Cruz Vermelha, 2:00 a.m., Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

Duas da manhã. Começou a semana. Quase todos estão dormindo. Não há carros nas ruas aqui perto. O único barulho que tenho é o da TV. Daqui a pouco vou tomar um banho, frio. Tenho dores, tenho problemas, não sei se tenho tempo. Sobrevivo.

O Fluminense venceu. A luta continua. Quase não saímos do lugar, mas a vitória sempre traz esperança. Precisamos de mais, Mano precisa ousar mais, mais garotos no time. Aí está o Cauã Elias para justificar a tese.

Acabei de comer um sanduíche de queijo bola com um gole de Pepsi. Estou sem sono. É normal, porque tenho uma vida difícil, mas a insônia de hoje é outra. É porque o Fluminense venceu e, assim como um desabrigado tem uma noite de alívio num abrigo, eu terei a minha noite de paz. Diria cessar fogo. A luta vai continuar.

Precisamos ousar porque não será nada fácil vencer o Palmeiras e o Bragantino. Nada fácil não é impossível, apenas precisamos de humildade e reconhecer onde estamos. Agora, num campeonato onde o perde e ganha é constante, dá para sonhar. É preciso melhorar muita coisa, mas o sonho é livre.

São duas da manhã e eu penso como meus pais estariam felizes com essa vitória humilde se aqui estivessem. Eles fazem muita falta. Meu irmão deve estar muito feliz, espero. Quanta gente! Quando eu descer para trabalhar, o Maurício vai estar contente na portaria. Na loja, Jocemar também. O corta-luz do Ganso no gol foi maravilhoso.

Todos os tricolores merecem essa migalha de felicidade, mas eu sempre me lembro do povo mais humilde. Dos garotinhos descalços que meu pai ajudava com ingressos na bilheteria do Maracanã, faz muito tempo. Tinha um moço que vendia cachorro quente com seu filho na rampa da UERJ, os dois tricolores, nunca viam o time mesmo estando ali do lado: ouviam no radinho e esperavam a saída, na vitória e na derrota. E tanta gente. Tem um garoto que vende Mentos no VLT da Sete de Setembro, sempre com sua camisa tricolor – e não importa que ela esteja desbotada ou não seja oficial, porque o amor está nas cores. Quanta gente tricolor não começa a embarcar na SuperVia daqui a pouco, enfrentando todas as agruras para vir trabalhar ou batalhar emprego? Minha querida Marina virá bem.

A vida é difícil, o mundo é opressor, a maioria das pessoas sofre demais. O futebol significa muita coisa para muita gente, mas também é um punhado de felicidade, um gole de alegria e até um relaxante para acalmar os dias tão complicados. O Fluminense é muito importante para milhões de pessoas, e a maioria está tendo uma madrugada de paz graças a um jogo que vencemos. Não é ilusão: a gente sabe que falta muita coisa para o verdadeiro alívio, mas só saber que minha insônia não será difícil porque o Fluminense venceu é mais uma vitória. E os garotinhos na escola, vibrando com Cauã Elias? A garotada do bairro, antes da pelada pós-aula. Pra muita gente, o Fluminense é a única chance de alegria na vida – dirigentes, jogadores e funcionários do clube deveriam pensar sempre nisso.

Por enquanto é o acalanto de uma noite, mas e se o Fluzão partir para uma decolagem inesperada? E se Mano fizer o que precisa ser feito? E se estiver começando uma fase virtuosa que ainda nem sabemos e sequer foi planejada? Pode não ser nada disso, mas ter algumas horas de alívio porque o Fluminense venceu um jogo traz uma sensação tão gratificante que o mundo até parece justo e bom. Ou no verso dos Titãs: “A vida até parece uma festa”.

A luta continua. Quarta-feira tem mais, com Maracanã lotado. Tudo ainda é muito difícil, mas que maravilha é esta insônia vitoriosa invadindo a segunda-feira. Ainda estão rolando os dados, porque o tempo não para.

Que todos tenham um ótimo dia.