A despedida de Hércules (da Redação)

Quando Hércules morreu em setembro de 1982, Geraldo Romualdo escreveu sua coluna no Jornal dos Sports em homenagem ao amigo, um dos grandes jogadores da história do Fluminense e um dos maiores artilheiros tricolores, integrante daquele que, na opinião dos estudiosos, é o maior time da história do clube.

Geraldo Romualdo da Silva (1916-1996) foi um dos maiores jornalistas esportivos brasileiros, premiado e consagrado. Trabalhou no Jornal dos Sports (1931-1936), sob a direção de Argemiro Bulcão. Posteriormente trabalhou em O Globo (1936-1958), O Jornal, A Manhã, Manchete, O Globo Esportivo. Em 1958 tornou-se chefe de reportagem no Jornal dos Sports (até 1994, aos 78 anos) e na revista O Cruzeiro também ocupou o importante cargo de Secretário de Redação. Foi também comentarista da Rádio Globo e da TV Rio. Em 1958 foi convidado pela UFA para narrar o filme sobre o Mundial na Suécia.

Hércules de Miranda (1912-1982) é um dos maiores artilheiros da história do Fluminense. Foi pentacampeão carioca pelo clube, entre 1936 e 1941. Disputou a Copa da França em 1938, conseguindo o terceiro lugar – o primeiro pódio mundial da história da Seleção Brasileira. Marcou 165 gols em 176 jogos pelo Flu (sendo ponta), com a média impressionante de 0,93, com aproveitamento de pontos na casa dos 70%.

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A MORTE DE UM HERÓI: HÉRCULES

Morre Hércules Miranda e a notícia de seu desaparecimento me assusta até a alma. Dele poderia dizer-se o que Napoleão disse de Alexandre: “Foi o maior, o mais bravo capitão de suas batalhas”. Estou atônito. E sem coragem para revê-lo na sua mudez macerada e final. Há poucos dias, sua voz já sumida me estimulava a uma rememoração no seu novo apartamento do Leblon. A esposa partida antes e o imenso vazio que havia em torno dele cada vez mais se tornava opressivo, mais insustentável.

Que dizer desse amigo leal, desse craque irretocável, do cavalheiro de boa formação cultural, filho, irmão, pai, avô e companheiro de todas as angústias que, uma noite, mesmo brutalmente assaltado e despojado das suas joias mais caras em sua isolada mansão na Barra, achou que ainda devia dar graças a Deus pelo fato de não terem maltratado sua inconveniente cachorrinha de estimação?

E o mundo, que se há de fazer. Com ele, desaparece um homem representativo da primeira hora séria do futebol brasileiro, que abarca as décadas de 1930 e 1940. Época que marca a nossa primeira manifestação de força e talento numa Copa do Mundo. A Copa de 1938. Valter, Batatais, Domingos da Guia e Machado; Zezé Procópio, Martim e Afonsinho; Roberto, Lopes, Romeu Pelicciari, Leônidas da Silva, Tim, Hércules e Patesko.

Era mineiro de Guaxupé, mas criado em São Paulo, amante da vida saudável, craque desde a adolescência. Ídolo e símbolo de um Fluminense que se perdeu também nos parvos desgovernos do tempo. O “Dinamitador” feroz. Na esquerda e na direita. Sempre a dominar plateias e a explodir corações. Manso, terno, simples como um menino. De atitudes nobres dentro e fora dos campos. Modesto, leal. Que jamais separou-se de sua paixão tricolor, mesmo enfermo. Inteligente, compreensivo. Desses amigos que fazem da amizade uma paixão. E que no jogo para valer, bater contra ele era como esbarrar numa muralha.

Recentemente, vendo comigo o velho Estádio das Laranjeiras já em ruínas – aquele mesmo estádio onde decidira tantas partidas empolgantes para uma equipe quase imbatível – esse fraterno amigo sentiu um nó profundo na garganta e chorou. E nunca mais voltou lá.

No entanto, apesar de saber que sua hora estava chegando, costumava enganar a todos com um piscar de olhos. “Ela sabe que estou manjando tudo, que suas intenções não são boas”. Referia-se ao fantasma da foice afiada que o rodeava e ele sabia tudo.

Ontem, Hércules pagou sua vida. Uma vida de grandes feitos e muitas glórias. Um autêntico herói esportivo. E um grande, um generoso capitão. Digno do que Napoleão disse de Alexandre: “Foi o maior capitão de sua geração.

Fontes: Jornal dos Sports, Mundo Botafogo, Tardes de Pacaembu

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