Fluminense, dai-nos a paz (por Paulo-Roberto Andel)

[Não importa a minha idade. Posso ter setenta, cinquenta e cinco ou vinte e três. Posso ter dezoito. Agora tenho dez, doze ou treze. Eu tenho a idade do Fluminense quando se prendeu nas minhas retinas para sempre. Eu tenho o amor, o futuro e uma esperança imensa de ser campeão – quando isso acontecer, eu comemoro com meu pó de arroz ou mosaico, isso é do tempo de cada um.

[Tenho doze anos. Eu sonho com meu pai me chamando para ir ao Maracanã. Eu sonho em ver meu time todo de branco entrando em campo. É no Maracanã onde procuro a justiça que faltou anos atrás. Acordo de madrugada e vejo o escudo do Fluminense no teto. Pego o elevador e parece que tem uma bandeirinha do Flu presa no teto, perto do ventilador. E quando saio à rua, todos os carros, todos, têm adesivos do Fluminense.

[Já pararam pra pensar que esse amor pelo Fluminense chega a ser perturbador de tão intenso? Imaginem que tricolores doentes nos hospitais estão pensando mais na Libertadores do que na própria saúde? Quantas pessoas humildes dessa cidade e desse país não terão dinheiro nem para chegar perto do Maracanã, mas empenharão seus corações com tudo pelo Fluminense na Libertadores? Para várias pessoas o Flu é a única alegria, a única esperança, às vezes a justificativa para permanecer vivo. O sentimento é de cada um.

[Neste mês, cada dia demora um ano. Queremos encontrar logo o Internacional, queremos uma luta limpa de doze assaltos mas não nos esquecemos de 1992. Nunca. Em 1975 era diferente, porque dois gigantes se engalfinharam e somente um poderia sobreviver. Nós tínhamos o maior time do mundo, mas o Inter também tinha. Agora é diferente.

[O verso de Chico Buarque em “Pelas tabelas” traduz perfeitamente o que cada um de nós anda sentindo: “minha cabeça rolando no Maracanã/ quando vi a galera aplaudindo de pé as tabelas”. Sonhamos com um grande lance de Jhon Arias, um chute fenomenal de German Cano – mais um! -, uma jogada de rara beleza plástica de Marcelo. A gente quer muito esse título da Libertadores porque é o único que nos falta, e também porque nos permite sonhar com o bicampeonato mundial.

[Quanta gente boa deveria estar aqui agora, mas não está como gostaríamos? O Alberto, que se foi tão cedo. A Fernanda. O Tato. O João Carlos. Ah, meu pai. Ah, minha mãe. O Heleno. De alguma forma todos eles estão, mas a cada dia que passa eu vou me sentido mais sozinho em meio à multidão, assim como verei sozinho o jogo contra o Inter. Não importa: já vi centenas de jogos sozinho no Maracanã. Em casa posto de batalha todos seremos um.

[A gente precisa ganhar esse campeonato mais do que nunca, não somente pela importância mas porque o Fluminense do campo é bem diferente do Fluminense pessoa jurídica – e essa só se salva com a Libertadores na mão e o prêmio no bolso.

[Que me importa ter cinquenta e cinco anos? Eu tenho doze. Paulo Goulart vai pegar os pênaltis. Edinho vai liderar a equipe. Robertinho e Zezé serão duas flechas e Cláudio Adão vai fazer gols de placa. Nós vamos ser felizes e vamos ser campeões. Cano, Arias, Nino, Ganso. Vamos sim, e eu vou gritar para os meus pais, para o João e o Alberto, nem que tenha que fazer isso sozinho.

[Quando a luz da madrugada bate no teto do quarto, finjo que não estou em desespero e me acalmo com a sugestão de uma grande nuvem de pó de arroz em volta do ventilador, servindo de marquise. Ali, tudo é Fluminense.

[Em muitos anos, este será o mês mais longo de nossas vidas. Todos esperamos por Fluminense e Internacional. Se cada dia está levando um ano, o que nos resta é viver um ano de cada vez.

[Minha cabeça rolando no Maracanã.

[Fluminense, dai-nos a paz.

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Em memória e apreço das dezenas de cidades gaúchas em sofrimento neste 08 de setembro.

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Muito obrigado a todos os que me ofereceram força e bons pensamentos, desde a coluna 01 até esta, a de número 1.400.

1 Comments

  1. Hola Andel,
    Parabéns pelo texto! Sim, cada dia está com a extensão de um ano.
    ST desde o Cariri Cearense

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