Uma voz anunciava no ar carioca:
O Fluminense vai ganhar a cidade.
Não sabia de onde vinha, mas era forte ao ouvido. A manhã era fria, o ar úmido com a garoa cortante. O zumbido do vento falava para que todos escutassem: Hoje é dia de Fluminense. Hoje é dia de Fluminense.
Despertar naquele domingo em clima de inverno não seria fácil se a notícia, que agora se fazia presente, não tivesse chegado com tamanho alarde. Ele sabia. A ansiedade o consumia. A espera tinha sido longa. Vinte e dois anos. Duas longas décadas a espera daquele Fla-Flu que ficou perdido no tempo, que lhe foi tirado aos 10 anos de idade. O sonho mágico do menino que queria dar a volta olímpica com o time, que achou ser ele o culpado pelos anos sombrios que sucederam aquele título histórico.
Muito aconteceu depois. Viu os Cariocas de 2002 e 2005, a Copa do Brasil de 2007, a campanha da Libertadores de 2008, a salvação de 2009 e a final da Sulamericana, os Brasileiros de 2010 e 2012, aquele Carioca também de 2012. Tudo com sua presença. Mas algo faltava. O trauma não tinha sido superado.
Como poderia ter perdido aquela final?
Como seu pai pôde não ter levado ele? Por que?
Ele sabe o porquê. Só não aceita o motivo fútil.
Uma redação da escola pela metade. Um recado na agenda. Uma professora que não sabia as consequências daquela reclamação aos pais. A punição que ele carregou por 22 anos.
Já não é mais o centenário do maior rival. Romário não joga no time adversário. Renato Gaúcho não está no campo e nem na comissão técnica. Quase tudo é diferente, menos a camisa. O peso do manto tricolor é o mesmo. O amor é o mesmo. A rivalidade idem.
Esperou o tempo passar, a chance chegar, os times resolverem se encontrar para um novo duelo decisivo.
Com a certeza no coração ele acordou. Era dia de Fluminense, seguia ouvindo. ‘O Tricolor irá ganhar a cidade’. Ninguém mais poderia tirar-lhe o gosto, o choro, o grito. Não mais pela televisão, mas em um Maracanã que já não era o mesmo também. Era outro que ainda não sabemos quem. Mas sobre aquela mesma terra, o gramado, o concreto. O Gigante, já nem tão gigante assim, porém mítico, sublime, pulsante. À espera do verde, branco, grená diante do vermelho e preto. O urubu e o Cartola. João de Deus e São Judas Tadeu. O pai e o filho. O clube de futebol e o de remo.
Distantes e similares ao mesmo tempo. Rivais e irmãos. Amor e ódio. O ‘Ai, Jesus’ que assombra o lado de lá. O Carrasco em nossas melhores lembranças a correr em êxtase após os gols.
Era dia de Fluminense. Era dia de ser tricolor até as últimas consequências.
A cidade seria nossa. A cidade já era nossa, sabíamos.
Estava escrito 40 minutos antes do Nada.
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: xavi
Que premonição!!! Que texto!!! Que assim seja!!! AMÉM!!! Pleonasmo? E daí? Quando falamos do Fluminense e das emoções que ele nos provoca, tudo é redundante.