Eu acho que depois do que aconteceu no último final de semana não há ocasião mais propícia para tratar do tema. Até porque, nos últimos dias surgiram várias vozes a denunciar o que nós já sabemos há muito tempo, porém movidas a bairrismo, caso, principalmente, de parte da imprensa paulista.
É aquela história do “quem roubou o meu queijo?”. Mas a verdade é que tudo estava muito bom enquanto essa mesma parte da imprensa era embalada pelo cheirinho.
A verdade, porém, é que a reação da Flapress consegue ser dez vezes mais desonesta do que a de seus opositores. Assistindo a um programa esportivo ontem, em que os comentaristas se propunham a tarefa de analisar a espanholização, não sei se o constrangimento maior era deles ou meu com tanta desonestidade.
Depois de propalarem a mentira do milagre da gestão financeira, o novo argumento é de que o futebol brasileiro é cíclico, que houve um tempo em que todos temiam que o São Paulo e, posteriormente, até o Fluminense, se transformariam em Bayerns brasileiros, mas tudo não passou de uma onda que passou, porque os dirigentes brasileiros sempre colocam a perder momentos vencedores.
É o mesmo que mentir dizendo a verdade. Porque a verdade é que o São Paulo acabou afundado em más administrações, a Unimed se foi do Fluminense e o Corinthians se atolou na dívida milionária do exótico projeto “Itaquerão”. No entanto, os ciclos no futebol brasileiro são produto de um processo natural, ao contrário do que acontece agora, sob o comando das Organizações Globo, que gere um projeto artificial de hierarquização.
Os ciclos vieram sempre de dentro para fora, de boas iniciativas dos clubes, outras nem tanto, como é o caso do Vasco, que surfou nas ondas do sucesso movido a endividamento no final do século XX. O que vemos hoje é um processo induzido de fora para dentro, movido pelo projeto da Globo de transformar Flamengo e Corinthians em forças hegemônicas do futebol brasileiro.
Vale lembrar que a nova política de distribuição de receitas da TV estará em curso até 2024. Ao longo desse período, a Globo garantirá, por meio do PPV, uma gigantesca vantagem em receitas ao Flamengo, processo que já está em curso e se acentuando desde 2012.
Logo, o único meio de esse processo ser cíclico é a união dos demais clubes para a criação de uma Liga Nacional, que mude as regras do jogo. É a mudança da legislação, favorecendo a entrada de investidores no futebol e a iniciativa dos clubes no sentido de se tornarem profissionais para serem capazes de atrair esses investimentos.
Não são coisas que resolvem o problema isoladamente. É preciso que aconteçam em conjunto, simultaneamente. Não o que sugerem os ilustres comentaristas, que tudo não passará de um ciclo, porque as coisas sempre foram desse jeito. Não havia antes a ingerência externa na ordem econômica, sem contar com a inacreditável máquina de propaganda, que ganhou proporções absurdas na semana que antecedeu as duas conquistas rubro-negras.
Mas a desonestidade não para por aí. Eu confesso que quase cai da cadeira (juro que foi de rir) quando o comentarista, mal escondendo seu constrangimento, soltou a grande pérola da tarde, dizendo que o Flamengo finalmente conseguira transformar o potencial de sua torcida em receitas.
As receitas a que ele se referia eram, provavelmente, aquelas provenientes dos cofres da Globo, da suspeita preferência da Adidas, da mesada da Caixa Econômica e da súbita corrida à camisa rubro-negra de patrocinadores, a partir da gestão Bandeira de Melo, que antes torciam o nariz para qualquer tipo de parceria.
Eu não sou louco ou incoerente de menosprezar o mérito das gestões rubro-negras. Mesmo sem se transformar em clube empresa, o Flamengo profissionalizou sua gestão, ao contrário dos demais clubes do Rio, que insistiram em modelo amadores e ultrapassados. Mesmo assim, vimos atrocidades como a morte dos meninos, consequência de uma enorme e gravíssima irresponsabilidade, que a mesma Flapress fez questão de abolir do noticiário.
Atribuir o que estamos presenciando no futebol brasileiro à “maravilhosa” gestão do Flamengo é, no entanto, de uma hipocrisia e desonestidade monstruosas. Faria sentido se dissessem o mesmo com relação ao Athlético PR, a quem a Globo queria pagar R$ 6 milhões pelo PPV, quando paga mais de R$ 120 milhões ao seu clube de coração. O Athlético, que conquistou a Copa do Brasil, tendo, no caminho, eliminado o próprio Flamengo.
Isso sim, podemos atribuir à gestão. O resto é papo para boi dormir, conversa da carochinha.
A verdade é que se algo não acontecer, que parta dos demais clubes e de suas torcidas, que são a maioria, esse ciclo não terminará nunca. Ou seja, não será um ciclo, mas uma nova ordem, que perdurará pela eternidade, alimentada pela inércia de clubes como o Fluminense, que em vez de cuidar de seus interesses estratégicos, de sua marca e de sua torcida, vive a rotina de uma disputa mesquinha para definir quem ficará com os destroços do clube.
E posso dizer que o que me diferencia nesse debate é que eu venho alertando há 7 anos que chegaríamos à condição atual. Falo, evidentemente, da espanholização. Então, ninguém poderá ter a autoridade de dizer para mim que estou falando isso porque o Flamengo ganhou a Libertadores depois de 38 anos e o Brasileiro depois de 10. Quando comecei a denunciar o projeto de hierarquização artificial do futebol brasileiro das Organizações Globo o Fluminense caminhava para ser campeão brasileiro pela quarta vez, mas com o dinheiro de uma empresa privada, que não tinha ingerência direta nas competições.
A verdade para o momento é que eu não vejo outra alternativa que não a criação de uma Liga Nacional de Clubes, que recoloque as coisas em seu devido lugar, de modo que os clubes obtenham suas conquistas pelos seus próprios méritos, como sempre foi, exceto no nefasto início da década de 80, quando um time conseguiu ganhar três Campeonatos Brasileiros e uma Libertadores com influência providencial do apito amigo. Era a época da FAF (Frente Ampla pelo Flamengo), cujo comando era de Walter Clark, executivo das Organizações Globo.
Qualquer semelhança, como dizia um professor meu, é mera mera.
Que não me venham acusar de inveja, porque eu desconheço que algum ser humano tenha esse tipo de sentimento por quem lhe rouba, trapaceia e ainda convence os incautos de que é você, e não ele o ladrão. Você pode sentir raiva, que é legítima. Pode, num estágio mais avançado, sentir pena, mas jamais inveja. A inveja pode, no máximo, ser dirigida, ainda que na sua melhor versão, a quem obtém êxito pelos seus próprios méritos.
O que você não pode fazer é cruzar os braços e continuar sendo feito de bobo. É chegada a hora dos demais clubes romperem com a CBF, a Globo e as federações, fundarem uma nova liga e imporem as condições que vigoram nas ligas mais modernas e bem sucedidas do mundo, onde a competitividade é tratada como coisa séria e uma concessionária de serviço público não manda e desmanda para impor a hierarquia que lhe convém entre os clubes.
Que deixem a Flapress falando sozinha, com sua cobertura espalhafatosa, tendenciosa e desonesta. Que deixem o Flamengo jogando sozinho, já que eles são os caras, que em cento e poucos anos ganharam tudo que disputaram, que não precisam dos outros clubes para nada. Nós também não precisamos do Flamengo para nada. Precisamos, sim, de um ambiente de disputa honesta, em que o mérito seja a essência que produz o êxito, onde a tradição do futebol brasileiro seja respeitada, a verdade seja lei e a honra seja o código de ética.
Mas se o Flamengo quiser participar, que seja bem vindo. Contanto que para atuar num ambiente esportivo e de negócios ético, verdadeiro, que reviva a tradição do futebol brasileiro, um verdadeiro continente, celeiro de craques, dono do melhor estilo do mundo.
Se não vier dos clubes, que venha dos torcedores, seja cancelando o PPV e doando o dinheiro direto aos clubes, seja desligando a televisão, seja lotando os estádios e protestando.
Do contrário, o futebol brasileiro caminhará a passos largos para um desfecho melancólico, que já vem se desenhando há anos.
Saudações Tricolores!
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
#credibilidade
Marcelo, de que adianta falar em liga, se os próprios clubes não querem isso? Já houve várias chances de criá-la e nunca foram a frente (clube dos 13, primeira liga). E como fazer isso com o bando de corruptos e incompetentes que gerem o nosso clube? Não estamos nessa pindaíba por causa dos mulambos, nos metemos nisso por nossa própria incompetência. ST
Concordo Marcos. Nossos problemas financeiros são consequência de gestões irresponsáveis. Caso não fosse assim, estaríamos condenados apenas a ser coadjuvantes do Flamengo, brigando por copas e vaga no G-4, assim como os demais clubes grandes, que não podem competir com o time da Globo por causa da Espanholização.
Para finalizar, reproduzirei trechos do oportuno texto elaborado pelo grande Paulo Cézar Caju, inserto em sua coluna do Jornal “O Globo”, de 27/11/19: “Ainda sobre o Flamengo, para fechar o ano com chave de ouro seria importante a diretoria do clube resolver essa pendência da indenização dos dez meninos mortos no Ninho do Urubu. Afinal o que estabelece a grandeza de um clube não é somente uma sala de troféu abarrotada, mas é, acima de tudo, a sua dignidade.” Sem mais. ST.
Caro Marcelo, como o acompanho há anos, sou testemunha de que já previra o que vem gradativamente acontecendo em nosso futebol.
Você tinha que ocupar um cargo no Fluminense. Na verdade, acho que o Fluminense deveria ter um conselho formado por jornalistas, empresários, advogados etc. que auxiliassem o presidente do clube ou um grupo de articuladores que poderia interagir com a direção de outros clubes no intuito de uni-los em torno dessa batalha.
De pensar que o Vasco fica de picuinha com o Fluminense pelo lado do Maracanã e o Botafogo entra nessa de ficar brigando com a gente para ver quem tem a maior torcida,…
gostei da observação, pessoas sérias tem que está envolvida diretamente nesse tipo de mudanças.