O TESÃO É O LIMITE – PARTE 3
Em tempos de crise, os canalhas sempre arrumam um jeito de radicalizarem com o seu repertório de escroqueria. O que é carestia e endividamento para alguns, é oportunidade para outros ganharem a vida na desgraça alheia, confabulando trambiques que não veem como nada que fira à sua ética egóica e muito menos a dos seus comparsas de ocasião. Sim, claro! Um escroque não possui amigos, mas sim parceiros do momento. Nada mais do que um esperma escoando, perdendo-se por uma pia qualquer, como já dizia um famoso trecho de música do Jethro Tull sobre a criação de um ser humano desse naipe. Não há gozo coletivo, mas só individual, com o outro só fazendo sentido de existir para lhe fornecer o prazer egoísta. As transas, de todos os tipos de arrepios e lucros, devem ter como objetivo único a complacência de camaradas fugazes na ereção provocada pelo prejuízo alheio. A dor do outro é o combustível para o meu regozijo, uma das máximas zanzibarianas.
Chiquinho é desse tipo. Eleição para síndico de um imponente edifício, na Avenida Nossa Senhora de Copacabana, defronte ao background do Hotel Copacabana Palace. Está numa região indecisa que não sabe se é Copacabana ou Lido, continente ou litoral, sítio dos bem nascidos ou antro de inferninhos, casas de massagem, e demais lugares de atendimento erótico privado. Até parece a encarnação arquitetônica da conformação erótico-afetiva de nosso Macunaíma do fascismo fidalgo. Libidinosidades sorrateiras alimentam a empreitada da devassidão de Zanzibar. Candidato único com discurso moralizador, de homem branco, rico, bem nascido, carioca, das tradições, morador antigo, testemunha ocular dos descalabros das administrações anteriores, queria que o prédio voltasse a ser a fortaleza moral d´outrora. Não economizar com creolina, voltar a ter meses de 45 dias para o pagamento dos servos, só depositar suas férias no meio desse período, cortar seus luxos, como água, direito de ir ao banheiro, usar ventilador no verão e agasalhos que escondessem o brasão do condomínio, que deveria ser novamente colocado na farda dos capachos assim como os judeus eram obrigados a fazer nos campos de concentração com as Cruzes de David em amarelo. Só seriam contratados Neandertais que pudessem ter o limite de suas medidas lombrosianas respeitadas, evitando, ao máximo, a convivência dos moradores e seus familiares com esses membros de raças degeneradas e inferiores.
Conseguiu a unicidade de sua impetuosa indicação por meio de lembranças e ameaças aos demais condôminos, e seus filhos e filhas, que acusava de serem maconheiros, chincheiros, putas e micheteiros de toda ocasião, envergonhando a genética moral de sua parentela. Paradoxo erótico e ambulante, Chiquinho se achava o deus Cronos e queria, como sempre, editar o tempo ao seu bel prazer, calando quem desejasse jamais contar sua versão dos fatos. Isso porque os corredores e as escadas da área de circulação dos serviçais, de cor ou nordestinos, gabirus e semi-humanos de todos os perfis que infectam a sua sociedade imaginada, gemiam. Espécie de casa mal assombrada do sexo que não ousa dizer seu nome, havia lugares de extrema erotização naquele edifício, jazigos de pedaços de pele do corpo ardente de sexo e paixão do candidato a mandatário máximo.
Gratidão não faz parte de sua moral. O jogo era duro, veioso, grosso, cabeludo e penetrante. Quantas vezes torceu para as criancinhas da Praça do Lido crescerem logo, chegando pelo menos ao tamanho de gostosura, para que a lagarta macho pudesse despir-se dando luz à borboleta alegre? Empurrava o carrinho de seu único rebento, fazendo-se de pai machão e presente, mas só como subterfúgio para manjar os pré-adolescentes ainda no lusco-fusco da meninice e da curiosidade sexual. Nos primeiros beijos dessas pessoas, reparou na oportunidade para roçar coxas deliciosas na penumbra das áreas da corja de vassalos do seu castelo de mármore carrara. Entendeu que a moeda era maconha em troca de picardias estudantis, ou seja, coisas que o fizeram o mercador do amor de momento altruísta do prédio. Essas pessoas eram agora pais de família e Zanzibar, de capacete de obras como símbolo da revolução material que simbolizaria o retorno à moral e aos bons costumes naquele ambiente, foi em cada unidade condominial reavivar a memória de cada menino e menina que foram seus ativos colegas na holding da devassidão.
Inspirado em um de seus ícones de caráter e conduta, Antonio Carlos Magalhães, levou dossiês cuidadosos com fotos da puberdade alheias, e de suas poses entre plumas e paetês, tiradas por Arcanjo Calabouço, que se masturbava bancando uma de Cartier Besson do voierismo no encontro voluptuoso entre gerações. A proposta era simples: só Chiquinho seria candidato, e votado com unanimidade, incluindo discursos de apoio indelével às suas propostas.
Dito e feito. Agora, sim, sua potência de tesão era o limite. Nem suas cuecas lhe cerceavam. Havia momentos em sua vida que era pura ereção. Depois da triunfante posse, com um brinde com Veuve Clicoq, apresentou sua audaciosa reforma do prédio: fachada restaurada por amigos que haviam prestado serviço ao IPHAN, lustres refeitos, espelhos esmerilhados a serem novamente reluzentes, tudo brilhando. Pintura da mais alta qualidade! Sem tinta aguada, mas sim grossa e quente como gostava de falar enchendo sua boca. Nada como obras, notas fiscais sem muito rigor na conferência, o mesmo caminhão indo e vindo multiplicando uma em várias placas e chassis, materiais doados em tom de generosidade para o bem maior da coletividade, vindas de amigos de um senhor que deixou de usar por uns meses a tintura acaju rei do cerrado para dar um ar mais vetusto à sua imagem. Zanzibar tinha ganho no milhar e ainda era saudado como herói!
Naquela semana fria de um quase inverno carioca, depois de passar a tarde no salão recolocando as cores no tom preciso de sua virilidade conflitante em cada fio de cabelo esbranquiçado e testemunha da ardência de cada nádega e cada pedaço de sua boca caliente, saiu para seu desfile triunfal pelo bairro. Sapatos de cromo alemão, meias bordadas, ceroulas arianas, calças de veludo azul Yves Saint Laurent, sobrepele de algodão alvo bem coladinha no corpo de mamilos duros pela vitória com votos de seus ex-comidinhos, camisa verde de linho gola role Chanel, e paletó Versace também azul, mas num tom mais claro do que o da calça. Para completar, sua echarpe grená, como se fosse um maestro daquilo que estaria por ver naquela que seria a prometida madrugada mais fria de anos. A cada quarteirão que andava de seu, isso mesmo, seu castelo feudal, até a Rua Prado Júnior, deliciava-se observando atentamente, rindo de canto de boca, cada morador de rua tremendo de frio, batendo queixo, aquecendo-se naquilo que lhe restava de dignidade, sua própria urina e fezes – coisas que Chiquinho, em sua covardia necessária para ser o que era, era incapaz de fazer.
O riso aumentava a largura labial quando lembrava que a queda de produção do time faria dele uma voz ativa no clube do coração, acusando a contratação de nordestinos e pessoas de cor como um dos principais fatores de sufocamento. Colocar jovens brancos, viris, coxudos, das bases do clube em ação, todos de amigos empresários, era a cartada de Zanzibar para o candidato que apoiaria nas próximas eleições. Não queria saber ainda qual deles seria; somente o escolheria ao ver as possibilidades de sua naftalina poder feder menos nas supostas novas gavetas do museu de grandes novidades que estivesse por vir. O mesmo estratagema poderia ser usado como expediente, por meio da influência de Arcanjo com homens de ouro que ainda circulavam livremente pela pós-modernidade da nova sede da CBF, para ganhar alguns trocados se, de fato, algo pelo qual torcia ardorosamente, a seleção brasileira não se classificasse para o próximo campeonato da FIFA.
Não eram tão somente os mendigos e moradores de rua que estavam à sorte de seus excrementos para terem uma noite menos ruim.
DOWN BY LAW: NOS BRAÇOS DE FERNANDA, A MUSA CONTEMPORÂNEA – PARTE 1
Diante do espelho do elevador em plena madrugada, Chiquinho levantava as narinas em busca de algum resquício da cocaína que havia comprado no Baixo Lapa. Cheirar lhe fazia menos culpado e mais permissivo ao aceitar que tudo começasse por um fio terra, desencapado, naquele 69 inicial que fez com Fernanda, uma travesti loura, de pele branquinha mas bronzeada, marquinha de biquini, ariana total, que havia sido cooptada nos arredores da avenida Augusto Severo, coração da Glória, na noite de sexta-feira. Cinco gramas cheiradas em canudos feitos de notas de 500 euros, resultantes da venda do último cordão de ouro vulgar que havia recebido de herança do seu pai. Estava à espreita dos Jogos Olímpicos na esperança de que pudesse vender escrituras do morro do Pão de Açúcar a algum turista desavisado. Nada de mexer nos imóveis herdados; o importante é vencer no mundo do crime enrustido.
Fernanda, que falava idiomas, já havia trabalhado na Europa, primeiro nas ruas de Paris. Havia sido sucesso absoluto na Avenida Champs Elysées, reinando na captura de euros entre a Place de la Concorde e o Arco do Triunfo. Posteriormente, cruzou a fronteira e dirigiu-se às ruas de Barcelona, nas cercanias do Camp Nou. Ali, seduzida pelos encantos de Javier Marrugan Goigochea, filho de etarras bascos, nacionalista da extrema-direita catalã, além de ser uma das cabeças pensantes dos Boixos Nois, torcida organizada do clube baulgrana, ela se sentiu amada por primeira vez na vida. O gato de então era um conhecido paramilitar, ex-paraquedista e entusiasta do terceiro sexo.
Por isso, passada um década, essa gauchinha que nasceu com o nome de Bráulio, em homenagem ao meia armador que nos anos 1970 jogou no Inter de Porto Alegre – e que brilhou no América do Rio campeão da Taça GB de 1974 -, agora já em começo da invetitável decadência física, desfila pelas ruas dos mafuás que resistem no Rio de Janeiro, e então sente uma atração especial por Chiquinho Zanzibar. O jeitão “militar da reserva” que se transforma em uma doce fruta – sem alusão a políticos -, faz com que aquele travecão de um metro e oitenta e cinco de altura, coloque em use & abuse o seu codinome de Madame Triplex… Bunduda, peituda e, maioritariamente, pauzuda.
E essa mulher TRIPLE X estava revolucionando a cabeça de Zanzibar, tanto que ele pensava em repetir a dose de penicilina. Ali mesmo na garagem do motel Love Time, enquanto guardava o seu kit de perversão com direito a chicote, calcinhas de seda, vibradores, em algum lugar secreto da mala do seu carro, via Fê (assim a chamava) partir em um Uber.
Pensou em dirigir-se à sauna das Laranjeiras, mas antes teve que parar o seu carro em frente ao Amarelinho da Glória: era preciso colocar uma almofada. Mesmo depois da utilização do gel de lidocaína, o estrago provocado pela loura era palpável. No som do carro em volume denso, Agnaldo Timóteo mostrava todo o seu talento: “Numa noite de insônia saí, procurando emoções diferentes”… “tentando encontrar um amor na troca de um olhar”… “na galeria do amor”.
Uma vez tendo chegado à sauna, Chiquinho vestiu a sua nudez com a capa da mentira; de carona numa garrafa de Jack Daniels, puxou assunto sobre as formas de uma fulana de tal, marafona imaginária… no fundo falava dele mesmo, degenerada putinha que se sentia das garras afiadas de Fernandinha. Jogou conversa fora, não se preocupando com o relógio, uma vez que Esmeralda, sua mulher – agora em versão obesa e que já não se depilava há mais de uma década -, estava novamente visitando parentes no interior do estado, no Sul Fluminense. Inventou negócios, apesar de já haver certa desconfiança sobre a sua situação financeira; falava de sócios imaginários. É preciso entender que os imóveis lhe geravam aluguéis, mas a propina paga por conta das irregularidades era alta. E a crise não poupa ninguém, nem os corruptos.
Subitamente politizado a seu modo peculiar, destilava veneno, chamando o PMDB e o Temer de frouxos: “Acaba de fazer o golpe, bota o exército na rua!”, “Tem que tirar esses afros das faculdades, bota esses vagabundos para trabalhar, tem que tacar fogo nas favelas”, “Sequestra e tortura esses juízes da Lava Jato”… Chiquinho Zanzibar não tinha medo de se esconder: “Sou corrupto mesmo”… desde os tempos em que trabalhou como X-9 para o Doi-Codi, quando se sentia o maioral, dono dos destinos alheios. Foi assim que entregou seu primo em pleno 1973, só porque o parente ouvia as canções daquele maconheiro safado do Raul Seixas, que falava das pipocas ao macaco e do seu Corcel.
Dessa forma, não teve medo de gritar em plena sauna: “Temos que continuar no poder, imagina o que pode esconder a construção de um estádio”…
Silêncio absoluto, algumas indignações, outros culparam o porre. Alguém riu. Fazia sentido.
Zanzi saiu do clube e foi caminhar pelas areias de Copacabana, sua eterna veia aberta homoafetiva, transpirando sexo pelas 24 horas do dia. “Quem sabe se na altura do Copacabana Palace eu consiga um amorzinho para a noite? Mas tem que ser no padrão Oscar Wilde: o que não ousa dizer seu nome.”
Chegou em casa com as mãos vazias, tinha sono, levara mais de 30 horas na brasa, pensou nas eleições do clube, “temos que continuar mandando, o Fluminense é meu!”.
Adormeceu.
Já passava do meio dia de domingo, quando sentiu saudades dos carinhos de Nanda… A patroa gorducha só regressaria na tarde da segunda-feira… Subiu o Cantagalo para pegar 10 pinos de 30, coisa grande e boa. A força do “fubá mimoso”, decantado em grandes crônicas de Benjamin Constallat.
Dirigiu-se à rua André Cavalcante, artéria da Rua do Riachuelo, coração do centro da cidade do Rio de Janeiro. Fernandinha deu oi, subiu ao carro erumaram novamente para o Love Time, de novo com o som do Agnaldo – “onde se pode amar livremente”…
Fizeram sexo duro, sério, honesto e dessa vez não teve surra de pênis mole: foi tapa na bunda e bofetada na cara, deixou-se dominar… Então ligou a televisão, justo a tempo do jogo começar.
Um teco pra cá, outro pra lá, um oral afiado e nada da bola entrar. O Levir tirou o Edson… menos um nordestino faminto, logo ele que tem nojo de quem não seja jogador branco nascido no sul, terra da raça superior.
Gol do Sport: “Esse favelado não marca ninguém!”
Acabado o primeiro tempo, acelera outro oral para posteriormente sentir o roçar da ereção sob os próprios mamilos. Do Richarlison avalizou as coxas… Quem viu o Branco, que tinha alma negra, andando nu nos vestiários do time do tricampeonato 1983-1985, não se aflige com nada… Era só um outro “paraíba”. Ao mesmo tempo, distraía seus sentimentos com o farelo brancos… inebriado pelo fubá mimoso, sentia em si a plenitude de uma mulher.
Gol do “paraíba maldito”. “Vamos virar!”. Ao mesmo tempo que sentia falta do capitão Fred, inspiração para vários delírios homoeróticos, pensava que as contas serão a bandeira da sua continuidade no Conselho – mas, no fundo, se pudesse, decapitaria a todos e coroaria a si mesmo como a Rainha Elizabeth de A. Chaves. Linda, louca e solitária. ABAFA, ZANZI!
Irritou-se com a falha de Gum, quis morrer com o segundo gol do Sport… Estava tenso, as eleições em perigo… “esse time é uma merda”. Mas, se merda der, o importante é estar com o poder onde ele estiver, pouco importando se rolarem traições e troca de postos. Cada um por si e uma banana para quem defende união.
Fernanda resolveu ser Fernandona, a poderosa. Voltou à atividade. Deu duas linguadas no pescoço do Chiquinho, que rosnou e ficou de quatro gritando “Arregaça… faz um filho nessa menina ariana!”. Percebam que a moral de Zanzibar é igual a seu sexo, sempre disposto a foder com o clube, sem deixar de ser o paladino da verdade e da moralidade, passando por cima de quem quer que seja para manter velhas benesses. No fim, suspirou para si mesmo uma sentença que define toda a sua personalidade: “Buraco trancado, somente nas mesas de carteado”.
Refletindo sobre a canção de Agnaldo Timóteo, “Na galeria do amor é assim!”. Mas Esmeralda voltaria. A vida é luxúria e tormento.
COPACABANA PULP FICTION (OU BANANA MON AMOUR)
CAMINHANDO alegremente pela orla da Princesinha do Mar, mais especificamente em
frente ao tradicionalíssimo Hotel Copacabana Palace, Zanzi parecia subitamente amuado. Ao mesmo tempo em que estava em seu habitat natural, novamente livre num sábado à noite porque Esmeralda viajara mais uma vez – DE NOVO -, ele espiava os bardos ao redor do quiosque Rainbow até com certa indiferença. Na verdade, mergulhara fundo em seus pensamentos sobre o Fla-Flu, na manhã de domingo, esse estranho horário que impede os frequentadores de Pecadópolis em gastar horas e horas na cama com o amor entre iguais cantado tantas vezes num sucesso radiofônico do cantor Agnaldo Timóteo: “Senhor, eu sou pecador e venho confessar porque pequei/ Senhor, foi tudo por amor/ Foi tudo por loucura, mas eu gostei/ Senhor, não pude suportar a estranha sensação de experimentar um amor por você concebido/ Um amor proibido pela vossa lei/ Senhor, eu sou um pecador/ Pois esse meu amor está me enlouquecendo”.
E, como em tantas outras vezes, o conflito psicológico o inundava. O mal e o bem, a escrotidão e resquícios de algum arrependimento, a moralidade reacionária e a sexualidade enrustida. Torcer para um clube de futebol, ser apaixonado por ele mas fazer de tudo para faturar um quinhão, às vezes até mesmo torcendo também para uma derrota ou prejuízo que pudesse causar alguma vantagem pessoal. Defender a política da exclusão e, ao mesmo tempo, navegar na solidão. Os escroques também têm dúvidas sobre o que vivem, mas apenas por alguns segundos.
Poderia descolar um garotão no quiosque numa boa, com relativa facilidade. Chegou a cumprimentar de longe Mr. Jack, um conhecido go-go boy das noites de Copacabana, másculo, metido a machão, sempre com polêmicas declarações nas redes sociais, mas também faturando com programas pagos por senhores generosos e mimosos. O bardo estava a conversar animadamente com um suposto colega mais velho. Num lance, Zanzi arregalou os olhos e virou de costas: tratava-se de Carlton Jimenez, um funcionário lambe-lambe do clube – tudo que não lhe faria sentido era ser dedurado por um empregado das Laranjeiras, ainda mais como um competidor de bofes.
Uma vez abortado o início do flerte, Chuck Z resolveu ir embora. Não havia tanto movimento e Jimenez passara a lhe representar perigo. Deu de costas e, lépido e fagueiro, resolveu gastar as últimas horas da noite na boa e velha Prado Júnior. Zanzi tinha sua mesa vip em La Cicciolina. Afinal, o sexo passa do desinteresse à empolgação em um mísero segundo, ainda mais em se tratando de um completo depravado, um ordinário safado que via exclusivamente no gozo o seu oxigênio cotidiano.
Lá, tinha para si o cantinho em que sentava em sua própria mão, até que ficasse dormente. Por debaixo da mesa, depois de mais de uma hora enebriando-se pelo ambiente que cheirava a sexo e putidão, com a mão que parecia não mais ter dono, masturbava-se. Trazia consigo seus próprios guardanapos de cetim, servindo como babadores para seu já calejado, mas ainda altivo, falos erectus. E dali fazia seu trono de amores sem moral, sem etiqueta, ébrio de tesão e ponto final. Amores que só a ele faziam sentido, amor egoísta, gozo com porra mesquinha, que só fertiliza o ódio e a beligerância com quem Zanzi decretasse merecedor de sua raiva.
Inesperado foi observar o ambiente e teve inesperada vontade de ficar com uma das garotas da casa – para que ir ali, afinal? Para aguçar sua contradição racista, uma mulata lindíssima chamada Desirée perto da mesa: algo em torno de um metro e setenta, coxas grossíssimas, voluptuosos seios à mostra, pequenos lábios e olhos levemente puxados. Uma deusa. E não é que a nossa tia velha caiu de desejo pela mulata saborosa, como se fosse um machão estilo Jece Valadão? Desirée riu ao chamado do velho, sentou-se ao lado dele, roçou o delicioso seio esquerdo em seu braço, mas pediu desculpas: estava à espera de seu namorado, chamado Danny. Tinha horário, era o fim de seu expediente.
“Seu Francisco, o senhor é encantador, diferente, tem um jeito diferente, mas eu tenho que ir porque meu bofinho está chegando. Que tal marcarmos num outro dia?”
“Eu compreendo, mas como ele é?”
“Como assim?”
“Pago por você e ele. Podemos sair os três numa boa. O desconhecido me atrai.”
A espetacular garota era danadinha e sorriu, para depois passar alguns delicados segundos em silêncio. Pegou o smartphone, passou algumas mensagens, sorriu de novo.
“Se o senhor puder esperar vinte minutos, ele vem. Pode ser?”
“Claro.”
Chiquinho tinha ficado encantado por Desirée, mas em seu inconsciente transtornado, ela era tão maravilhosa que o velho devasso pensou: seu maior troféu seria tomar o homem preferido da bela e generosa mulata.
Vinte minutos depois, Danny Boy chegou à porta de La Cicciolina. Desirée veio ao seu encontro ao lado de Chiquinho. O casal se beijou, ela parecendo muito mais empolgada. Não era um rapaz de predicados físicos: baixo, sem sal, pouco volume para o padrão Zanzibar de qualidade, mas uma característica era fundamental ali: ser o homem que fazia a garota de programa encerrar o expediente com pontualidade britânica. A seguir:
“Doutor Francisco, que honra revê-lo aqui. Lembro do senhor em discursos acalorados no Bar do Tênis do Fluminense. Da sauna também. Lembra de mim? Meu nome é Daniel, mas pode me chamar de Danny.”
“Seu rosto me é bastante familiar.”
Sorrisos recíprocos de cantos de boca. Talvez não fossem apenas conhecidos.
O trio subiu a avenida Prado Júnior – a menor do mundo, segundo especulações – em direção à Atlântica. Quase perto da esquina, a bela Desirée já era delicadamente deixada para trás nos passos. Zanzi e Danny definitivamente não eram estranhos, a julgar pelas duas referências da sede das Laranjeiras. E conversavam com esperança de ver o Tricolor se recuperar depois da pancada aplicada pelo Santos. Danny reclamava mais da semana ruim. O velho Chiquinho estava também incomodado, porém se isso lhe desse alguma vantagem como empresariar um jovem atleta, perder seria o de menos. O Flu é importante, mas o benefício pessoal é mais.
“O senhor conhece o 50 da Ubaldino do Amaral?”
“Garoto! De onde você tirou isso?”
Uma palavra veio imediatamente à mente de Chiquinho: “lidocaína”. O aquecimento para o Fla-Flu estava consolidado. A putaria sempre vence. Literalmente, Danny não sabia onde ia se meter. Ou talvez.
A linda Desirée era só sorrisos.
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