Assis vive! (por Paulo-Roberto Andel)

IMG_153622282138514A morte do poema

Desculpe qualquer coisa. Não estou em condições plenas de escrever dado o momento. Falar sobre a morte é doloroso. De alguém querido, pior ainda: um amigo, um parente, um irmão.

Agora estou aqui para escrever sobre a morte de um poema, na contradição que a vida me impõe.

Como explicar a morte de um poema?

A morte de um herói. A morte da minha juventude.

Títulos, gols, vitórias fantásticas, tudo isso o Fluminense já tinha em toneladas antes de 1983. Mas a diferença da Era Assis, tão pujante quanto, é outra.

Benedito de Assis encarnou o paradigma do Fluminense em campo como ninguém. A elegância de suas passadas, a plástica de seus dribles, a precisão de seus arremates, tudo dele lembrava em campo os vitrais franceses das Laranjeiras e a sofisticada torcida do começo do século XX, bem acolhida em Álvaro Chaves. Um lorde do futebol, um imperador da leveza. Ninguém cabeceou com tanta força de forma tão delicada no Maracanã quanto ele em 1984.

Chegou ao clube já com trinta anos e sob certo descrédito. Mostrou serviço, escreveu seu nome na história e isso quer dizer também uma inevitável vocação tricolor: a volta por cima.

Elegância é a palavra chave quando se pensa em Assis.

Sem jamais tripudiar do grande rival, a ele impôs derrotas inesquecíveis.

Foi herói, mito, ídolo consagrado, vencedor e muitas vezes, já fora dos gramados, voltou ao Maracanã em efemérides, tendo seu nome gritado por milhares de jovens que sequer eram nascidos quando ele trucidou Raul e Fillol. Com elegância, ressalte-se.

Virou livro, filme, verso, mito e muito mais, curiosamente carregando a fortíssima alcunha que ninguém esperava de sua doçura: Carrasco.

Assis remete a uma tradição do Fluminense que os desatentos insistem em não perceber: como a camisa das três cores e também a branca caem bem na pele de definitivos heróis negros, rechaçando qualquer falácia oca a respeito de racismo no aristocrático clube. Do mulato Carlos Alberto a nomes como os da fera Didi, do Rei Zulu Denílson, de seu eterno parceiro Washington, dos antecessores Gilberto e Cláudio Adão, mais tarde Marcão e tantos outros nomes, Assis é uma das nossas bandeiras de beleza africana, nacionalidade brasileira e sangue tingido em grená, branco e verde.

Qualquer coisa que se escreva aqui é pouca para falar da dor da perda. Nunca chorei tanto para escrever um texto de futebol.

Assis, eu não sei onde você mora agora, mas tenho certeza: eu te amo muito. Obrigado para sempre por ter feito de mim o garoto mais feliz de Copacabana em 1983 e 1984, quando quase passávamos fome em casa, minha mãe sofria e meu pai adoecia.

Assis, você é eterno.

Agora são milhões de corações sofrendo pelo imponderável de hoje. Mas a vida é um poema. Logo, a vida não morre.

A morte do poema não existe. Assis vive!

Carrasco para sempre.

E ainda esperou a antevéspera dos 102 anos do Fla-Flu chegar para estar ao lado do irmão Washington. Ah, Casal 20 a fazer nuvens de pó de arroz no céu!

Coisas do último minuto.

Os tricolores, por vários motivos, estão cheios de lágrimas. Mas o nosso poema nunca morrerá. Recordar sempre será viver.

benedito

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