Entrevista: Paulo-Roberto Andel – parte II (da redação)

Continuação:

ANDRÉ RIBEIRO – BLOG LITERATURA NA ARQUIBANCADA: Livros sobre conquistas de clubes brasileiros não acabam afastando leitores “adversários” por conta da declarada paixão do autor?

Caro André, ainda existe um ranço muito grande no que resulta na literatura esportiva brasileira. Desde pequeno, sempre gostei de ler e pesquisar sobre vários times, meu pai sempre deu força para isso. Lembro de uma coleção da Placar em fascículos, cada um com a história de um grande time brasileiro, meu pau comprou todos e me deu. Foi um episódio decisivo para minha vida, tanto em aspectos culturais como sentimentais. Passei a colecionar botões, pesquisar sobre o assunto. O pior é que, em vários momentos, essa verdadeira dádiva custou caro: você comenta com um amigo sobre um fato histórico negativo do time dele, o sujeito pula no teto (risos). Acho que a literatura brasileira ainda precisa valorizar verdadeiramente o futebol e isso, claro, para por um maior aceite dos torcedores – a história não é feita somente pelo time do próprio coração. Há todo um contexto. Claro que os vascaínos não vão comprar e ler um livro dedicado a Rondinelli 70, nem os rubro-negros os livros dedicados a Assis 83/84 e Renato/95. É compreensível, mas não precisa ser uma negação absoluta. Não consigo ver o adversário como inimigo; logo, apreciar a literatura adversária é algo que considero importante. Contudo, também depende do autor, da qualidade. Espero sinceramente que o futebol dê uma guinada para a aproximação com os leitores num momento em que a Copa do Mundo vem aí com tudo. Você, assim como o Garcez, é uma figura fundamental neste processo.

LUIZ PAULO SILVA – JORNAL DE LETRAS: E por que você acha que o futebol ainda não foi devidamente abraçado pela literatura? Isso também se percebe em outras manifestações artístico-culturais?

O problema é simples: preconceito. E também ignorância. Desde o início da força do futebol como expressão brasileira, convencionou-se tratá-lo como algo “menor”, coisa do “povo” que carecia de maior profundidade intelectual, longe dos grandes salões e saraus. Essa besteira se propagou através dos tempos, de tal modo que muitos acreditam ser necessário ficar longe do futebol para atingir um “respeito intelectual”. Vejamos hoje quem são os “papas” da “intelligentzia brasileira”, ostentando o vernáculo nas páginas de jornais e revistas? Mainardi? Reinaldo Azevedo? Jabor? Pondé? Olavo de Carvalho? Papas entre aspas, lógico; o Pondé ao menos tem formação ampla. Não falam nada de futebol porque simplesmente não entendem patavinas do assunto. Bom, outros que também não entendem atuam como respeitáveis cronistas e jornalistas esportivos, talvez não queira dizer tanta coisa assim. Quando eu era garoto, lembro claramente do discurso nos anos 70 em que quem gostava de futebol era “alienado”. Aos poucos, essas barreiras foram recebendo artilharia. O Skank (grupo musical) ajudou muito, sempre enaltecendo o futebol nos seus espetáculos; Benjor já fazia isso antes mas a crítica torcia o nariz. Agora temos o CineFoot (Festival de Cinema de Futebol) com toda força, há um público cativo e interessado. O documentário do Saldanha, o filme do Heleno de Freitas. Resta aos intelectuais atenderem ao clamor do povo. Hoje, temos dez vezes mais livros de futebol do que há dez anos, mas ainda é muito pouco diante de qualquer grande livraria. É preciso mais, muito mais. Tomara que aconteça. Veja a internet: quanta gente boa produz, escreve e atua sobre futebol? Tudo bem, tem os ruins também, mas isso sempre teve.

RODS – PANORAMA TRICOLOR – Tenho várias perguntas. Aqui vão:

1. Quando começou a escrever o livro, você fazia ideia do que estava reservado ao Fluminense em 2012?

Não. Por mais que o coração do torcedor sempre espere o melhor, não há como saber o que vem pelo caminho. Neste caso, 2012, começamos em Moça Bonita, debaixo de 63 graus de calor, eu escrevia em outros sites, nem havia Panorama Tricolor, o time era o B, tinha Araújo, ótima apresentação de Carleto. O futebol é dinâmico demais no decorrer de um ano.

2. Na crônica sobre o primeiro jogo contra o Boca, ainda na fase de classificação, você classificou Diguinho e Valência como leões. Hoje o primeiro nem teria renovado se dependesse de boa parte da torcida e o segundo, apesar de sempre servir sua seleção, raramente joga. Como você vê a cabeça-de-área que terminou o ano como campeã brasileira, formada por Edinho e Jean?

A crônica é um registro ao vivo do front. Ela capta o momento o agora de cada partida. Tudo é questão de circunstância. Talvez a partida de Diguinho contra o Boca tenha sido a melhor que fez pelo Fluminense. Depois se contundiu, voltou mal. Já fez grandes jornadas pelo Flu, foi mal em outras. E a torcida muda muito de opinião em qualquer clube. Hoje, algum tricolor gostaria de ver Deco e Fred fora do time? Pois bem, isso já aconteceu em 2010 e 2011. Quando estreou no Flu, equivocadamente por conta do boquirroto ex-treinador (NR: Muricy), Cavalieri teve atuações desastrosas- ele mesmo afirmou isso em entrevistas. Voltou com Abel, firmou posição, hoje é o melhor goleiro do país. Futebol é momento. Edinho já teve momentos apavorantes, fez um campeonato brasileiro de 2012 esplêndido. Jean jogou bem desde o começo, ganhou a vaga com todo mérito e foi um dos melhores do campeonato. Valencia, para mim, é o décimo-segundo jogador: quando precisamos, não foge à luta. Guerreiro, voluntarioso, dedicado; nenhum time é campeão sem gente assim. O Diguinho voltando a jogar bem, aí Abel tem um ótimo problema: é melhor quebrar a cabeça para escalar e ocasionalmente barrar bons jogadores do que não tê-los. Ressalte-se: não confio em quem não muda de opinião; a sensatez humana exige reflexão e mudanças.

5. “O resumo é de cada um” é o nome da sua crônica após a derrota tricolor no Independência, um jogo cercado de polêmica, acusações, bravatas e, por que não, chororô. O que você quis dizer com esse título?  

Vale o que está escrito. Os anti-Flu comemoraram a vitória alvinegra como se fosse um título; nós sabíamos que nada estava perdido e tínhamos imponente vantagem. Nós temos um resumo daquele dia, eles têm outro. Em jogos polêmicos – este foi um caso extremo -, a tendência é às vezes romancear a dor ou superestimar um triunfo pontual. Os atleticanos saíram da partida com a certeza de um título que jamais viria. Essa é uma versão oficial. Vamos à outra? “Então senti que o resumo é de cada um/ que todo rumo/ deságua em lugar comum/ então eu monto num cavalo/ que me leva a Teerã/ e não me perco jamais/ quando desespero, vejo muito mais/ Essa canção me rói feito um mistério/ essa tristeza dói/ meu fingimento é sério/ como aéreo é sempre todo amor”. Homenagem à fina poesia de Cacaso. Repare nos detalhes do poema, não são a cara do Fluminense e do que aconteceu? “Desesperados”, vimos muito mais. Nosso amor aéreo prevaleceu como nunca. E o tetra veio.

LUIZ ALBERTO COUCEIRO – UFRJ – PANORAMA TRICOLOR: Escrever um livro ao longo do ano, em capítulos pequenos sobre fatos específicos, requer expertise distinta de uma trama longa, que o autor pensa, ele mesmo, em qual será o final. Como tem sido essa experiência, ainda mais porque ela rendeu mais um livro?

Querido Luiz, sem comparações literárias (e antes que algum louco me acuse disso), apenas por menção de vaga lembrança, me parece algo como Sal Paradise navegando pelas estradas sem rumo em “On the Road” e tentando descrever o cotidiano, as gentes, a parte perdida do sonho norte-americano (com a ressalva de que, no caso do Flu é a parte da glória). Cada dia, uma fotografia, uma história e, ao mesmo tempo em que há coesão de fatos quase “litúrgicos” (a volta a campo, o renovar das partidas, o brilho de alguns jogadores, a repetição dos procedimentos semanalmente, o apoio dos torcedores mais apaixonados etc), há também enorme heterogeneidade. O craque de ontem pode ir mal logo mais; a torcida que vaia uma má atuação circunstancial pode, até mesmo num mesmo jogo, mudar completamente seu comportamento. Ou talvez Joel Silveira e Rubem Braga em suas crônicas da Segunda Guerra: o cenário era o mesmo e, às vezes, até os personagens; agora, as nuances e possibilidades voam para vários destinos. Onde havia horror e morte, havia também solidariedade e afeto. Palavras de meu ídolo Ivan Lessa: “A crônica vai registrando, o cronista vai falando sozinho diante de todo mundo”. É meio que por aí. Isso tudo começou porque eu não aguentava mais ler nos jornais uma partida completamente diferente que tinha visto, geralmente com o Fluminense sendo diminuído ou ridicularizado. Então, fui para o front e tento captar essas fotografias, com a sensação de que não dá para saber onde vai parar. Começamos em Bangu a 50 graus, dali para a América, o título carioca, o brilhante tetra. Nós, tricolores, nunca temos certeza de nada, todos os títulos eram sofridos até 2012, desta vez foi diferente. Foi tranquilo como nunca, seguro, calmo. Surpreendente e bom. Tudo num jogo me interessa: da atuação propriamente dita a um torcedor humilde emocionado com alguma coisa, uma criança brincando na arquibancada, uma bela mulher caminhando entre as cadeiras. É o que tento perceber e registrar. Depois é que vejo onde foi parar. Estamos juntos. Abraço de sempre.

Para ler a primeira parte da entrevista, acesse:

http://www.panoramatricolor.com/entrevista-paulo-roberto-andel-da-redacao/

Redação

Panorama Tricolor

@PanoramaTri

Contato: Vitor Franklin

1 Comments

  1. Bom saber que há gente que não faz do futebol uma guerra entre inimigos, mas algo lúdico e construtor de caráter. Futebol é diversão, acima de tudo. bacana essa visão.
    Na gozação: foi seu pai comprou as revistas Placar, certo? Ou será que é como aquele cara que levou um pato dentro das calças pro cinema e passou o tempo inteiro dando pipoca pra ave até que uma senhora curiosa, que não tirava o olho do bicho, ao ser perguntada se nunca tinha visto, respondeu; ver eu já vi, mas que come pipoca, nunca! Eu também nunca soube de algum que comprava revistas Placar. Risos.

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