Eleições no Fluminense: a ilusão necessária (por Paulo-Roberto Andel)

Em qualquer história tricolor, há sempre no mínimo dois Fluminenses: aquele que amamos, apaixonante, perfeito e imperecível, e o da vida real, inundado de problemas. Os dois coexistem sem contradição, mas para entender o clube é preciso estar sempre alerta aos dois polos.

Amanhã, viveremos um novo capítulo desse paradoxo com as eleições do clube. O único motivo de comemoração é que elas existem, ao contrário do que já foi um dia. E só. De resto, não há qualquer motivo para festejos.

Com a verdadeira máquina de propaganda do clube atuar 48 horas a favor da mitomania, poucos tricolores se deram conta de que, apesar pela alegria com os gols de Cano, as jogadas de Arias e Ganso mais os passes de André, e apesar também de uma boa sequência de vitórias no Brasileirão, o fato é que o Fluminense é divulgado como um Real Madrid mas tem campanha de Cotinguiba, com todo respeito ao time sergipano.

Não vencemos o Carioca depois de dez anos somente. Na verdade o vencemos depois de termos tomado cacetadas do rival em 2017 (roubado), 2020 e 2021 – esta, extremamente humilhante. Foi uma espécie de belo gol de honra, tendo em mente que o eterno Carioquinha merece respeito, mas na verdade hoje ele é o menor de nossos objetivos. É melhor ganhá-lo do que não, mas ganhá-lo não nos credencia a grande coisa, como o ano de 2022 demonstrou.

Do resto, uma pré-Libertadores desastrosa e uma Sul-americana idem. Vieram as campanhas dignas no Brasileiro e na Copa do Brasil, onde fomos bem colocados mas jamais principais protagonistas.

Fato é que, novamente, descontando o Carioca (que merece todo respeito e também ser considerado com seu tamanho atual), o Fluminense pela primeira vez em sua história profissional ultrapassou uma década sem grande protagonismo. Muita gente se satisfaz com terceiro lugar, com quatro lugar, posições que jamais comemoramos em nossos primeiros 110 anos.

O mundo mudou ou caiu drasticamente nosso padrão de exigência?

O mundo mudou ou passamos a aceitar a figuração no lugar do protagonismo?

Ao contrário do que a boa campanha do Brasileiro mascarou involuntariamente, aí vem o Fluminense do primeiro parágrafo, o da vida real: um clube cheio de problemas. Um clube que deve uma fortuna, que arrecada bem mas torra seu dinheiro com veteranos inúteis, e rifa seus jovens jogadores para aliviar o prejuízo e alegrar empresários, modelo esse que nos impede de ter ídolos – não há tempo para celebrá-los no clube. Para justificar esse modus operandi que dá muito lucro a indivíduos, o discurso sempre está pronto: “a gente antes lutava para não cair”, “estamos arrumando a casa” e outras papagaiadas que só satisfazem mentes ingênuas ou primitivas. Há tempos não somos mais protagonistas, mas sim figurantes elegantes.

Enquanto comemoramos o sonho de ver Richarlisson arrebentar numa Copa do Mundo, e o nome do Fluminense está invariavelmente associado ao do atacante, pensamos em seus números no clube: 69 jogos, 19 gols, mais a efêmera Primeira Liga. Por que não pudemos manter um jogador desse quilate por mais tempo nas Laranjeiras? Porque desde aquele tempo o Fluminense já tinha o seu mecanismo de manutenção de veteranos, que se mantém até hoje. É pelo mesmo motivo que não poderemos manter Martinelli, André, Arias, JK e outros: o próprio Fluminense pratica a autossabotagem de seu elenco.

Do atual time titular, quantos jogadores importantes conseguiremos manter nos próximos seis meses? Ou o Fluminense pretende disputar a Libertadores com um time sub-40?

E o treinador, que fica “mais confortável” se o atual presidente for reeleito, se esquecendo que é funcionário da instituição e não de uma pessoa física? Diniz tem muitos méritos em 2022, mas isso não lhe dá direito de se intrometer na vida política do clube.

O Fluminense é um clube de balanços resssalvados, de informações claramente conflitantes, de números que não se sustentam nos conjuntos naturais. O discurso pouco ou nada tem a ver com a realidade. E é nesse ínterim que se ambientam as eleições tricolores.

De um lado, o delírio psicodélico da atual gestão, sustentado em redes sociais por apoiadores, robôs e blogueiros de aluguel. Do outro, uma oposição fragmentada, dividida, pouco propositiva e incapaz de captar o anseio dos tricolores populares, focada na arrogância oca e no pedantismo injustificado.

No bojo, muito preconceito (inclusive racismo disfarçado), pose, frases feitas, fulanização e apedrejamento de reputações. Pode haver algo mais estúpido e escroto do que o Fluminense precisar de um candidato a presidente com “estampa à altura das tradições do clube”?

O Flu parece ser campeão mundial de sociólogos, executivos e altos escalões corporativos em suas redes sociais, embora nunca nenhum deles tenha sido visto numa faculdade correlata, ou mesmo administrado alguma coisa.

Com tudo isso, o novo Sócio Futebol perdeu qualquer estímulo para ir votar – aliás, o próprio clube foi à Justiça para impedir o voto online…

Um desespero enorme pela implementação esbaforida da SAF, vendida como única alternativa de sobrevivência do Fluminense. Ignorância, desrespeito à inteligência alheia ou ma fé? Ou tudo junto? A quem interessa uma operação apressada, sem debates aprofundados? Aos sócios e torcedores é que não é…

E aí está a ilusão necessária: as eleições para legitimar um verdadeiro sarapatel político.

Aconteça o que acontecer no próximo sábado, o Fluminense continuará não tendo uma gestão à altura da bela história do clube, reflexo da mediocridade em que nos enfiamos – ou melhor, fomos enfiados desde 2012. Discursos imponentes, empáfia e mentiras deslavadas são a tônica da última década nas gestões tricolores. Gestões medíocres, feitas por pessoas medíocres.

Se nada mudar, a oposição continuará sendo rachada por vaidades e interesses pessoais. Alguém acha que vai mudar tudo depois de sábado? Ou teremos a MIT (Mocidade Independente Tricolor) englobando os mesmos nomes de sempre?

Nosso maior presidente vivo, Francisco Horta, teve seu mandato iniciado há 47 anos.

Algumas das nossas maiores referências de conquistas vão fazer 30 anos, como o gol de barriga, ou 40 anos como no caso do imortal Assis.

São histórias maravilhosas, imortais, que devem ser louvadas para sempre, mas que precisam de sucessão. Já foram escritas e estão mais do que consagradas.

Precisamos de novas histórias, novos ídolos, novos títulos, jogadores e, principalmente, novos bons dirigentes. É disso que vivem os grandes clubes pelo mundo.

Precisamos de sangue novo no clube e em sua vida política, enquanto é tempo de salvar o Fluminense. Novo de verdade.

1 Comments

  1. Como propor alguma coisa ou votar em alguém se não temos informações sobre a verdadeira situação do clube . Poderíamos ser bem melhor informado . Só assim poderíamos fazer uma escolha . Fato sem resolver os problemas financeiros nunca teremos um grande clube . Fico triste porque só acompanho o futebol por amor ao Fluminense .

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