Enquanto a gente morre um pouquinho todo dia, porque a vida é isso, comprei meu ingresso para o Maracanã sábado e fui serenamente para o estádio de metrô. Na descida, mudei os planos e fiz tudo diferente dos últimos anos: saltei em São Cristóvão, indo a pé até o Bellini.
Como sempre acontece, abri a cortina do passado. Lá estavam grandes lembranças, sendo meu pai a mais intensa de todas. Não importa a idade: ser órfão nunca é fácil. Nunca.
Perto da entrada, tem a escadinha de acesso. Eu me lembro de nós dois sentados ali uma hora antes dos portões abrirem. Ele adorava chegar cedo e desenvolvi esse hábito. Ficávamos ali em 1976 ou 1978, 1979 também. Havia vendedores de laranjas e de assentos para a arquibancada quente, as famosas almofadinhas com escudo do Fluzão. Futebol não se limita ao jogo.
Agora, o grande prazer em ir pela Leste Superior é poder subir e descer a gloriosa rampa da memória. Como é bom subir ali e rever tanta coisa. Quase cinquenta anos depois, ainda é um ritual que me emociona.
Sobre o jogo, foi mais ou menos e tranquilo. O Palmeiras foi perigoso mas o Fluminense fez os gols. Descontaram quando não havia tempo para o empate. É uma vitória importante, que pelo menos garante a briga pela vaga na Libertadores 2024.
A rampa. A beleza da descida. Os tricolores de sábado à noite fazendo um mar de três cores e boas sensações no agora declive da vitória. Mal descansamos, sonhamos e amanhã tem Libertadores. Desse jeito, vale a pena morrer um pouquinho todo dia.
##########
É certo que Marcelo está no fim da carreira. É certo e visível. Mas que bom que os dias finais sejam no Fluminense. Seu toque de bola, seus passes e dribles, seu talento, tudo é uma pequena amostra do que foi um dia o futebol brasileiro.
Com ele a bola sai sempre em curva, quente, venenosa, cheia de efeitos e nuances. Até uma virada à frente da defesa, que deu susto na torcida, fez a corrida de um jogador palmeirense à toa. Não dava pra chegar por causa do efeito.
Quando ele toca e dribla, somos obrigados a abrir nossa cortina do passado e lembrar de grandes talentos, de um futebol que quase não existe mais, e isso alegra a alma.
##########
Duro foi ver o Alberto no obituário do telão. Cedo e injusto demais, outro dia mesmo ele estava perto da escadinha tentando doar um ingresso. A última lembrança que tenho dele é algo cada vez mais raro nessa terra de egoísmo e indiferença: a solidariedade.
Recolher os cacos e seguir adiante até onde der.
Triste também é ver que a torcida não para no minuto em respeito aos que partiram e nem quando é tocado o hino nacional.