Um copo de Pepsi (por Paulo-Roberto Andel)

A primeira vez que vi uma máquina de refrigerante em copo foi em 1976. Eu já tinha oito anos, a minha mãe sofria muito e eu nem sabia que, poucos dias depois, ia passar o pior Natal da minha vida – quando o Natal fazia sentido para mim.

Foi uma pastelaria perto da rua da Matriz, em São João de Meriti. Meu pai tinha a loja Heduwi na rua Vadih Bedran, que faliria justamente naqueles dias. Para salvá-la, fomos morar em Vaz Lobo. Acho que ficamos lá uma parte de 1976 e boa parte de 1977, quando então voltamos para Copacabana.

A máquina era fascinante. Eu bebi Pepsi. Adorava a logo e as tampinhas da garrafa de vidro. Quando vi a atendente disparando o botão e o refresco borbulhando no copo, fiquei hipnotizado. O sabor parecia incomparável. Não lanchei nada, foi apenas o copo.

Voltando para a loja, encontramos o Paulista. Era um revendedor de roupas que comprava em Meriti e levava para a revenda em São Paulo. Ele comprava com meu pai. Lembro que eles ficaram de gozação porque logo aconteceria o jogo Fluminense x Corinthians da famosa Invasão Corintiana. Meu pai disse que ia dar Fluzão, o Paulista mostrou o chaveiro dele com o escudo do Corinthians, que achei bonito, bem diferente. Meu amor pelo Fluminense nunca atrapalhou minha admiração por escudos. Depois eles se abraçaram, o Paulista entrou em seu carro – que talvez fosse uma Brasília azul e foi embora. Nunca mais o vi. Também nunca mais tomei copo de Pepsi na pastelaria. O desfecho da temporada não poderia ser pior, com a derrota do Fluminense nos pênaltis e o Natal horrível que aconteceu: completamente desgovernado, meu pai quebrou parte da loja, não foi para casa na véspera de Natal e só me lembro da minha mãe chorando. Coitada, ela tinha 30 anos, era uma garota ainda e sofreu pacas. A gente vivia muito mal, morava mal, eu parei de ir à escola – estudava sozinho em casa, isso era muito louco.

Toda essa história me veio à mente porque abri uma garrafa para tomar meu gole de Pepsi. Já se passaram 48 anos, mas eu lembro de que mesmo sem entender nada, o Fluminense já era uma preocupação para mim, era uma coisa muito importante e, em muitos momentos, a única chance de alegria.

O Natal seguinte foi um dos melhores. Voltamos para Copacabana, a minha mãe ficou feliz e eu ganhei uma caixa de Polly. Lembro dos meus pais falando sobre a morte de Charles Chaplin. Pouco tempo depois, eu viraria um torcedor mirim de verdade, lendo jornais, ouvindo resenhas e jogos no rádio. O Fluminense foi campeão da Taça Teresa Herrera, mas depois ficou em branco em 1978 e 1979. A grande redenção viria em 1980, eu já com 12 anos. Foi bom demais.

A barra está pesada. Pesada demais. Tão pesada que minha grande façanha nos últimos três ou quatro anos foi não ter morrido. Mas hoje eu tive um dia bom: encontrei amigos, vi o recital de outro querido amigo, lanchei um joelho suculento e, depois de meses, resolvi ir ao Maracanã. Vou ver Flu x Grêmio. É uma partida de vida ou morte, mas por algum motivo que não sei explicar, estou me sentindo um garoto de 1976. Só me falta a Máquina em campo, mas não se pode vencer todas.

Onde estará o Paulista?

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Faleceu Arthur Moreira Lima. Um dos maiores artistas eruditos brasileiros de todos os tempos. Figura extremamente popular dos anos 1970 e 1980. Na decisão das semifinais do Brasileirão de 1984, o pianista super tricolor fez uma aposta com Toquinho, corintiano fanático: se o Flu fosse eliminado, Arthur cortaria sua vasta cabeleira; se fosse o Corinthians, Toquinho rasparia seu famoso bigode. Deu Fluzão.

Oito anos depois da tristeza em Meriti, eu estava vingado.

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