Um pequeno jovem homem tricolor, magro e tímido, com suas vestes humildes, pega o trem na estação Central do Brasil, uma terra de muita gente trabalhadora, honesta, mas também de sofrimento, carência, dificuldade e tanta coisa difícil num país em frangalhos que parece definitivamente dar seus passos rumo à autodestruição – e enquanto ela não vem, o futebol serve de entorpecente, de fábrica de pequenos sonhos que jamais serão realidade, de pequena esmolinha para as almas tristes. Talvez seja um trabalhador oprimido, um desempregado à procura de oportunidades, qualquer coisa.
A esgarçada e humilde camisa do Fluminense, chamada “pirata” porque não foi comprada nos templos comerciais que cobram uma fortuna para que alguém seja um “torcedor de verdade”, não deixa dúvidas: ele vai saltar solitariamente em Derby Club, palco das antigas e admiráveis multidões que hoje já não habitam a vizinhança de um Maracanã sabotado, corrompido, destruído em nome da ganância de corruptos nojentos completamente alheios ao povo, ao próximo, ao país.
É um garoto que talvez não tenha mais de 30 anos de idade. Carrega no rosto um sofrimento evidente imposto pela vida excludente que chicoteia a milhões de brasileiros, façam chuva, sol, os dois simultaneamente ou nenhum deles. Mas ali ele deixa de ser um jovem pobre e passa a ser apenas um dos apaixonados pelo Fluminense, que o perseguem como se este fosse uma procissão interminável, feito aqueles que vêm lá de longe e têm tolerado tudo: o abandono das Laranjeiras, a gourmetização do Maracanã, a violência que vai e vem ceifando inocentes. O que ele procura é um pouco de amor. Um punhado de amor nesta vida fria e perdida de julho, diante do grande rival de mais de cem anos.
Suas parcas economias pagaram o bilhete de acesso. Com a leveza de quem é verdadeiramente triste, ele segue absolutamente sozinho, calado, tímido, magro, dando a volta pelo outrora palácio do futebol e passa pela catraca. Sobre a rampa. Quem é sua família? Seus amigos? Onde ele mora? Não está interessado em conversas, fofocas, milhões de notícias inúteis, mentiradas, ódio e todo este mar de imbecilidade que a internet tem oferecido ao clube. Tudo o que ele quer é encontrar uma cadeira em bom estado, sentar-se e ver o seu Fluminense jogar um partida de futebol contra o Botafogo. Se puder ter alguma festa, seu coração triste encontrará alguns momentos de afago; se não for possível, as cores do Flu já bastam. E quando o time entra em campo ele dá sua única risada, rápida e esquálida. É seu único momento feliz do dia.
Por alguns instantes, passam ao largo todas as mazelas, todos os fracassos, toda a tristeza. Era só ver o Fluminense e enxergar nele um irmão sincero, um correto amigo, um abraço fraterno, uma esperança de vida. No Maracanã, Um pequeno jovem homem tricolor, magro e tímido, com suas vestes humildes, deixa a derrota da vida de lado por uma hora e meia, enquanto vê o Fluminense e aquece seu coração quase perdido. A mesma cena há de se repetir em várias biroscas do Rio de Janeiro; em pequenas luzinhas de barracos onde o nosso time é a atração principal numa televisão engatilhada; num velho rádio que ainda ecoa suas vozes inigualáveis; em pequenos grupos de gente que se abraça, ou apenas se entreolha, quando há um sentimento de proximidade do nosso time do coração, o nosso Fluminense, o nosso Fluzão que também cativa os ricos, os bem nascidos, os felizardos integrantes da elite econômica, mas que aqui, apenas aqui, é um pedacinho de papel lembrando que há gente muito sofrida, triste, quase desenganada, mas que que faz desta hora do time em campo uma poesia digna de Cartola.
Os olhos tristes do menino homem vão se encher de água quando o Fluminense der a saída e disputar cada bola, cada jogada, evitando sequer piscar. É um aprendizado a cada jogo, um eterno recomeço de vida a cada três dias, a dos sonhos, que alivia por algum momento as nossas cruéis realidades e, quem dera, pudesse servir para espantar a tempestade de cólera que, sem sentido, tem nos afogado em vão.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Imagem: rap
Belíssimo texto, Andel. Não sei o que seria de nós nesta sociedade seletiva e injusta sem o nosso querido Fluminense. Parabéns.
Estas são palavras de Deus. Meu Deus
Tive vonta de de chorar, Andel, parabéns
Nesse mar de mediocridades que vemos nas redes ditas sociais,é um alento ler um texto tão bonito e poético.Parabéns Andel !
Nesse exato momento sinto uma enorme vontade de abraçar o autor desse texto poético e o “pequeno jovem homem tricolor, magro e tímido, com suas vestes humildes”.
Reconfortante, depois de ler absurdos em outro espaço dito tricolor. Obrigada pelo presente, Andel!