‘Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau’.
Essa é a sensação imperativa desde que o árbitro apitou o final da partida entre Fluminense e Internacional no Maracanã, na última quarta-feira, pela ida da semifinal da Libertadores da América.
Mas no caminho havia um Cuiabá, equipe caçula da Série A e quem vem conseguindo se segurar na elite do futebol brasileiro, com os gado-soja-milho-agro-dólares.
Já que nem o torcedor adestrado pelos genitores do New Fluminense, o Fluham de Peter Siemsen e seus escroques do porvir, está preocupado com o que acontece no Campeonato Brasileiro – só se importam com o torneio administrado pela CONMEBOL -, que dirá os jogadores, comissão técnica, diretoria tricolor.
Aparentemente, as lições que deveríamos ter aprendido em 2008 não foram absorvidas e nem praticadas. Na ocasião, quando estávamos em reta final da Glória Eterna, o treinador Renato Portaluppi sentenciou: “Quando ganharmos a Libertadores, vamos brincar no Brasileiro”, referindo-se a poder deixar a competição nacional em segundo plano, sem destaque, em banho-maria.
Nem vencemos a copa continental, nem brincamos no Brasileiro. Na verdade, quase fomos rebaixados, outra vez, como se já não nos bastasse todo o sofrimento que a reta final da década de 1990 nos havia disferido, com três rebaixamentos em três anos seguidos, indo ao fundo do poço, antes de ressurgirmos como a fênix Fawkes de Alvo Dumbledore, da saga Harry Potter.
Muitos poderão pensar que estou sendo pessimista ou radical, afinal, o que importa (para muitos) é mesmo a Copa Libertadores, pois seria o único troféu ausente em nossa galeria de conquistas.
E depois que conquistarmos? Podemos encerrar as atividades do clube e darmos como ciclo encerrado, tal qual um gamer que termina por desbloquear e vencer todos os desafios do jogo?
‘A vida é trânsito, dia útil, não domingo’, o cotidiano é filme, não fotografia.
Em nome desta soberba, deixando de lado a única competição em que temos a certeza de jogarmos todas as partidas, podemos seguir cada vez mais distantes da grandeza desejada e vocalizada pelas intrépidas trupes que se arvoram por meios de arranjos societários, a administrar o club e sua conta multimilionária. Pois ao contrário do que a gangue dementadora fala dia, noite, noite e dia, o Fluminense por ser estável na liga brasileira e contar com traços enormes de audiência, se mantém como um dos clubes que mais arrecada espólios do Brasil, ficando atrás somente do big four.
Observando mais de perto tudo o que é feito em nome desse cenário surrealista, podemos destacar a fanfarra que alguns torcedores que foram testemunhar a goleada sofrida para o Vasco da Gama, que segue lutando contra mais um rebaixamento nesta década, que seria o sexto. O que exatamente estavam comemorando? Ah, sim, o fato de seguir na Libertadores. O mesmo Cruz-maltino acaba de sofrer uma goleada do desesperado Santos, com direito a cenas lamentáveis e batalha campal entre atletas e comissões técnicas, por uma provocação acrobata de Soteldo com a bola sob os pés, literalmente.
No chamado jogo mais importante da história do Fluminense (ao menos nos últimos quinze anos), Samuel Xavier foi expulso após recorrer a duas entradas violentas em duas jogadas contra seus adversários, fazendo jus ao vermelho recebido, no acumulado de dois amarelos, conforme obriga a lei do jogo.
O que se viu nas redes e em grupos distintos, incluindo jornalistas que se dizem sérios e o próprio treinador do Fluminense em entrevista pós-jogo, foi uma verdadeira operação abafa, com direito a chororô interminável, apresentando vídeos em ultra câmera lenta de um dos lances de Xavier, sugerindo que no carrinho que ele investiu em Valencia, fora o atacante colorado quem teria premeditado entrar de sola em Samuel, chegando a comparar com outros lances diferentes sofridos pelo Fluminense em outra ocasião. Não tenho aqui a intenção de rediscutir os termos, nem afirmar se foi mesmo para que o camisa dois recebesse amarelo, seguido de vermelho, ou não, mas sim comparar com um lance decorrido no jogo indesejado contra o Cuiabá, neste sábado que nos deixou.
Na partida, longe de casa e dos olhos da maioria dos torcedores tricolores, Diniz, em nome de poupar os titulares para a partida da volta contra o Inter no Beira Rio, fez uma escalação rudimentar, com direito a Thiago Santos e Yony González entre os titulares. Para segurar o rojão de tantos jogadores insuficientes, lá estava Matheus Martinelli, a quem a crítica, supostamente orquestrada, escolheu para sangrar.
E o que de tão especial ocorrera no Centro Oeste brasileiro? O atleta que enverga a camisa oito tricolor, precisou em dois lances, dar entradas duras para corrigir trapalhadas da equipe inteira, que estava mais preocupada em saber o que comeria após a partida, ou beberia. Nos lances, exatamente como Samuel contra o Inter, Martinelli recebeu amarelos que foram convertidos em vermelhos.
Ah, mas o tratamento dispensado ao moleque de Xerém foi frontalmente oposto ao que fora dado ao lateral direito suspenso da Libertadores.
O próprio treinador ao final da partida atribuiu a goleada sofrida pela equipe do fraco Cuiabá, à expulsão de seu comandado. A opinião pública execrou e segue execrando o jogador, que tem em sua trajetória até aqui, a obrigação de correr pelos jogadores com o prazo de validade vencido, adorados pela trupe que citei mais acima.
Sentenças como: ‘Esse bagre não deveria mais vestir a camisa do Fluminense’, ‘não sei o que alguns torcedores veem nesse jogador xereba’, ou ainda: jogador sem sangue, só dá passe para o lado’.
As narrativas pré-cozidas são prontamente colocadas no micro-ondas, o que infelizmente vem se tornando parte da opinião pública e torcida tricolor. São requentadores de opiniões sem o menor senso crítico, sem apresentar dados ou contextos.
Ah, se fosse o Martinelli quem tivesse pisado na bola, em vez de Ruf Ruf, dentro da área em jogada super treinada pelo esquadrão titular, o que teria acontecido a este rapaz, lá no Maracanã? Ou se fosse Martinelli a ser expulso em uma semifinal de Libertadores, distribuindo sopapos em jogadas com pouco risco?
E o mais curioso, tudo isso em um jogo, supostamente abandonado pela torcida, pois somente a Libertadores interessa.
‘Deu pra ti, baixo astral, vou pra Porto Alegre, tchau’.