O Rio era triste e silencioso há mais de cem anos, quando o Fla x Flu inventou a multidão nas palavras de Nelson Rodrigues. Desde 1912, ele é um jogo que nunca termina. Cada partida é uma história que sempre oferece cenas dos próximos capítulos.
A cidade, por vários motivos, ainda carrega consigo certa melancolia, mas o grande clássico lhe serve de bálsamo, de cânfora pelo menos por algumas horas – se o jogo não for grande coisa, porque se tiver um grande ingrediente, o caminho da eternidade é certo.
Não será diferente no Maracanã lotado de logo mais, quando os dois clubes decidem a Taça Guanabara de 2023.
Os flamengos têm o empate, vantagem considerável, mas o Fluminense joga melhor no momento e tem a vocação de reverter resultados desfavoráveis.
Na história de quase 111 anos do grande jogo, os flamengos se gabam de ter vencido mais vezes. Já os tricolores distinguem as partidas corriqueiras das cruciais – e nestas reinam com soberania plena.
O que esperar? Táticas mirabolantes? Jogadas ensandecidas? Pode ter tudo isso e muito mais. A história do Fla x Flu tem sido escrita por personagens notáveis e outros absolutamente efêmeros, mas inesquecíveis.
É normal que todo mundo se lembre das grandes finais, com o velho Maracanã transbordando mais de cem mil pessoas. Não é mais assim, o estádio foi criminosamente gentrificado, mas ainda assim a festa será grande logo mais. O choque de cores garante o espetáculo.
Os Fla x Flus do Assis são imortais. O do gol de barriga também. Tem o do Flávio Minuano, o do Cano recentemente. Tem Fla x Flu de 1963, 1941, 2012 e lá no distante 1912, quando ninguém imaginava a dimensão que este jogo teria para o futebol mundial.
É hora de abrir a cortina do passado.
Vai ter Fla x Flu. A cidade vai parar. O país vai ficar de olho. A capital do Brasil será transferida para o Maracanã logo mais. Tomara que o Fla x Flu melhore meu coração tão cansado, eu acredito nisso. O Tricolor e o Rubro-negro, as cabeças de Chico Buarque rolando no Maracanã, o leão e o tigre andando numa calçada de Nova York como escreveu Tom Wolfe.
São muitas lembranças, mas a que me vem mais forte agora é a de um Fla x Flu que eu não pude ver. Foi em 1993, jogado numa quarta-feira à tarde em Niterói pelo Torneio Rio-São Paulo. Eu era estagiário no Centro do Rio e, saindo a caminho da faculdade, ouvindo o radinho no escritório, o Flamengo vencia por 2 a 0 e faltavam uns 15 minutos para o fim da partida. Então peguei o ônibus 434 a caminho da UERJ, num percurso de dez minutos. Quando cheguei à faculdade, havia uma grande banca de jornais cujo dono era tricolor. De repente ele surgiu no caminho pulando e gritando NEEEEEENNNNNNSSSSEEEEEEE de maneira alucinada. Foi aí que entendi o ocorrido: durante o meu percurso de ônibus, o Fluminense fez três gols e virou o jogo de maneira espetacular. Então pulei e gritei também, como se estivesse no Maracanã. Foi uma tarde grandiosa, de um tempo em que eu tinha bons momentos de felicidade.
Vai ter Fla x Flu. Meu pai dando três ou quatro ingressos para garotinhos humildes, sem camisa, até sem chinelo, e eles correndo enlouquecidos de felicidade, passando pelas roletas apertadíssimas e subindo a rampa em êxtase, abraçados como manda a felicidade infantil, até chegarem ao topo da subida e desaparecerem para sempre no grande sonho da arquibancada do Maracanã. Eu também era um garotinho, não sofria como eles, mas ali encontrei um momento de irmandade que procuro até hoje, mesmo que seja ilusão. É o que ainda me mantém vivo.
O Tricolor e o Rubro-negro, o jogo que nunca termina.