A tarde dos pênaltis há 36 anos (por Paulo-Roberto Andel)

05 DE OUTUBRO DE 1988

Eu tinha vinte anos. Era quase calouro da UERJ. Assistia aulas de manhã e à noite. Quando disseram que o Maracanã ia abrir só para os pênaltis, tive certeza de que seria um momento único. Eu tinha razão.

Tudo começou quando Botafogo e Fluminense estrearam no Brasileirão. A CBF determinou naquele ano que as partidas empatadas deveriam ter uma disputa penal, cujo vencedor ganharia mais um ponto. Só que a dupla do Clássico Vovô simplesmente ignorou a determinação. Semanas depois, a CBF determinou a disputa.

Fui com o Gerson, que era meu colega de faculdade. O Alexandre também foi, mas pra secar e se deu mal. Economizei no lanche pra aguentar ficar o dia inteiro na rua.

Algo em torno de uns três mil botafoguenses e 200 tricolores. Teve porrada. Fula da vida, a torcida alvinegra botou uma faixa pra detonar o Cláudio Adão, que era um cracaço mas acabou fora da disputa dos tiros livres diretos da marca penal, relembrando Mário Vianna.

Nos pênaltis, foi a única vez que Deley marcou um gol jogando contra o Fluminense. Na cobrança derradeira, o jovem Alexandre Cruz contra seu irmão Ricardo Cruz – tudo parente do nosso Edgard FC. Ricardo Pinto foi um monstro nas cobranças.

Tudo não passou de vinte minutos, mas foi muito divertido estar no Maracanã só para ver a tal disputa. O Flu ganhou de virada, saí contente e voltei para a UERJ feliz. Duro, com fome mas feliz. É difícil explicar aos mais jovens o sentimento daquela época, mas tentarei abaixo.

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CRACKS DA PELOTA

Tenho saudades do meu time. Ele não era apenas um time, mas um ambiente, uma atmosfera. Tanto fazia se a arquibancada estava lindamente lotada debaixo de uma nuvem continental de pó de arroz, tanto fazia: podia ser também uma quarta-feira vazia, chuvosa, com alguns bandeirões e a esperança numa vitória, mesmo que não significasse um título. Meu time era ter meu pai me puxando pela mão e me dando cachorro quente; era a sala das torcidas onde você espiava a dança das cores embalada pelo samba autêntico. Tenho saudades do meu time, todo de branco em campo, cheio de valentes jogadores negros, alimentando os sonhos dos garotos com o jogo de bola que, mesmo tão contaminado por ora, mantém seu fascínio através dos tempos. Eu tenho saudades de quando éramos quase todos anônimos e ninguém precisava se promover com polêmicas medíocres, porque o que realmente importava era o time – e não a patética vaidade do senhor dono da razão. Saudades de quando tudo era mais simples e humilde – o Maracanã era povo de verdade. Há quarenta anos, eu deitava sozinho no chão da geral e o céu me parecia uma grande tela circular: as nuvens lentamente navegando pelo céu, uma ou outra estrela sobressaindo e uma réstia de infinito que só revi anos depois nas telas circulares dos shows do Pink Floyd. Eu tenho saudades dos abraços sinceros na arquibancada, saudades dos maravilhosos vendedores de refrigerantes com seus capacetes, tanques de refresco nas costas, roupas brancas e visual de astronautas. Saudades das grandes bandeiras coloridas – vert, blanc, rouge! Saudades dos grandes placares eletrônicos com suas lâmpadas e o nosso escudo estampado nelas quando o time subia a escada do túnel à esquerda para entrar em campo – dezenas de garotinhos corriam loucamente pelo gramado, sonhando em estarem ali um dia como protagonistas. Está quase tudo morto pelo tempo, pois ele sempre vence, mas um refúgio permanente: o das minhas lembranças, o da saudade.

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Hoje é o dia da minha coluna número 1.500. Isso dá umas três mil páginas, fora os livros. Um esforço considerável.

Há um ou outro que tente minimizar o feito. “Ninguém lê nada”, “O PANORAMA é desconhecido” etc.

Não deixa de ser curioso. Primeiro, nenhum desses “fiscais de conteúdo” já fez algo útil de verdade para o Fluminense 1.500 vezes. Segundo: se ninguém lê nada, como alguém que praticamente não aparece em vídeo há anos é regularmente convidado para falar em TV, rádio e streaming? Ou vendeu alguns milhares de livros?

Resumo da ópera: invejinha medíocre.

Há também quem diga que não tenho o “reconhecimento” do Fluminense, leia-se sua gestão. Do Fluminense? Não, mas de seus personagens transitórios.

Bom, não reconheço qualquer autoridade intelectual nos homens do clube para uma avaliação séria do meu trabalho. Queiram ou não, sou um dos autores mais publicados da história do futebol brasileiro, com quase 30 livros sobre o Fluminense, nenhum deles dependente do clube, de sua política e de seus recursos. Quem não gostar, odracir.

São 30 anos escrevendo em jornais, os últimos quatro no Correio da Manhã, no Museu da Pelada e outros dois no Brasil 247, muito além do Flu.

Muitos por aí se dizem cronistas, formadores de opinião, autoridades sobre o clube, personalidades de sucesso, mas se esquecem do fundamental: likes não garantem tamanho, ainda mais sem serem orgânicos. E nenhum deles criou o maior arquivo virtual de produção própria sobre o Fluminense na internet, sem cópia nem imitação, mas eu o criei junto a dezenas de colegas aqui ao longo de 12 anos.

Sou um torcedor, um camelô de livros, um homem pobre na luta pela sobrevivência, mas brigar com os fatos não parece a saída mais inteligente.

Não tenho seguidores. Não sou ídolo nem novela. Não me tornei conhecido por engolir fogo, posar de estrela nem de diminuir outros tricolores por suas qualidades. Não me pendurei no clube para me autopromover nem ganhar dinheiro além do razoável.

O que tenho são muitas pessoas que acompanham o meu trabalho com carinho, inclusive no exterior, e muito agradeço por isso. Se cheguei onde cheguei, foi pelo meu trabalho, mesmo com tanta gente tentando invisibilizá-lo e apagando-o inutilmente de locais como a Wikipedia.

A idade não me permite prometer chegar a 3.000 colunas. Se forem 2.000? Está bom.

Tenham um grande final de semana.

Viva o Fluminense.

Sigamos.

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