Nestes dias em que o Fluminense vive seu calvário de ódio, erros e certa soberba de quem deveria escutar mais, uma triste história sobre o clube passou ao largo de Álvaro Chaves: o ocaso em que foi colocado Altair, um dos maiores jogadores da história do Flu, campeão mundial de 1962 na Copa do Chile e, posteriormente, funcionário da casa por décadas. A excelente matéria de Marcelo Gomes na ESPN publicada na segunda-feira, 22, aniversário de 80 anos do craque, não deixa dúvidas: um dos maiores orgulhos da história tricolor segue seu caminho inevitável para a morte, abandonado, silenciado, esquecido. Além da inseparável cuidadora, resta o eterno amigo Jair Marinho, saudável, mas também um senhor com mais de 80 anos.
Há alguns anos, tive a oportunidade de entrevistar Altair e seu inseparável amigo e verdadeiro irmão Jair, numa tarde de sábado no Gragoatá. Apesar de já ter experiência em entrevistas com personalidades, não tive como não ficar até intimidado frente a dois campeões mundiais do meu, do nosso time. Foi uma tarde divertidíssima que até contei em meu livro mais novo: Jair Marinho deveria estar na grande mídia falando sobre futebol. Além de saber tudo, é engraçado de fazer chorar de rir. Foi uma das grandes oportunidades que o Flu me deu.
Altair era mais comedido, mais calado, por conta de seu temperamento. Falou de seu amor pelo Fluminense, da tristeza que sentia em não trabalhar mais no clube, do descaso dos dirigentes, mas que era feliz. Tinha uma vida modesta, tranquila, sempre focada no jogo de bola que foi sua vida desde a infância. Ele já dava os primeiros sinais da doença que sofreria agora, mas pudemos conversar por horas muito agradáveis. Os dois, muito, muito, muito Fluminense. Orgulho de ponta a ponta.
Eu estava com meus sócios escritores e, na volta, esperando a barca para o Rio, quando então conversamos e fomos unânimes: como era legal ver a atenção e o cuidado de Jair Marinho com Altair. Amigos de uma vida inteira, um cuidando do outro nesta vida difícil de um mundo cada vez mais injusto, egoísta e indiferente. Era muito mais do que o Fluminense, suas vitórias ou celebrações. Era a vida, a vida em riste, acolhedora como deveria ser sempre.
O tempo passou, a vida escorreu, o Fluminense ganhou e perdeu, foi feliz e triste, as arquibancadas foram destruídas e, de lá para cá, falou-se muito de títulos, de craques, de perebas, de politicagem, de contas enganosas, até chegarmos a grande era dos idiotas com voz, definidos magistralmente por Umberto Eco – alguns até se acham celebridades de Facebook e Twitter. Tudo isso num mundo que girou, mas sem qualquer alteração num único item: o desprezo aos heróis que honraram a camisa do Fluminense no passado, principalmente os que jogaram antes dos anos 1990, com salários muito mais baixos do que os de hoje – e muitas vezes, tendo assinado contratos em branco.
Altair merece respeito. Muito respeito. Não sei dizer se até o fechamento desta coluna o Fluminense tomou alguma atitude de amparo, até porque a comunicação é hesitante. Seja pelo clube, seja pelos bilionários que reúne, seja lá por quem for, o que não cabe é a omissão diante do caso.
Uma futura bandeira sobre o caixão não é suficiente para encobrir qualquer ingratidão.
Altair está em situação grave. Escurinho está numa casa de repouso. Poderia fazer uma lista telefônica inteira aqui. Reconhecer ídolos do passado e abraçá-los é cuidar da própria história.
Não é o caso de dinheiro do Fluminense, mas de atitude. Atitude.
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Quando uma pessoa fala muito mal de outra muitas vezes, na verdade diz muito mais sobre si mesma.
A cólera é a única arma dos infelizes.
O ódio é o diploma da própria mediocridade.
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O meu muito obrigado aos mais de mil leitores que baixaram os quatro volumes de “Roda Viva”, que, se não me engano, totalizaram 496 páginas tricolores.
Esta série foi um agradecimento meu aos que me acompanham desde 2006 na batalha de escrever sobre o Fluminense em veículos independentes, sem compromissos com grupos econômicos ou politicagem que cerca o clube.
Não foram poucas as vezes que falei com torcedores que gostariam de ter meus livros, mas estavam com dificuldades financeiras. Em vários casos, doei e paguei as despesas postais.
Eu não escrevo por dinheiro. Não vendo nem alugo minhas opiniões. Faço porque gosto, porque escrever sobre o Fluminense é um prazer. Então decidi que a série seria gratuita para download, ganhando pequenas tiragens impressas no futuro. Numa hora de crise, os bons se abraçam.
E estou muito feliz com isso.
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Um abraço especial para meu camarada e hermano Eduardo Monvoisin, o Duda, com quem sempre rio muito há anos, até em jogo ruim do Flu.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
#JuntosPeloFlu
Imagem: rap Curvelo