Francisco Horta: uma lenda viva completa 90 anos (por Wagner Victer)

No próximo dia 23 de Setembro, às 11 horas, na Igreja Nossa Senhora de Bonsucesso, dentro da Santa Casa de Misericórdia no Centro do Rio, estará sendo realizada uma Missa em celebração aos 90 anos da Lenda Viva Tricolor, Francisco Horta.

A excepcional vitória na Libertadores da América em 2023 fez retornar à baila uma discussão em algumas redes que participo, quanto a quem teria sido o maior Presidente da história do Fluminense.

Nesse debate, concordo com um comentário feito recentemente pelo atual Presidente do Fluminense que o maior Presidente do Fluminense teria sido Oscar Cox por uma razão muito simples: criou o nosso Clube! Óbvio que outros podem legitimamente também considerar Arnaldo Guinle por nossa sede e estádio! Em outras análises surgem os meus também queridos e saudosos amigos Manoel Schwartz, Tricmpeão Carioca e Campeão Brasileiro ou David Fischel que, como Don Quixote, soube enfrentar moinhos e nos ter elevado a partir do ponto mais baixo do poço de nossa história.

Não há a mínima dúvida nessa avaliação dos critérios a considerar que uma linha inteligente é avaliar, dentro da conjuntura de cada momento e as características pessoais que marcam um Presidente, onde nesse sentido obviamente não se conta somente a conquista de um grande título, por maior que esse seja.

Um bom Presidente é uma figura para se ter como uma referência e admiração eterna! Se requer estatura e ter elevado a imagem, e inflado a autoestima a níveis inimagináveis! É tambem ser inteligente e íntegro, acima de suspeitas e de ilaçoes e só assim poder ser lembrado! Ser um eterno não se faz só por ter orgulhado a torcida, mas por ter nos elevado a um panteão e nesse conjunto de virtudes Francisco Horta foi insuperável.

O que aconteceu em 2023 certamente foi fantástico e absurdamente acima de qualquer expectativa esportiva minha e de muitos Tricolores. O atual Presidente Mário Bittencourt está de parabéns em relação à conquista e seu nome certamente está na história do Fluminense, apesar da fase caotica esportiva e financeira que nos encontramos menos de um ano depois. Porém, nessas discussões, relativizar essa conquista da Libertadores como a chave para alçar o mais alto posto seria até um desrespeito a nossa grandiosa história e a outros feitos em épocas não potencializadas pela globalização atual das redes sociais, como na Copa Rio de 1952, que até hoje buscamos seu reconhecimento como um Campeonato Mundial, e a Taça Olímpica atestando nossa grandiosidade eterna em âmbito mundial.

Sobre o Presidente Horta, sou suspeito para falar dele, pois o considero muito acima dessa comparação e até “hors concours” pois é uma lenda viva e o maior dirigente esportivo do século XX e do XXI (já que não surgirá outro igual neste século). Ou seja, por ter o acompanhado de perto o considero não só o maior do Flu mas o maior de todos!

Algumas pessoas que não vivenciaram essa época da Maquina Tricolor, e também pelo fato de não terem redes sociais na ocasião e nem o Google, não têm a dimensão do que foi Francisco Horta para o Fluminense e ficam limitados a discursos imbecis em qualificar que o bicampeonato carioca de 1975 e 1976 seria algo muito pequeno diante da dimensão que é hoje o Campeonato Regional. Não compreendem, aliás, que os grandes campeonatos que existiam no Brasil eram de fato os campeonatos regionais. O próprio campeonato brasileiro conquistado pelo Vasco, em 1974, foi comemorado de maneira muito tênue e sequer era o foco dos Clubes nacionais.

Os clubes não se dedicavam para o Campeonato Nacional. O Brasileiro, era uma competição de segunda linha e o próprio titulo que tivemos no Brasileiro de 1970 (Taça Roberto Gomes Pedrosa) sequer teve a comemoração que fizemos no Campeonato Carica de 1971, ano seguinte, sobre o Botafogo.

No tocante a campeonatos sul-americanos, eles praticamente não existiam. A Copa Libertadores era totalmente considerada de segundo plano e não tinha qualquer relevância. As competições que realmente importavam eram as dos campeonatos regionais, basta ver o massacre das torcidas que aconteceu pela quantidade de anos que o Corinthians e o Botafogo ficaram sem ser campeões estaduais.

Esquecem os “analistas” atuais ,ao arrepio da história, que as grandes competições internacionais, como Campeonatos Mundiais de clubes, eram os torneios internacionais intercontinentais onde somente os maiores clubes do mundo eram convidados a participar, ou seja, eram de fato os campeonatos mundiais à época, e nesses, obviamente, o Fluminense era a grande referência brasileira para o mundo e era o Clube convidado.

Não basta falar que, com Horta, o Fluminense ganhou a Taça Tereza Herrera na Espanha jogando com os maiores clubes do mundo. Venceu a competição de Paris onde temos a clássica foto de Carlos Alberto Torres segurando o troféu em forma de Torre Eiffel, e o próprio torneio de Viña del Mar.

As pessoas não se recordam que a dimensão internacional do Fluminense era tão grande na época de Horta que, pela primeira vez na história, a bandeira da França foi retirada da parte mais alta da Torre Eiffel e foi colocada a bandeira do Fluminense.

O Fluminense era tão representativo mundialmente que o Bayern de Munich em 1975, após a Alemanha ser campeã do mundo em 1974, e mesmo sendo a base, com oito jogadores, da seleção da Alemanha, pegou um avião para fazer um jogo amistoso com o Fluminense no Maracanã, onde foi humilhado em campo e isso seria impensável nos tempos de hoje ate para um time mediano da Europa. Basta falar que grandes jogadores, como o Cruyff, pediam para jogar amistosos pelo Fluminense e até outras empresas fantásticas como a Adidas vieram para o Brasil pelo Fluminense. Horta foi genial ao iniciar a questão do patrocínio nas camisas de clubes, alias fazendo gratuitamente a divulgação do programa de alfabetização no Brasil (MOBRAL).

Grandes artistas do mundo usavam a camisa do Fluminense de forma espontânea. Foram célebres os shows que os Rolling Stones, no auge da sua fama, faziam com seus integrantes vestidos com a camisa do Flu. Mesmo não tendo a propagação das redes sociais, as camisas do Fluminense eram utilizadas por grandes artistas no mundo e surgiam em filmes internacionais. Ou seja, naquela época já era moda no mundo vestir a camisa do Flu, que não era visto meramente um Clube que foi disputar uma competição, mas uma referência para o mundo.

Muitas pessoas não conseguem compreender o que foi a dimensão do Fluminense para o mundo feito pelo gênio Francisco Horta. Coisa que aconteceu com poucos clubes no mundo e que só acontece atualmente pelos que são financiados com grandes quantias de recursos de Sheiks Árabes ou estranhos empresários Russos.

O Fluminense, na época da Máquina, foi tão grandioso que tivemos no nosso time 10 jogadores da seleção brasileira e mais um jogador da seleção argentina, que era o Doval. Chegávamos a ter jogadores da seleção brasileira no banco do Fluminense e isso é algo impensável,para os dias atuais, pois, hoje, quando um grande clube tem dois ou três jogadores na seleção é considerado um clube diferenciado internacionalmente.

O Fluminense, que em 1977 alguns pessimistas diziam ser o fim da Máquina, era um time que tinha sete jogadores da seleção brasileira e entre eles os dois melhores jogadores do Brasil, que eram Rivelino e Marinho Chagas.

Insisto e reafirmo em seus 90 anos que Horta, antes de tudo, é um gênio. Não só pela criação de expressões que cruzam e cruzarão uma eternidade como “Saudações Tricolores”, “Vencer ou Vencer”, mas principalmente pela criação dessa Máquina Tricolor, que é a melhor equipe que um clube de futebol já criou no planeta, com Rivellino, Paulo Cesar e cia., e que encantou o mundo pela forma de jogar, não pelos resultados, mas pela plástica que passava em todos os apaixonados pelo futebol.

A figura de Horta era tão forte que, no auge da ditadura militar, teve a coragem de se posicionar em uma histórica entrevista ao Jornal do Brasil para o saudoso Márcio Guedes, enquadrando aqueles que queriam mandar no futebol e, sob o discurso que aos Generais cabiam mandar em seus quartéis, permitiu transitar o futebol nacional. Isso comprometeu sua carreira de Magistrado pois o impediram, em represália, de assumir uma carreira de Desembargador, mesmo sendo um Juiz de Direito brilhante.

A participação de Horta, ano passado, aos 89 anos na Missa na Paróquia São José, celebrada pelo Padre Omar Raposo, quando foi ovacionado de pé como um “Anjo Tricolor” que nos trazia a esperada vitória na Libertadores, foi de arrepiar. O seu lento caminhar e a figura pequena lembrava um cena não produzida pela Lucas Film do Mestre Yoda, sendo aplaudido por todos Mestres Jedis da Galáxia.

Por ocasião dessa data quando completa seus 90 anos, quero apresentar um pouco mais da trajetória de vida do genial Francisco Horta para aqueles que só o conhecem como o Grande Mago do Fluminense, mas que tive o orgulho de entrevistar quando registrou seu depoimento para a posteridade e imortalidade no Museu da Imagem e do Som (MIS) por quase cinco horas, com depoimentos, muitos com histórias fantásticas e sempre engraçadas.

Sua trajetoria é longa e plural e vimos também um pouco de Horta por meio de um resumo que obtive nos arquivos da ALERJ, onde ele também foi Deputado Estadual, se destacando na Defesa dos Direitos Humanos.

Francisco Luiz Cavalcanti da Cunha Horta nasceu no dia 23 de setembro de 1934 na Casa de Saúde São José no Rio de Janeiro, filho do Médico Francisco Alves da Cunha Horta e da professora Marilda Barbosa Cavalcanti da Cunha Horta, irmã do consagrado apresentador de televisão Flávio Cavalcanti e da professora e depois política Sandra Cavalcanti.

Desde criança Horta tornou-se frequentador e torcedor destacado do Fluminense.

De 1942 a 1953 frequentou os cursos primário, secundário e clássico no tradicional Colégio Mello e Souza.

De 1954 a 1958 cursou a Faculdade Nacional de Direito da antiga Universidade do Brasil (hoje UFRJ), onde conquistou o título acadêmico de bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais, tornando-se advogado brilhante.

Paralelamente aos estudos, sempre foi apaixonado pela música e chegou a formar o conjunto “Chiquinho e seu Ritmo”, onde era o baterista e que tinha como crooners nada menos que João Gilberto, que depois se tornou famoso e uma lenda como um dos precursores da Bossa Nova, além da cantora Silvinha Teles.

Trabalhou como Advogado no Contencioso da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, onde seu pai exerceu a Medicina por mais de 30 anos.

Passou no concurso para a magistratura se tornando Juiz e ganhou dos seus colegas advogados da Santa Casa sua primeira toga.
(1970 a 1976), continuando rotariano praticante até hoje e, na Associação Comercial do Rio de Janeiro (ACRJ), é sócio (a partir de 1983), Benemérito (1993) e Grande Benemérito (eleito em 2013 e, até hoje, o único não-presidente com esta honraria). Na entidade fundou em 1984 o Conselho Empresarial de Segurança Pública, Ética e Cidadania, que presidiu de 1987 a 2015. Antes daquele conselho, em 1995, num momento em que a população do Rio de Janeiro vivia atemorizada por uma onda de sequestros, ele idealizou e sugeriu aos empresários da ACRJ, a criação de uma ferramenta importantíssima que existe até hoje chamada Disque Denúncia, viabilizando-a. Ferramenta e experiência estas que depois foram exportadas para outros estados e até países. Aliás, nessa área é considerado um dos pais da Vara de Execuções Penais (VEP) e do trabalho para apenados do sistema carcerário.

Ainda na Associação Comercial (ACRJ), foi Vice-presidente de diversos mandatos e lá atuou aconselhando e influindo politicamente por décadas.

Mas foi na área esportiva que Francisco Horta se tornou conhecido do grande público. Na presidência, assumida com praticamente 40 anos de idade, do nosso querido Fluminense (1975 a 1977), onde é pasmem até hoje somente “Benemérito”, revolucionou o futebol carioca com a montagem da “Máquina Tricolor”, Rivelino, Paulo César Caju e Carlos Alberto Torres à frente, e com a realização do “troca-troca” entre os grandes clubes do Rio, que até foi polêmica entre muitos Tricolores, porém fundamental para salvar o futebol carioca. Aliás no próximo ano a Máquina completa 50 anos de criação.

No meio eleitoral e político-partidário foi Deputado Estadual eleito através do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) no Rio de Janeiro (1983 a 1987). Foi líder da bancada do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) na Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro /ALERJ (1983 a 1984) e presidente da União Parlamentar Interestadual / UPI (1984 a 1987). Aliás por sua capacidade oratória, leveza, inteligência, bom humor e principalmente de improviso sempre foi visto como um dos maiores tribunos que já tivemos.

Mesmo aos seus 90 anos e sem precisar provar mais nada, Francisco Horta continua trabalhando presencialmente (mesmo no período da Pandemia) no que considera uma missão de vida e o maior de todos os desafios! Como um tapa daqueles que desafiam o tempo assumiu em outubro de 2014, com 80 anos, o cargo de Provedor da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro, na prática um CEO, para tentar reverter a grave crise desta Instituição de quase 450 anos, onde nasceu a Medicina Brasileira com José de Anchieta e cuja história se confunde com as histórias do Rio de Janeiro e do Brasil.

“Vencer ou Vencer” continua sendo o lema da lenda tricolor Francisco Horta.

Nessa contagem dos seus 90 anos, desejo que nosso eterno Francisco Horta, maior dirigente esportivo que já tivemos no país, tenha cada vez mais saúde, pois a vida de sucesso dele é eterna como a de toda lenda e de todo ser iluminado que ele é!

Por último não aproveitar a efeméride dos seus 90 anos e os 50 anos da Máquina Tricolor e não conceder a ele essa homenagem, mais que tardia, de ele ser alçado a categoria de Grande Benemérito, seria a perpetuação mesquinha de uma injustiça que os Deuses do Futebol nunca perdoariam o Fluminense.

Viva Francisco Horta! Que Deus continue a dar muita saúde para em breve estejamos nós, os Tricolores de bem, celebrando o seu centenário.

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