O fato é que poupei cada centavo respeitável que tive às mãos recentemente – nenhum deles subtraído do Fluminense – e, num rompante, torrei tudo com três partidas em sete dias: Volta Redonda, Engenho de Dentro e Bangu. O que sobrou, ficou numa conta sem senha. Duas atuações com o time reserva ou alternativo ou qualquer coisa que o valha. Não venci todos os jogos, como seria o justo para meu ideário de criança que ainda navega em meu pensamento. O tricolor não foi brilhante como eu queria, mas me senti feliz e útil. Nenhum níquel paga a conta de vivenciar o amor.
Estranha, doce e admirável esta sensação de ir onde o time estiver, mesmo que os jogos não sejam os melhores, mesmo que as coisas não funcionem como devido, mesmo sendo óbvio que não havia ou haverá perfeição. Em momentos como estes, volto a ser a criança de trinta anos atrás, quando meu pai me puxava pela mão e tudo o que eu ansiava era ver o Fluminense todo de branco ou com a magistral camisa tricolor.
Ir ao jogo com os amigos, ver nossas mulheres lindas, conversar com gente de todos os cantos, tudo isso faz do jogo de futebol no estádio uma louvação – ainda mais em tempos de impessoalidade, de relações virtuais frias e descartáveis, de distância humana regulamentar.
Numa semana, deixamos de ser respeitáveis para nos tornarmos uma zebra dos campeonatos. Há pensamento melhor para decifrar a nossa trajetória no caminho dos títulos? Tenhamos a fé do poeta, aquela mesma que não costuma faiá.
II
O trem humaniza o sujeito no Rio de Janeiro, exceto nos horários de rush. A grande artéria que atravessa o coração da cidade, sem litoral, sem a modernidade do mundo corporativo. Sair do Centro para Bangu de trem é entender um pouco de Kerouac.
Você sai da estação Guilherme da Silveira, atravessa a praça e os garotos humildes sem camisa soltam pipas para todos os lados. O humilde vendedor de refrescos. A moça bonita com trajes modestos olha de esguelha. A garotada com bolas de gude? Os amigos se abraçam, bebem a cerveja relaxante antes de adentrar o também modesto – mas fascinante – estádio do Bangu. Ora, os modernóides consideram isso uma aberração? Natural: nunca ficaram de conversa-fiada num churrasquinho da esquina com Ricardo Valença em Piedade, nunca fizeram um churrasco às três da manhã ouvindo “Division Bell” na casa de Gerson em Vicente de Carvalho enquanto Bia oferecia sua nudez generosa, nunca entraram com um respeitável carro na contramão de uma viela suburbana. Não sabem que ir ao estádio é uma experiência sensorial muito maior do que a de apenas ver um jogo de futebol – e, por isso, tacham os admiráveis maníacos de “loucos”, “insanos” e tudo o que suas mentes rasas permitem discorrer a respeito do tema. Estávamos em Bangu e logo lembrei que a mulher mais linda da cidade dos meus sonhos mora perto, em Realengo. Outras mulheres também lindas e admiráveis nas arquibancadas de calor desértico: lindas fiéis, não vê quem é cego de alma. Perto, Celso Mendes ria da minha ojeriza a viagens de avião. Longe, Luciano terminava um lanche para mais tarde ver nosso primeiro gol de perto. E tudo sugere uma canção que me rói feito mistério.
III
Ricardo Berna fez uma defesa espetacular no primeiro pênalti e nada tinha a fazer no pênalti de 1 x 1, batido por Rodrigo – o mesmo que já vestiu nossas cores. Wagner e Neves, Caldeira já disse, jogaram com três segundos de atraso. Wellington Silva e Monzón jogaram melhor nas laterais do que Bruno e Carlinhos na quarta-feira, mesmo com o pênalti bobo do argentino. Impressiona ver que os melhores passes de trivela saem dos pés de Edinho. Diguinho lutou como tinha feito bem em Volta Redonda. Começamos na frente, buscando o gol que logo veio na boa jogada de Rhayner pela direita, Samuel livre empurrou aos 13 minutos. Era um calor enorme, o que dificultava as coisas, o Madureira é dos times menores que sempre atrapalham. Não, não estávamos bem, mas a missão desta escalação alternativa era garantir a vaga nas semifinais e, ao fim do jogo, isso se confirmou. Gum foi de uma eficiência soviética de outrora: desarmou tudo. Depois do empate, podíamos ter descido para o vestiário com a vantagem, vide o incrível pênalti do goleiro Márcio em Neves. Mas a cobrança foi insossa e decadente. Há quem diga que Neves ia superar todos os nossos heróis se ganhássemos a América em 2008. Eu só penso naquela cobrança insossa e decadente. Contudo, quem atravessa a cidade para ficar em pé debaixo de cinquenta graus não tem a vocação da cornetagem barata. Eu não sou vigia da poesia alheia. Importa-me é navegar o olhar em Moça Bonita.
IV
Podia ter sido diferente no segundo tempo. Wellington Silva acertou a trave esquerda. Rhayner tentou jogadas, lutou para se firmar e também contra a bola, mostrou vontade. Depois Neves quase se redimiu com o passe de cabeça que Samuel completou para fazer 2 x 1. Era um calor de três desertos. Pipas no céu de brigadeiro, pipas caídas no gravado. Moça Bonita tem um sabor de antigamente, quando o jogo de futebol era mais divertido, mais humano, mais sentimental, longe da assepsia econômica que pretende alijar os pobres das arquibancadas para deixá-las também num deserto de corar alvinegros. O Madureira, ressalte-se, não estava morto e agrediu. Era preciso ter inteligência para ratificar a classificação. No fim, outra bobeada, Rodrigo escorou de cabeça e igualou tudo no fim. Um olho no cronômetro, outro nos jogos da rodada, outro no futuro. Ao encerramerto, tudo certo, empate com alívio e a classificação garantida. O Fluminense está de volta: sem brilho nas jogadas, sem manchetes estrambóticas, sem vantagem de qualquer empate. Tornou-se o coadjuvante dos campeonatos que disputa, via decreto. Melhor assim. Ainda rimos a valer com as histórias de Bruno Vargas no trem da volta, antes do esquisito rapaz do alto-falante indicar a plataforma de embarque errada. Perto da estação, havia uma festa com música eletrônica, belas mulheres de roupas quase íntimas, um rapaz com cordões que pareciam correntes presidiárias. Luciano parece ter voltado feliz para casa. Vivemos uma tarde de fraternidade, uma tarde de Fluminense suburbano e autêntico. A Libertadores tem as veias saltadas, a Guanabara tem nervos e músculos. Chegou a hora.
V
A garota mais bonita da cidade mora ali perto do velho e querido campo do Bangu. Em Realengo. Meu coração suburbano acelera. Alô, torcida do Flamengo: aquele abraço.
Paulo-Roberto Andel
Panorama Tricolor
@PanoramaTri @pauloandel
Contato: Vitor Franklin
Domingo, dia 3 de Março, o maior ídolo que a mulambada teve, tem e terá, vai fazer aniversário. Mas antes, o AQIPOSSA faz uma homenagem ao mais famoso perdedor de pênaltis que o Brasil e a França conhecem: Arthur Antunes Coimbra, o tal do Zico.
Como jogador, nada conquistou de valoroso. Até mesmo o tal “mundial de clubes” não passa de uma Copa Intercontinental, chamada Copa Européia-Sulamericana, torneio amistoso, usado como forma de propaganda da marca de automóveis japonesa Toyota. De resto, tudo foi arranjado pela Máfia do Apito. Da Copa Wrigth Libertador da América, aos campeonatos brasileiros de José Assis de Aramengão, Oscar Scolfaro e do próprio Wrigh. A década de 80 foi a melhor para o herói Francês.
Mas você já começa a “comemorar” o aniversário do franguinho desde agora!
Acesse “Zico: A História de uma vida – Parte 1” e comece a descobrir o que a FlaPress nunca contou.
Muito bom Tanto na forma forma como no conteúdo. Fique descansado quanto ao plágio, quando copiamos mais de 3 estilos, naturalmente desenvolvemos o nosso próprio. Em tempo, Nelson, como escritor, paira acima de todos, João Saldanha era ótimo e Aquiles Chirol até que escrevia bem, mas eu sempre o achei um mala sem alça.
ST.
Interessante. Muito interessante. Vivia isso no radinho. Ou em Anápolis ou em Brasília, antes da TV transmitir até coletivo. Esses jogos eram nas ondas curtas da Rádio Globo ou Eldorado (Globo 2). Antônio Porto, Fernando Carlos. E eu imaginava como era. Depois veio o Fantástico e os gols da rodada. Só aí pude ter ideia, mesmo que por segundos, de como eram esses campos: Moça Bonita, Teixeira de Castro, Ítalo Del Cima, Rua Bariri.
Crônica foda pra caraaaaaaaaaaalho!
Fui às lágrimas!
Um domingão sensacional!
As carpideiras nunca entenderão isso! São incapazes de tirar a bunda do sofá para viverem o Fluminense!
Paulo responde: Marcus, de tudo que o PANORAMA me proporciona, uma das que eu mais sinto orgulho é você estar aqui. Reparei um equívoco com a minha própria história. Isso não tem preço.
Pow, Andel, cada um no seu quadrado! Você me disse que escreveria a serio e eu faria humor. Beleza, acordados!
Agora você vem, fala sobre os passes de trivela de Edim, que Diguim lutou o tempo todo e fura meu olho?
Simply hilarious! Hahahahahahahahahahahahahahahaha!!!
Então, ta! Amanhã, MR não só falara a sério, como comporá um soneto em homenagem ao exuberante futebol de Edim Walking Dead e Diguim Baronetti.
Quem com ferro fere não joga pedra no telhado dos outros. 😛
Paulo comenta: Marciorocha, nada pode ser mais humorístico do que seus comentários, em todas as acepções da palavra.
Quando eu tiver talento para ser escritor, juro que vou lá comentar o teu show do Chaves 🙂
Mas também, se eu for, vai ter uma turminha dizendo que eu estou em busca de “grandes números de audiência” (ahaha triplo sem decimais).
Por enquanto, eu sou apenas um imitador de Nelson Rodrigues (claro, para quem nunca leu Achilles Chirol e João Saldanha).
Deixo para você, amigo querido, um poema dum gênio que muito admiro:
“A poesia está guardada nas palavras – é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as insignificâncias
(do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.”
Manoel de Barros, In Tratado geral das grandezas do ínfimo,
Ed. Record, 2001
Braxxxx.