada que brilhou na história do River Plate, acabou ganhando campeonatos e fazendo um futebol de qualidade. Jota Jota López e Alonso (dois craques daquele time) sempre se mostraram devotos do brasileiro: “Didi foi tudo. Foi um mestre. Promoveu garotos sem lhe importar quantos anos tinham, nos cultivou uma maneira de sentir o futebol, nos respaldou contra o vento e a maré, tinha um poder de transmissão único. Sua ideia era bárbara: puro toque, muita soltura, toda liberdade”.

“A equipe de Didi foi grandiosa, ia sempre ao ataque e essa insistência nos permitia chegar fácil ao gol. Sua influência me serviu muitíssimo para desenvolver-me como jogador. Ainda hoje me pergunto o que teria passado com Alonso, comigo e com tantos outros garotos se, ao estrear na primeira, outro técnico nos houvesse cultivado primeiro a obrigação de ganhar antes que dar uma caneta, ou de marcar antes de ensaiar um drible… nos teria cortado as asas. Por isso, sempre estarei reconhecendo Didi, que me deixou ter uma ‘irresponsabilidade’ que me fez muito bem.”

Sua passagem deixou um caminho onde existia a saudável intenção de colocar um futebol alegre em campo. Esta foi, certamente, a maior contribuição de Didi ao futebol argentino. Mesmo assim, não foi suficiente para levar o River ao título.

Didi era uma verdadeira revolução. O River ficava fora das finais, mas daquela vez o fato não preocupava muito, pois o que importava era o futuro. Contudo, a falta de resultados fez com que muita gente começasse a se impacientar.

Diz Beto Alonzo (craque histórico do River): “Didi foi e segue sendo um verdadeiro maestro. De futebol sabe uma barbaridade. Como pessoa, me pareceu excelente. Eu senti muitíssimo sua ida. Didi queria fazer algo e não pôde terminá-lo. A culpa não foi sua. As circunstâncias o obrigaram. O River precisa de um campeonato e quando os resultados vêm contra, as pessoas se desesperam. Promoveu gente jovem. E como pessoa nos tratou sempre bem. Eu muitas vezes estive a ponto de dizer-lhe que embora fosse um pouco, tínhamos que marcar [o adversário]. Que estávamos dando vantagens. Não se apresentou na ocasião. Esse foi seu único defeito. Acreditou demais no toque… a ida de Didi me afetou muito e só agora estou me recuperando.”

“Tomala vos, damela a mí, el equipo de Didi”. Esse era o cântico na época.

LIVRO RODA VIVA 8 – DOWNLOAD GRATUITO – CLIQUE AQUI.