Água brava
Um domingo de nuvens, mormaço e tempestade na Guanabara. Menos mal que, diante dos cinco mil maníacos, o Fluminense venceu o Audax pelo placar magro, poderia ter goleado como também em partidas anteriores, caiu de produção como nas partidas anteriores e o cenário não mudou muito. Entretanto, é bom que se diga: melhor vencer com problemas do que perder lindamente – aí estão as máquinas rubro-negra e cruzmaltina que não me deixam mentir.
Aproveitei a folga forçada e rumei para Olaria antes do almoço. Era encontrar com Caldeira, Vinicinho e traçar a famosa fritada de bacalhau do bar da Portuguesa, no coração do bairro. Não é uma casa para amadores, mas sim profissionais de alta estirpe. Nem falamos tanto do jogo, o evento Fluminense em si é sempre mais importante. Ao fim da refeição, nossa primeira grande derrota diante de um prato maravilhoso em tantas mesas de bar: achamos que a fritada era individual, erro crasso. Tamanho gigante, vivenciamos a glutonice como nunca, a pasmaceira bateu e só nos emocionamos negativamente com os dígitos na conta, ao melhor estilo Vieira Souto. Oh, somos tão respeitáveis que nem vale a pena falar das besteiras de Mauro Cezar neste parágrafo: indigestão na certa.
Entupidos de comida, água tônica à mão, acompanhamos uma roda de chorinho da praça, coisa de antigamente que é muito vivida no subúrbio, a parte do Rio que não se vê nos jornais exceto quando há um caso de violência. Uma pena, já fomos uma sociedade mais democrática. Depois, rápida espiada no primeiro tempo do Vasco e ficamos a perguntar: como tomamos aqueles três gols de dentro da área na Taça Guanabara. Mistérios do mundo.
O táxi foi breve, chegamos ao Engenhão, a turma simpática de sempre, cumprimentar amigos, nenhuma ocorrência, nenhuma bobagem. Ficamos perto dos amigos na Sul: Fiel, Flunitor e a incansável Bravo, nossa querida Garra por perto, rimos com Bruno Vargas. Festa, garotada gente boa, garotas lindas e apoio em cantos e bandeiras em vez de truculência e violência, algo que só pode ser vivido por cronistas de guerra, sempre presentes aos estádios, longe de um mané que vocifera ao longe, numa sala refrigerada, muitas vezes sentenciando o que aconteceu por ter visto cinco lances ou apenas um gol.
Eis a hora do jogo. O Fluminense perdeu um balaio de gols no começo do primeiro tempo, mas foi agredido e poderia ter sofrido o revés: bem-armado, o Audax marcava de forma implacável atrás da linha da bola com os dez jogadores, saía rápido para o ataque e só não abriu o marcador porque Cavalieri foi mais Castilho e mais Cavalieri do que nunca: frieza, perícia e agilidade. Parecia até o jogo contra o Huachipato. Claro que a tempestade também atrapalhou, mas apenas explica sem justificar plenamente. Com erros de passe e principalmente no último toque antes da finalização, jogando contra um adversário bem fechado e vibrante, produzimos muito aquém do esperado. Futebol não tem muitos mistérios: quando se encara uma retranca, quem pode fazer a diferença? O craque, com dribles, com soluções inesperadas. Para armar isso, havia Felipe no banco, mas só entrou tarde e quando o time sofria seu tradicional declínio que, esperamos, acabe logo – ainda que entrecortado com chances favoráveis de gol, bola na trave etc. Atrás, a saída de bola ficou complicada, tanto pela marcação do Audax quanto pela nossa deficiência neste sentido. Descemos para o vestiário com o zero amargo do placar na garganta. Wagner, longe dos melhores dias, mas sem comprometer. O Rhayner tenta, é um bom rapaz, a briga com a bola é uma constante. Jean também não foi bem. Fred, paradão, já em ritmo de viagem com a seleção.
Começou o segundo tempo e logo marcamos com Wellington Nem, num cruzamento de, acreditem, Bruno. Foi a jogada capital. O Audax não mudou sua postura, mas agrediu com menos perigo. Tivemos mais posse de bola, atacamos, o problema do penúltimo toque persistiu, Leandro Euzébio ainda perdeu um gol incrível, o sofrimento até o fim poderia ser atenuado se finalizássemos melhor – afinal, foram três bolas nossas na trave. Ninguém saiu satisfeito com a atuação, mas o placar caiu muito bem. Em 2005, arrancamos para o grande título numa Taça Rio, Abel balançava, nosso futebol era opaco. Oxalá o raio caia duas vezes no mesmo lugar – em se tratando de Fluminense, isso é sempre provável: os livros contam mais do mesmo quando se trata de superações.
Saímos numa chuva enorme. No trem, a turma já queria o jogo do próximo sábado em Volta Redonda. Maníacos abraçados, zonas sul e oeste, subúrbio: o tricolor não cabe num bairro somente.
Aproveito para deixar um abraço a todas as nossas torcidas organizadas, também o movimento popular, as torcidas desorganizadas e cada torcedor avulso, anônimo, mas peça importantíssima desse mosaico que é a paixão das nossas cores na arquibancada. Frequento estádios há trinta e cinco anos, quero chegar a setenta com a bela torcida do Fluminense sendo uma só, como sempre foi: sem feudos, sem agressões, sem maledicências, sem liderança oficial.
Não se pode confundir problemas de segurança pontuais com trabalhos de quatro décadas a serviço do clube. Nosso espaço é de democracia, sem vaidades e arroubos, com respeito ao outro, sem hipocrisia. Não é lugar de violência, autoritarismo, injúria, racismo e homofobia, dentre outras manifestações negativas por exemplo. Olhemos todo o nosso passado: tudo o que foi construído da história desse time veio de um esforço coletivo, não coisa de um ou outro iluminado: nem todo mundo é Benedito de Assis ou Renato. Somos todos minúsculos diante da grandeza do Fluminense, formiguinhas diante da grande montanha de três cores. Nenhum comandante ou parte da tripulação há de ser mais importante do que o navio inteiro. Todos seremos carne podre, incinerada ou desaparecida um dia, mas o Fluminense continuará.
Para minha felicidade, a arquibancada que saúda Mauro Cezar não é a minha: nela, estão sentadas a divergência, a calúnia, o tom professoral e a mais profunda insensatez sobre as coisas do Fluminense – e estar longe disso me apraz. FlaPress, nem pensar. A arquibancada que me abriga é a de Rafael Marques.
Já penso em Volta Redonda, é bem mais importante.
Paulo-Roberto Andel
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Muito obrigado pelas palavras de carinho com as Torcidas Organizadas sem apoio da desta Diretoria do Flu. Estão fazendo conosco o que tentaram fazer com a Juliana Veloso. Nos colocar a margem do Clube, mas não vão conseguir, pois “O FLUMINENSE NASCEU COM A VOCAÇÃO PARA A ETERNIDADE”
Bela crônica sobre futebol, passando bem pela gastronomia e amizade. Só podias ser Tricolor Andel!
Andel, como vai?
Além da divergência, da calúnia, do tom professoral e da mais profunda insensatez sobre as coisas do Fluminense, há o inconfundível “cretinismo fundamental” largamente utilizado por profissionais de imprensa e respectivas redações.
A imprensa carioca, vassala da imprensa paulista, odeia nossa cidade, seus símbolos e tradições. Desejam o fim do Fluminense e não escondem o seu intento. Uma lástima!
Ab e ST.
Paulo responde: É por aí mesmo, Ulysses. 🙁
Todos seremos carne podre, incinerada ou desaparecida um dia, mas o Fluminense continuará.
Sábias palavras
Fala Amigos, Nos falamos ontem no Estádio quando lhes dei os Parabéns pelo Trabalho, muito bom ler seus textos. Além de serem pessoas com um humor maravilhoso descobri que vocês tem bom gosto para a comida, sou cliente da Portuguesa a muito tempo, pois trabalho em Ramos e as sextas-feiras é imperdível uns bolinhos de bacalhau com a Cerveja sempre Geladíssima. Belo texto novamente, e que retrata muito bem o perfil de nossa torcida, além de falar da nossa senhora goleada de 1 x 0 ontem. E já que gostam de boa comida, vai uma dica, a Picanha ou Filé Mignon da Rua Guilhermina (Bem perto do Engenhão) é uma ótima pedida, é um Bar meio pé sujo, com um espaço bem pequeno, uma Fila pra aumentar a fome, mas um Paladar de dar inveja a Muitas Churrascarias. Abraços !!!
Ô, Vagner, nós é que agradecemos as tuas palavras e consideração. A casa é tua!
http://espn.estadao.com.br/post/316268_torcida-que-so-incentiva-e-nao-briga-existe-nao-precisa-ser-formada-por-vassalos-de-cartolas
Fala Andel! Não entendi as referências a Mauro Cezar… agora que passou a indigestão, conta aí para galera entender.
abrs / Betinho