Uma vez ouvi do escritor tricolor Nelson Motta que apreciava o fato de ter bastante tempo entre a publicação de uma e outra coluna nos jornais O Globo e o Estado de São Paulo.
Um profissional de sua estirpe, você deve pensar, poderia fazê-las diariamente, se assim desejasse, em vez de a cada sete dias.
Há escritores e escritores. Alguns, como é o caso de Motta, desejosos de tempo para produzir textos qualificados, belas crônicas, ótimos livros. “Fico horas debruçado sobre um mesmo artigo. Gosto de escrever, reescrever, cortar, editar, valorizo cada palavra”, falou, já há algum tempo.
Autor do excelente “A Breve e Gloriosa História de uma Máquina de Jogar Bola”, livro em que conta as façanhas vividas pela Máquina Tricolor, engendrada pelo “engenheiro-mor” Francisco Horta, Nelson Motta e sua “lapidada” coluna podem, metaforicamente, servir de exemplo para o que reivindicam atletas da bola, através do tardio mas oportuno “Bom Senso FC”, liderado pelo craque Alex, do Coritiba, pelo goleiro Dida, do Grêmio, pelo zagueiro Paulo André, do Corinthians, e pelo veterano Rogério Ceni, do São Paulo.
Afinal, o que querem os jogadores senão “lapidar” sua área de atuação, hoje tomada de mais gente que queira se servir dela do que propriamente servi-la. Querem tempo apropriado para se prepararem adequadamente para uma temporada inteira, querem discutir, renovar, “editar” as tabelas, querem ainda intervalos regulares entre as partidas – quando possível, com a mesma periodicidade das colunas de Nelson Motta, isto é, semanais –, diferentemente do que aconteceu este ano, neste Brasileiro, em que vimos despautérios como times jogando até com intervalos inferiores a 48 horas, casos de São Paulo, Santos e Ponte Preta.
Em que pese a canhestra decisão de alguns clubes de faturar em meio ao campeonato, com viagens fora de hora – algumas vexaminosas, como os inesquecíveis 8 a 0 impostos pelo Barcelona ao Peixe –, para o que fechou os olhos a CBF, que deveria se posicionar e fazer valer o regulamento da competição, liberando-os somente para torneios oficiais, como o é a Copa Suruga, disputada pelo São Paulo em 2013.
O Fluminense este ano recebeu convites para participar de dois torneios internacionais na Espanha, em agosto – Teresa Herrera, troféu que já levantou, em 1977 (na foto, noticiado pelo jornal europeu Deportes), e Ramón de Carranza. Não pôde aceitar pelo conflito de datas que haveria com o Brasileiro.
Como então o São Paulo “burlou” a entidade jogando a também não oficial “Copa Audi”, na sequência da Suruga? Condeno a CBF pela imprudente e insalubre decisão de marcar jogos com intervalos que podem ser nocivos inclusive à saúde dos atletas, mas, igualmente, não aprovo “jeitinhos” que ferem a cartilha e comprometem a igualdade entre todos os concorrentes.
O Bom Senso FC é bem-vindo a todos, inclusive – principalmente? – aos clubes.
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Bom senso é o que peço também ao Fluminense – e, por tabela, a seus dirigentes –, que, desde a instituição do Campeonato Brasileiro de pontos corridos, em 2003, pela quinta vez, está mergulhado até o pescoço nesta cardíaca e também insalubre briga contra o rebaixamento.
Não pode uma instituição que vinha nos últimos tempos trabalhando tanto na recuperação de sua imagem – arranhada com profundidade no fim do século passado – patinar costumeiramente, como vem fazendo agora o Tricolor, decano dos gigantes do país. Apesar das repentinas ameaças, o Flu está entre os pouquíssimos clubes que nunca caíram nesta nova era da competição, ao lado apenas de Flamengo, São Paulo, Santos, Cruzeiro e Internacional.
É com o coração dilacerado que digo: novo rebaixamento ofuscaria o belo trabalho de soerguimento do último quinquênio, período em que o clube obteve dois Campeonatos Brasileiros, uma Copa do Brasil, além da projeção internacional alcançada com a chegada a decisões de Libertadores e Sul-Americana.
Em que pese todos os equívocos administrativos cometidos nesta temporada, o Tricolor, na figura do recém-chegado Dorival Júnior e dos jogadores que estão hoje a seu serviço, tem de desprender todos os esforços possíveis e inimagináveis para evitar o pior, que, depois de tudo, seria trágico para a marca Fluminense.
Longe de ser interpretado como uma casualidade, há muito mais coisa em jogo do que se imagina.
João Marcelo Garcez (joaogarcez@yahoo.com.br) é jornalista, publicitário e escritor. Autor de quatro livros, já trabalhou em empresas como TV Globo, Jornal dos Sports, Globoesporte.com e DM9DDB. Atualmente na Editora 5W, Garcez escreve mensalmente ao site Panorama Tricolor.
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Parabéns!Belíssimo texto.
Tomara que que Dorival tenha sorte e o pior não aconteça… Acredito que não iremos cair. ST!
Andel:
Mestre, a grande proximidade entre os srs. Juvenal Juvêncio e Zémaria Marin dá o tom de mais essa “jogada”. Braxxx de sempre.