Respeita Januário (por Paulo-Roberto Andel)

correio de uberlândia

SEIS da tarde e Leo Prazeres passa em minha casa para que lhe fosse feito um corte máquina zero, nada diferente do que já portava, rapidamente fiz o serviço, ele foi dar aula, desci como um alucinado romântico e ganhei as ruas da Cruz Vermelha com aquela sensação desejosa de ver o Fluminense. Você entende o que é ver a mulher amada, ou mesmo trocar um e-mail, um torpedo, um telefonema com ela numa quinta-feira qualquer? É mais ou menos isso.

A mesma sensação daqueles distantes 1979 ou 1981. Gol de Paulo Lino. Gol de Gilcimar. O velho amor está de pé.

As ruas do Centro do Rio, admiráveis artérias entupidíssimas de gordura automobilística por todos os lados. Januário é tão perto e, ao mesmo tempo, difícil de chegar. São tempos modernos. O motorista do táxi, um roda-presa como raras vezes visto: trinta minutos por uma corrida de quinze. Chego ao Pavilhão de São Cristóvão completamente vazio e isso poderia ter significado o fim de nosso jantar. Mas estamos tão longe do fim quanto de Pedra de Guaratiba. O restaurante português nos acolheu bem, fizemos uma grande mesa, Jorand estava feliz, Walace nos contou de uma linda mulher, Betinho queria uma grande vitória, pedimos pizzas e, no final, para que não perdêssemos a piada, é claro que o seu Manel de lá errou na conta – sempre para cima, claro. Fechamos e começamos nossa procissão particular pelas ruas vascaínas; chegando ao estádio, cumprimentamos os amigos e conhecidos, alguns disseram “Oh, lá vem o PANORAMA!”, outros mostram sorrisos amarelos como se quiséssemos nos exibir imitando Machado de Assis ou Bilac, achamos tudo ótimo e rimos porque nada é mais importante do que rir da inveja alheia. Depois, uma longa fila até a roleta. Bernardão não falha: sempre lá.

DUAS garotas lindas de morrer na catraca, Carla Jorge deveria apresentá-las a todos nós, belas funcionárias, ambas logicamente modestas diante de Juliana, mas lindas, uma é muito simpática e me dá instruções, Walace me carrega pelo braço achando que eu queria uma conversa de amor barato, passo vergonha de brincadeira e fico longe disso – sim, era linda e depois riu também. Tudo culpa de Caldeira, agora um homem tranquilo e feliz com seu cartão magnético desautorizado. Depois, a beleza das nossas torcidas na arquibancada: fiéis abarrotados, nenhum espacinho, admiráveis maníacos a granel berrando por cem mil pulmões, ficamos com nosso amigo Celso Mendes e toda vez que cantavam “a garra do gordinho” quase tomei a canção para mim.

RESPEITA Januário porque é cenário de grandes batalhas, rumo aos noventa anos de vida, ninguém chega a tal marca à toa. Respeita Januário porque é a ribalta do Fluminense rumo a – mais – uma classificação “improvável” e tão respeitável. Respeita Januário porque, em campo, estava o time acostumado a desafiar definições e fraturar paradigmas, mesmo longe da melhor técnica e organização. Quando as coisas não funcionam como devido, a garra é sempre um combustível importante.

O Fluminense não é vocacionado para facilidades, de modo que uma partida tranquila acabou complicada. O Caracas numa retranca monumental, criamos nossas chances, mas sem qualidade nas finalizações. Rhayner guerrilheiro acertou o travessão. Wagner quase fez de cabeça. Wellington Nem chutou por cima. Não devemos nos iludir: a Libertadores é uma competição de combate, de luta, de choque físico e disputa em todos os espaços do campo. Não é palco de grandes espetáculos, nenhum show iluminado de Keith Jarrett ou Egberto Gismonti. Dizia Monsieur Limá: “O couro come!” – isso tem algum sentido. Não fomos ameaçados e nem brilhamos, mas nossa combatividade disse a que veio e isso iria repercutir no final. Fim do primeiro tempo.

A fase final teve seus sustos. Levamos bolas involuntárias na trave. Quando preciso, Cavalieri foi um Castilho, um Paulo Victor e voou no canto esquerdo como se defendesse um pênalti. Edinho com a raça costumeira. De Rhayner nem é preciso falar. A torcida deu apoio a Carlinhos em função de sua tragédia pessoal e o lateral não se furtou: ganhou o ataque, dividiu, cruzou e então todos entenderam porque Sobis, apagado na partida, estava em campo – é um homem de decisão, um jogador acostumado aos caminhos tortuosos da competição continental. Bola no canto esquerdo, goleiro batido, o Fluminense fez 1 x 0 e mostrou ao mundo que vai disputar a América mais uma vez, contrariando excelências jornalísticas mofadas. Ainda houve tempo para perdermos um gol incrível num bate-rebate em cima da linha. No terço final, Felipe veio a campo e todos entenderam também porque é craque inquestionável, ainda que em seus últimos momentos divertidos no gramado. Um passe, dois, três esplêndidos, faz da bola de futebol uma bolinha de sinuca. Deixou o campo aplaudido e nem poderia ser de outra forma. Brigaremos outra vez, mesmo com nossas limitações e defeitos. Eu sempre acreditarei no Fluminense, pois meu coração alimenta isso.

Deixamos São Januário e fizemos nossa procissão de volta pelas ruas. Eu pensei nos meus amigos escritores – o que devem estar fazendo?

Meu amor não dorme. Depois de tantos anos, ele ainda me leva a todos os estádios numa estrada que nunca termina. Eu, que mudei tanto na minha vida nestas décadas, ainda sou a mesma criança apaixonada por futebol e louca para ter o Fluminense perto, algo como o lanche da tarde ou a pelada na praia de Copacabana sem refletores.

RESPEITA Januário, que o Fluminense chegou.

Paulo-Roberto Andel

Panorama Tricolor

@PanoramaTri @pauloandel

Imagem: Correio de Uberlândia

12 Comments

  1. Primeira visita à São Januário, para ver a vitória do fluminense ..

  2. Parabéns Andel, chegamos mesmo,

    Excelente notícia nosso jogo ser 2 de maio, não perderemos Diego Cavalieri, Jean e podemos ainda recuperar os demais contundidos.

    Gostei também do caminho do Fluminense na Libertadores, e principalmente que dois sérios concorrentes ao títulos já irão cair nas oitavas: atlético/mg ou são paulo e corinthians ou boca juniors.

    Agora é mata-mata galera, a Libertadores agora vai incendiar, são januário não pode caber nem uma agulha em pé, e todos tem que sair de lá sem voz!

    ST

  3. Excelente! Agora sou um careca convicto! rsrs

    Vamos fluzão!!

  4. Muito bom o entorno, os amigos e o jogo. Parecia fácil, mas para fluminense nada é fácil. E de gol em gol de 1×0 a 1×0 vamos a final. Alguém já esqueceu do Corinthians de 2011?

  5. Ja que o Vasco esta tao mal das pernas, porque o Peter ao inves de tentar comprar um clube nos Estados Unidos, nao faz uma oferta por sao Januario??? Ja passou da hora de termos nosso caldeirao.

  6. Respeita Januário pq toda vez que estamos lá a nossa torcida faz uma festa linda, respeita Januário pq nos acolheu e estamos nos sentindo em casa. Grande fase.

  7. V. saber transmitir sentimento no kct. Ao ler sua crônica me senti acompanhando a sua turma. Gostei….Sds Tricolores

    1. Paulo-Roberto Andel comenta: assim seja, Mauro. É um estádio de glórias e história.

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