1984 – Capítulo 9 – A máquina do tempo não para
Na última rodada da segunda fase, o Fluminense viajou classificado para Goiânia para enfrentar o Goiás, que disputava a outra vaga com o São Paulo. Além de Cacau e Zé Teodoro, o time esmeraldino tinha um jogador muito bom no comando de ataque: Sávio.
Dois anos antes, em 1982, a Anapolina fez um ótimo Brasileiro, terminando em 11º. Naqueles tempos com mata-mata, o time goiano foi eliminado nas oitavas de final, exatamente, pelo Fluminense. Em Anápolis, num Jonas Duarte abarrotado, assisti ao jogo de ida.
Naquela época, já morava em Brasília, e aquele jogo representava a minha volta, depois de muitos anos, ao estádio que fez parte dos domingos de minha infância. Meu pai era Fluminense, cujos jogos acompanhava pelo rádio, mas ele gostava de ir ao “campo”, como costumava falar. Sendo assim, pelas cidades que passava, adotava um segundo time para acompanhar “in loco”. Fora assim com o São Paulo, quando morou na capital paulista; fora assim em Anápolis. Invariavelmente, quando a Rubra jogava, Seu Mundico me carregava para o “campo”. Na realidade, ia para comer pipoca, amendoim, tomar refrigerante e dormir. Óbvio, perdia grande parte do jogo. Antes de chegar à minha casa, perguntava ao meu pai quanto tinha sido o placar para informar aos que não tinham ido ao jogo.
Segunda metade da década de 60, era um tempo em que a Anapolina, costumeiramente, perdia. Anápolis e Ipiranga dominavam o futebol e o torcedor local. Seu Mundico, tio Valter e alguns outros abnegados iam aos jogos e, ainda, ajudavam no transporte e lanche dos jogadores amadores da Rubra. Cidade pequena, durante a semana, lembro-me de, ao passar pela borracharia ou pelo Bar do Birota, provocarem-no, indiretamente, perguntando a mim: “E aí, Mauro Borges? E a Rubra?”. Mauro Borges fora governador de Goiás, cassado pelo regime militar. Muita gente chamava aquele menino branquelo, orelhudo e magricela de Mauro Borges.
Voltando a 1982, o resumo daquela partida no Jonas Duarte: o Fluminense tomou um baile e o jogo terminou 3 x 1 para a Rubra. O grande destaque foi Sávio, que deitou e rolou. Paulo Goulart, Nei Dias, Edinho, Rubens Galaxie, Jandir, Delei, foram atropelados.
Sávio era um atacante impetuoso, de muita velocidade e rapidez de raciocínio. Um estilo parecido com o do Luís Fabiano. Pela Rubra, marcou 50 gols, o que não é pouco para um time do porte da Anapolina. Poucos anos depois, uma séria contusão encurtou a sua carreira.
Tudo isso representa, para mim, histórias dentro de histórias. Voltar aos diversos capítulos da minha vida, independentemente da época, quando se trata de Fluminense, é marcar um reencontro com meu pai. Invariavelmente. Invariavelmente…
Continuemos, então, com a Copa Brasil de 1984: tal qual a Anapolina fizera dois anos antes, o Goiás atropelou o Fluminense e garantiu sua classificação, desbancando o favorito São Paulo:
FICHA TÉCNICA
GOIÁS 3 X 0 FLUMINENSE
Árbitro: Tito Rodrigues (PR); Renda: Cr$ 75.973.000,00; Público: 43.466
Expulsão: Ricardo 28 do 1º Tempo; Duílio 14 do 2º Tempo.
Gols: Ílton 14 e Sávio 40 do 1º Tempo; Washington 7 do 2º Tempo.
Goiás: Édson, Zé Teodoro, Timoura, Marcelo (Adalberto, intervalo) e Nonoca; Carlos Alberto, Nei e Washington; Ílton (Mairon César, 32 do 2º), Sávio e Cacau. Técnico: Vail Mota.
Fluminense: Paulo Victor, Getúlio, Duílio, Ricardo e Branco; Leomir, Delei e Assis; Wilsinho (Vica, 30 do 1º), Washington e Tato (Paulinho, intervalo). Técnico: Carbone.
Outro destaque do jogo foi a presença de torcedores: 43.466. Nos quase 38 anos de existência do Serra Dourada, esse público é o 36º maior.
Fechada a segunda fase, cinco times grandes ficaram pelo caminho: Botafogo, Inter, Palmeiras, Atlético-MG e São Paulo.
Paralelamente ao campeonato brasileiro, jogava-se a Libertadores. Flamengo e Santos foram os representantes brasileiros. Inimaginável, hoje em dia, o curioso comentário que João Saldanha fez numa de suas colunas no Jornal do Brasil, após um jogo do Flamengo na Colômbia:
Um torneio de quintal
A Taça Libertadores da América decididamente não é uma competição para clubes brasileiros. O Brasil, aliás, já tinha desistido dela faz alguns anos, mas seja por vaidade dos dirigentes, seja por culpa das dificuldades que os clubes enfrentam, acabou voltando a este torneio de quintal que só traz prejuízos. E o que se viu não foi futebol, por culpa exclusiva da arbitragem de um senhor vestido de preto, mas que nada entende das regras. Este peruano, o nome dele não importa, foi trazido pelo senhor Salinas com a intenção, é claro, de beneficiar o time da casa. E estragou tudo.
Com relação à nossa situação econômica, além do FMI, a inflação galopante e a falta de crescimento (estagflação) marcaram a década de 80. Foi “A Década Perdida”:
Entre 9 e 10% a inflação de janeiro
A inflação do mês de janeiro deverá situar-se entre 9 e 10%, previu o secretário-geral da Seplan. A estimativa corresponde à inflação real, não-expurgada, cujo índice deve ser divulgado hoje. (Folha de São Paulo, 27/01/1984)
O que, hoje, se projeta para um ano, em janeiro de 1984, projetava-se em dobro para um mês. Na primeira metade daquela década, os preços subiram mais de 200% anuais. Motivo para o lançamento do famoso Plano Cruzado (congelamento de câmbio, preços e salários, instituição do gatilho salarial, extinção da correção monetária e a criação de nova moeda, o Cruzado). Foi a primeira experiência brasileira com um plano “salvador”. Realmente, as medidas derrubaram os índices em 1986 (65%), mas a partir de 87, a inflação retoma sua espiral e bate sucessivos recordes: 416% (87), 1.038% (88), 1.783% (89), 1.477% (90), 480% (91), 1.158% (92), 2.780% (93), 1.093% (94). Para combater esses números, mirabolantes planos sucederam-se (Bresser, Verão, Collor, Collor 2) cortando zeros, congelando preços e salários e, até, confiscando a poupança. Esses números foram controlados, finalmente, com o Plano Real, lançado em 1994 por Itamar Franco. Esses números dificultavam, mas não impediam a bola de rolar.
Ou o campeonato de 84 acabava ou acabavam as letras do alfabeto. Os dezesseis times remanescentes foram distribuídos em quatro grupos para jogos em turno e returno:
Grupo P: Fluminense, Portuguesa, Santo André e Operário-MS
Grupo Q: Vasco, Coritiba, Fortaleza e Uberlândia
Grupo R: Flamengo, América, Santos e Náutico
Grupo S: Grêmio, Goiás, Atlético-PR e Corinthians
Em tempos de vacas magras para o Botafogo, o cantor e deputado Agnaldo Timóteo inventou uma forma de aparecer: invadir o campo quando o alvinegro estava na pior. Certa vez, no auge de sua loucura, entrou em campo para ensinar um jogador a bater pênalti. E na última rodada da segunda fase, vendo seu time indo para o vinagre, invadiu o campo de São Januário:
Nem Deputado impede a derrota do Botafogo
O Botafogo esteve tão confuso e nervoso durante o jogo de ontem, contra o Operário/MT, que até o deputado-cantor Agnaldo Timóteo invadiu o campo, aos 23 minutos do segundo tempo, para se reunir com os jogadores na grande área e pedir calma: ele queria que o time virasse o resultado de 1 a 0. Nada adiantou. O Botafogo perdeu e foi eliminado. (JB, 2/4/1984)
No próximo capítulo, enfim, a estreia de Romerito.
Até lá.
Revisão: Rosa Jácome
Foto: arte de Bruna Jácome
Capítulo 8: www.panoramatricolor.com/1984-viii-por-mauro-jacome
Demais fontes: Almanaque da Folha, RSSSF Brasil, www.flumania.com.br, www.futebol80.com.br
muito massa maurao…..
Alguém aí viu se o Fluminense jogou ontem??????
A Anapolina esteve em nosso caminho no inferno da série c.
Mas, deixemos essa triste lembrança de lado, e enfim, ler sobre
á estreia desse grande jogador chamado Julio Cesar Romero Insfrán, no capítulo 10.
ST.