A Máquina, o Luizinho e um silêncio (por Paulo-Roberto Andel)

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Há poucas horas, se foram 41 anos desde que a Máquina Tricolor entrou em campo pela primeira vez, nos devastadores 4 a 1 sobre o Corinthians com três gols de Rivellino.

Pelos dois anos seguintes, o nome do Fluminense foi cantado e decantado pelos quatro cantos do mundo. Conseguimos a melhor média de público de nossa história, ganhamos um bicampeonato carioca quando este era a principal disputa do país (clássicos abarrotados, o dobro de São Paulo, e jogos médios com excelentes públicos), importantes torneios internacionais e só não ganhamos dois brasileiros porque esbarramos num dos maiores times do mundo (o Inter de 1975), mais a loteria dos pênaltis (Corinthians 1976). Mas vencemos a base da seleção alemã campeã mundial em pleno Maracanã.

Deve ter sido a época em que eu vi meu pai mais sorrir na vida, e isso mesmo quando tivemos falência financeira. Ele me puxava pra todo lado, inclusive pelo Maracanã cheio de bandeiras cortando uma nuvem gigantesca de pó de arroz. Nós nós sentíamos no céu!

Apesar de ter tido dezenas de jogadores excepcionais, o Fluminense de 1975/76 não é o time de A ou B, ou ainda C. É A Máquina e ponto. A expressão resume o que se tratava. Mas tinha um senhor maquinista: o eterno presidente Francisco Horta.

Três seleções brasileiras inteiras passaram pelo Flu, a tal ponto que na decadência em 1977/78, a “sobra” tinha Renato, Wendell, Edinho, Marinho Chagas, Rubens Galaxe, Pintinho, Cléber, Rivellino e Doval. Vários dos jovens que surgiram naquela época a seguir seriam titulares da mocidade tricolor em 1980: Zezé, Mário, Tadeu, Deley, Robertinho.

A Máquina não cabe numa coluna ou em dez. Ela precisa de livros que transbordem emoção à altura do que ela provocou em milhões de tricolores de todas as idades. Quarenta e um anos depois, ela ainda encanta, faz brilhar os olhos dos mais velhos, desafia definições e é falada, falada, falada. Há quem não a reconheça por ter conquistado “pouco” e é um direito democrático; agora, é preciso um enorme esforço para não perceber sua importância histórica para o clube e gerações de torcedores que, naqueles dois anos, viram o Fluminense ser o time mais falado do mundo. O poster de 1976 é praticamente o escudo tricolor formado por onze jogadores.

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A história não é nova, já a escrevi outras vezes, mas muito me toca.

O Luizinho era meu amigo da escola. Ele jogava muita bola na praia. Era magrinho, louro de cabelo escorrido. Apesar de magrinho, tinha uns três ou quatro anos a mais do que eu. Estudamos juntos por dois anos e fomos muitas vezes ao Maracanã em jogos do Fluminense. Éramos vizinhos em Copacabana. Ô, minha terra. Anos de 1981 e 1982, tempos de baixa, crises, protestos e Maracanã vazio.

Antigamente era fogo. Não tinha redes sociais, celular, computador, não tinha nem telefone. Tudo dependia de se encontrar alguém na rua e combinar. O máximo de sofisticação era chamar alguém pelo interfone.

Luizinho cansou de ir comigo ver o começo (vaiado) de Paulo Victor, mais um pouco de Edevaldo, grandes jogos de Edinho, caneladas de Amauri e Fanta, a não estreia de Ferreira (que viera do Náutico e odiava o apelido de “Piranha”), além de treinadores como Paulinho de Almeida e Dino Dani. Chutamos bola na geral vazia. Sentamos juntos no concreto vazio à esquerda da Tribuna de Honra (que muitas vezes recebeu personagens bastante desonrados). Craque de bola, ele sempre reclamava do nosso time com razão. Eu era mais calmo e jogava menos do que ele. Ríamos também e comemoramos todos os gols.

Um belo dia ele simplesmente sumiu. Nunca mais o vi na praia, na rua, trocamos de escola, ele não apareceu mais. Meu amigo sumiu. Passei a ir no primeiro semestre de 1983 sozinho, sempre com esperanças de encontrá-lo: eu ia a todos. Nada. Nada. Em Copacabana as pessoas desaparecem, todo mundo conta uma história assim.

Vinte e cinco anos depois, um colega dos tempos de escola me garantiu que o Luizinho era alvinegro. Foi uma surpresa para mim, porque nunca tocamos no assunto e ele nunca me chamou para ver um jogo do Botafogo – naquele tempo os garotos iam a todos os clássicos e até a jogos menores, pois era o único jeito de ver a partida e gostávamos muito de futebol.

De lá para cá, vi muitos Fluminense versus Botafogo, muitos. Teve goleada, decisão, título, classificação, eliminação, o escambau. E em todos eles eu sonhei em encontrar o meu amigo outra vez, pouco importando se ele era botafoguense ou tricolor, só para a gente sentar junto e ver o jogo. Agora o Maracanã não permite migração e troca de lado, mas pelo menos tem a Leste. Tentar por um instante reviver aqueles anos incríveis.

Luizinho sumiu, mas muitas vezes eu lembrei dele nestes quase quarenta anos. Este domingo é mais um capítulo de uma pequena história enigmática. Se era tricolor, fazia jus à nossa estirpe. Se era Botafogo, agiu sempre como um amigo fiel, um camarada da arquibancada, um correto irmão. E disso sinto muita falta. Muita.

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Pensei em escrever outras coisas sobre um assunto muito desagradável e que trata de desumanidade, mas prefiro ficar com uma imagem que celebra o futebol como ele tinha que ser: dos garotos com a vida toda pela frente.

Bem sucedidos ou não, o importante é dizer o seguinte: todo mundo que já correu atrás de uma bola sabe a felicidade que isso é.

Panorama Tricolor

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