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Hoje em dia, aplaudir é bem mais fácil, mas naquele tempo a história era bem diferente. Bem diferente mesmo.
A torcida, de saco cheio com duas temporadas e meia sem conquistas – e uma quase falência -, cobrava e protestava, mas estava muito longe de torcer mais por suas teses do que pelo Fluminense.
A diretoria pisava em ovos. Não havia grana, o rombo era grande, os adversários tinham jogadores caros e badalados.
O goleiro não inspirava plena confiança e já tinha voltado para o banco várias vezes. O lateral direito era xingadíssimo desde o ano anterior – só ficou porque não havia outra opção. O esquerdo era promessa mas tinha ficado no banco de um sujeito que ficou seis meses, fez um gol maneiro e foi embora.
Diziam que o quarto zagueiro era bola, mas a 24 horas da estreia da equipe no campeonato, nem titular era. Tirando os viciados nas preliminares de juniores, ninguém sabia de quem se tratava. O outro zagueiro, com pinta de durão, tinha acabado de chegar.
O volante tinha vindo numa rebarba e participara dos fracassos recentes, sem qualquer brilho. O armador tinha sido volante. O ponta esquerda tinha um apelido estranho e era desconhecido. O da direita era improvisado, vindo de um time médio, trocado por um maluco de cabelo em pé que fazia careta… quando conseguia marcar um gol.
Em cima da hora trouxeram dois caras, que tinham acabado de fazer uma boa campanha por um time pequeno, sem título, durante três meses. O mais alto era contestado tecnicamente. O parceiro já tinha 30 anos e nunca tinha sido titular de um time grande por uma temporada na carreira – o clube nem queria. Nem estavam certos ainda; se não fosse a torcida botando camisa nos dois na recepção no aeroporto, vá saber o que poderia ter acontecido…
Meses antes, tínhamos aberto mão de um dos jogadores que mais vezes vestira nossa camisa. Perdemos um ponta driblador e campeão para o rival. Nosso grande ídolo tinha se mandado para o exterior. Tínhamos acabado de fazer um campeonato brasileiro patético, vencido por aquele rival, com o nosso ponta cruzando a bola para o gol do título.
O treinador, grande jogador na década anterior, nunca havia treinado time algum.
Olhando a ficha acima e pensando que, a menos de um dia da estreia no campeonato, a torcida mal sabia a escalação do time titular, dá para acreditar no que viria a seguir?
Paulo Victor, Aldo, Duílio, Ricardo e Branco; Jandir, Deley e Assis; Leomir, Washington e Tato. Treinador: Cláudio Garcia.
PS: tudo poderia ter ido para o buraco se o Deley não acertasse aquele lançamento maravilhoso para o gol de Assis. Mas não foi.
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Estamos em 2017. É tudo muito diferente de 1983, mas não custa lembrar de que, em futebol, os donos das certezas intocáveis muitas vezes dão com os burros n’água, para não dizer com a cara no muro.
Mas talvez nem tão diferente de 2010. Podia ter sido o daquele time que começou o campeonato roubado e perdeu para o Ceará, com um gol de pênalti do veteraníssimo Geraldo. Teve uma turma que disse “Com esse time não vai dar, não caímos ano passado e retrasado por milagre. Perder pro Ceará é foda”. Mas deu.
3
Depois de desafiar definições ao criar o título de ‘pré-campeão”, o Mengaum volta a dar as cartas na vanguarda midiática: ao contratar um jogador que talvez possa atuar daqui a cinco meses, numa hipotética classificação para a segunda fase da Libertadores, cria os conceitos de pré-reforço e pré-classificado. Que cheirinho…
Em tempo: aliando garra e talento, Conca foi dos maiores que vi em 40 anos. Mas não custa lembrar: Romerito era bem superior. O argentino honrou a camisa do Fluminense em 2009 e principalmente 2010, foi vice-campeão da Libertadores em 2008. Defendeu o Flu com toda dedicação, um excepcional salário e não precisou ser tricolor para fazer isso – aliás, vamos acabar com essa palhaçada de que todo jogador que atua com a nossa camisa e conquista títulos é “tricolor”.
Só que o tempo não para: estamos em 2017.
Minha gratidão a Conca, Fred, Thiago Neves, Carlinhos, Valencia, Leandro Euzébio, Coração Valente, Deco e outrem, assim como um dia vi Cláudio Adão (o maior 9 que vi jogar) ir embora, Deley, Mário, Robertinho, Paulo Victor, Ricardo, Romerito, Assis, Edinho, Rivellino, Pintinho, Caju.
A história do futebol fica para sempre, mas o campo tem prazo limitado.
4
Hoje, sou mais Sornoza e Orejuela.
Jovens, com potencial, vice-campeões da Libertadores.
Não espero que sejam tricolores, com ou sem aspas.
Basta que mostrem o futebol de 2016 e sejam profissionais.
5
Há exatos dez anos, minha amada mãe adentrava uma gaveta no Cemitério de São João Baptista para sempre. Ou nunca, talvez.
De lá para cá, a minha homenagem a ela e meu pai se traduziu em oito livros sobre o Fluminense e um sobre a Copa de 2014.
Eu pensava que hoje seria um dia de tristeza infinita. Não é, embora as lembranças amargas sejam inevitáveis. Ainda sinto as dores diárias, mas olhando para trás eu desconfio de que, se eles estão em algum lugar a me observar, gritaram gol! e comemoraram esse trabalho que aqui faço, sempre dedicado aos dois. Penso neles diariamente em algum momento e consigo até rir dos momentos felizes que vivemos.
Minha mãe, Maria de Lourdes Andel, que era Flamengo e virou a casaca só para me fazer feliz.
Meu pai, Helio Andel, que lutou muito como pai, empresário, trabalhador e cidadão. Muito.
Esses sim são meus ídolos.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: rap
Bela volta das férias, texto fantástico e nos dá um fio de esperança. 🙂
Abs
SEN-SA-CI-O-NAL!!!!!!!!!!!!
E, também considero Cláudio Adalberto Adão o maior camisa 9 que vi jogar.
E, aproveitando este belo ‘varandão da saudade’, aqui vai o meu FLU DE TODOS OS TEMPOS (o qual teve pequenas variações ao longo dos meus 56 anos):
CASTILHO
RICARDO – EDINHO – THIAGO SILVA
PINTINHO – PREGUINHO – TELÊ – DIDI – RIVELINO
CLÁUDIO ADÃO – WALDO
Saudações Tricolores com muita SAÚDE e PAZ!!!
Beto Beckett
(Fã incondicional de Preguinho, para mim, o maior tricolor de…