Apolinho e Super Ézio (por Paulo-Roberto Andel)

APOLINHO

Neste exato momento, tem muuuuita gente chorando. Eu também, mas vou tentar fazer um réquiem.

Falar de alguém que a gente sempre ouviu desde a infância, por quase meio século.

Do tempo em que o Maracanã tinha seus astronautas vendendo Coca-Cola na arquibancada, e com tanques de refresco nas costas – no copo era só espuma, mas deliciosa.

Quando Victorio Gutemberg fazia ecoar sua voz potente nos alto-falantes de som abafado, para escalar os times, falar da Loteria e lançar o bordão inesquecível “Suderj informa”.

E no fim dos clássicos abarrotados, quando as vinhetas de minutagem das rádios faziam o som psicodélico de _gran finale_? Cento e tantas mil pessoas. Corações a mil no maior estádio do planeta, enquanto Rivellino, Adílio, Roberto, Mário Sérgio, Paulo Cezar Caju e outras feras escreviam a história do futebol brasileiro com seus dribles e passes, suas jogadas de arte.

Apolinho viu tudo isso e muito mais. Foram décadas do melhor futebol do mundo, que encantou adultos e crianças para sempre – até hoje vivemos de restos dessas lembranças. Ganhou o apelido pelo transmissor que levava nas costas, atrás do gol, e ficou Apolinho para sempre. Consagrou-se ao lado de Garotinho e Denis Menezes numa equipe que ficou imortalizada no rádio carioca, depois passou anos na Rádio Globo e muitos outros na Tupi, onde ficou até o fim – e é inacreditável que este fim tenha sido hoje, porque depois de muitos anos a gente se acostuma com a ilusão de que monstros do rádio como ele, Washington Rodrigues, são imortais de carne e osso.

Apolinho deu no pé em dia de goleada do seu Mengão. Tudo a ver com seu amor. Também é o dia de Super Ézio. Pronto, já tem um Fla x Flu armado para animar a eternidade.

Um dos maiores jornalistas esportivos da história, ele viu tudo torcendo, trabalhando ou os dois: voos munumentais do goleiro americano Pompeia, folhas secas imperdíveis de Mestre Didi ou gols e gols do jovem Pelé. Precisa mais? Não, mas ele teve o privilégio de ver os melhores, entrevistá-los e depois comentar.

É fim de quarta-feira. A cidade está em lagrimas porque Apolinho deu tchau e, aos poucos, a gente se toca do tamanho da perda, mas morrer é algo no mínimo discutível para quem sempre teve o talento para a imortalidade.

Washington Rodrigues, gênio do rádio brasileiro, familiar a milhões e que fez tanta gente humilde feliz com seus comentários, galhofas e barbaridades sempre populares.

Os gênios dizem adeus, a saudade fica pra sempre. Viva o eterno Maracanã do Apolinho!

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SUPER ÉZIO

Ele foi o mais gentil, atencioso e simpático de todos os ídolos tricolores.

Com seus gols, alimentou a chama da paixão para milhares de jovens torcedores numa época em que o Fluminense tentava, tentava mas não conseguia quebrar o jejum de conquistas.

O Fluminense batia na trave mas insistia. Durante a Era Ézio, disputou títulos em todos os anos, perdendo alguns por arbitragens duvidosas. Com um gol do artilheiro, o Flu conquistou seu último título nas Laranjeiras: a Taça Guanabara de 1993.

Depois de algumas humilhações em edições do Fla x Flu no fim dos anos 1980 e início dos 1990, Ézio comandou a primeira goleada tricolor sobre o rival em anos e anos. Antes e depois, liderou vitórias e, em seu último jogo pelo clube, iniciou a jogada que se consagraria num dos maiores gols de todos os tempos: o da famosa barriga de Renato Gaúcho.

O principal de tudo: louvado como super herói (sacada genial de Januário de Oliveira) e ídolo da garotada, ele era a simplicidade, a gentileza e a simpatia em pessoa. Sempre atendeu a todos com total carinho e educação.

Ézio é a representação de um Fluminense de outro tempo, que dava orgulho só de existir. Se o dinheiro era curto e os títulos escassos, a raça e a união compensavam tudo. A torcida, coesa e dotada de enorme senso crítico. A fase não era boa, mas a sensação de pertencimento era uma causa nobre.

Ézio foi mais do que um artilheiro do Fluminense. Mais do que um ídolo. Ele foi um escudo tricolor de dignidade. Assim como certa vez Norman Mailer definiu Jack Kerouac, Ézio é uma força, um presença, um drama e tudo isso está muito perto de nós, por mais que o Fluminense de hoje seja uma mistura de fake news com empáfia.

Quando penso numa torcida unida e respeitosa, eu penso no Fluminense de Ézio. Quando penso num time que, mesmo quando não era ótimo, tentava compensar as coisas com muita garra e dedicação, eu penso em Ézio. Quando me vem à cabeça um artilheiro implacável mas incapaz de desrespeitar o adversário, eu penso em Ézio. Quando me lembro de um jogador que realmente tinha bons sentimentos e ações para um clube e sua torcida, o primeiro nome que me vem à mente é Ézio. Quando rememoro gols, gols e gols sobre o grande rival, vejo em minha mente gols inesquecíveis de Ézio.

Por fim, quando minha saudade chora por nomes inesquecíveis do Fluminense, a primeira lágrima do que se chama fidalguia tricolor é sempre de Ézio.