Carta para Francisco Horta (por Paulo-Roberto Andel)

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Prezado Doutor Horta,

Meu nome é Paulo, sou camelô, tenho 54 anos e conheço o senhor desde os sete, quando eu integrava a torcida mirim do Fluminense.

Embora desse muita atenção ao cachorro quente do Maracanã, bem como ao refrigerante dos vendedores, todos de branco, de tanque nas costas e capacete como se fossem astronautas, fui firme testemunha ocular de uma galeria de arte criada pelo senhor. A exposição era no gramado e atendia pelo nome de Máquina Tricolor. É um nome tão poderoso que, passados quase cinquenta anos, ainda povoa o imaginário de milhares e milhares de tricolores. Mesmo campeão e recheado de craques, o Fluminense daquele tempo nunca é chamado de “time do Rivellino” ou “do Paulo Cezar”, simplesmente de Máquina e pronto: está tudo bem descrito, basta olhar o pôster.

Queria dizer que aqueles foram alguns dos melhores anos da minha vida. Eu sempre estava abraçado com meu pai na arquibancada, todo mundo ria e festejava, a gente vivia nas nuvens de pó de arroz com um mar de bandeiras do nosso time. Era festa, festa e vitória. Sempre tinha alguém me jogando pro alto na hora do gol – e tome gol, gols, gols! Nuvens e nuvens: a gente estava num verdadeiro avião de concreto e degraus.

Durante dois anos, aquele time do Fluminense que o senhor montou virou o campo dos sonhos de homens, mulheres e crianças. A Máquina dava as cartas nas manchetes esportivas, no rádio, na TV, em revistas e jornais. Nosso oxigênio era tricolor.

Há quem diga que a Máquina ganhou “pouco”, mas por mero desconhecimento histórico. Nos anos 1970, nenhum campeonato de futebol no Brasil era tão charmoso, atraente e disputado quanto o Estadual do Rio – e o Flu passou o trator em 1975 e 1976. E se os Brasileiros bateram na trave, azar o deles que perderam um supremo campeão em sua galeria. Aliás, em 1976 o Fluminense teve a maior média de público pagante de seus 120 anos, o que mostra a empolgação dos tricolores com seu time. Quase cinquenta anos depois, a Máquina apaixona a torcida tricolor e desafia definições.

Doutor Horta, neste seu aniversário de 88 anos, eu queria dizer que o presente é meu e de todas as crianças tricolores de 1975 e 1976. Nós passamos dois anos no maior playground do mundo, tocando as nuvens de pó de arroz como se fossem algodão doce. Nós fomos abraçados, beijados e jogados para o alto em tardes de glória, de gols inesquecíveis e de um time que não jogava futebol, mas apresentava espetáculos de futebol. Na hora do recreio na escola, éramos respeitados por todos os outros alunos – afinal, éramos os torcedores da Máquina. Nós éramos Vencer ou Vencer.

Crescemos, vivemos e, apaixonados por futebol, iniciamos uma procissão pelo Fluminense que nunca mais terminou – um de nós ficou tão louco pelo Flu que escreveu 20 livros sobre o clube. Nestes quase 50 anos, vimos e vivemos de tudo, de grandes títulos a fracassos monumentais devidamente superados. Rimos, choramos, vivemos. Cada vez que passamos um momento difícil, seguimos o ditado de Nelson Rodrigues e procuramos no passado tricolor o caminho do futuro. Invariavelmente caímos em duas fotos. Uma delas tem Félix, Toninho, Marco Antônio, Zé Mário, Mário Sérgio, Manfrini, Assis, Silveira, Cafuringa. A outra tem Carlos Alberto Torres, Edinho, Rodrigues Neto, Pintinho, Cleber, Doval, Dirceu, Gil, Rubens Galaxe, Miguel. Nas duas tem Rivellino e Paulo Cezar. E não falamos ainda de Didi, de Parreira, de Travaglini, de Paulo Emílio. São muitos nomes gigantes, símbolos da apoteose tricolor no século XX, bússolas que nos apontam o norte.

Doutor Horta, muito obrigado por tudo. A Máquina não foi apenas uma exposição nos gramados: ela foi teatro, cinema, música, drama, paixão. Ela foi arte. Se fosse jazz, seria Miles Davis, Charles Mingus, Bill Evans, Thelonious Monk, Chet Baker, Art Blakey e Dizzy Gillespie, todos juntos num grande espetáculo que, tal como os sonhos das crianças de 1975 e 1976, está proibido de ser esquecido.

A nossa procissão é infinita: nós somos os filhos da Máquina. E o senhor é o mais emblemático presidente da história do nosso Fluminense.

Um grande abraço, feliz aniversário, Saudações Tricolores.

2 Comments

  1. A genialidade do querido camarada Paulo Roberto Andel, manifesta o amor ao nosso Fluminense e reforça nossas esperanças. Braços, querido companheiro. Braços!!!! Saudações Tricolores.

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