Num país em que, a cada 15 anos, as pessoas se esquecem do que aconteceu nos últimos 15 anos – bela sacada do alvinegro Ivan Lessa -, o aniversário de 120 anos do Fluminense é um marco não somente para o futebol, mas também para a vida brasileira.
Mesmo não sendo o clube de futebol mais antigo do país, o Tricolor assumiu o papel de bandeirante e vanguarda do esporte bretão no Rio do recém-nascido século XX. O Flu inventou o campeonato carioca, o ground, a torcida, o chefe de torcida e, anos mais tarde, a multidão nas partidas com seu rival – e inevitável parceiro – Flamengo. Depois, inventou o ídolo – o elegante goalkeeper Marcos Carneiro de Mendonça -, a Seleção Brasileira, a rivalidade com Uruguai e Argentina e, por fim, o estádio moderno de futebol nas Laranjeiras 1919. Tudo isso em menos de vinte anos de vida. E justamente no fim deste período, o Fluminense deu um passo decisivo para a música brasileira e na luta contra o racismo: recebeu shows de Pixinguinha e seus Oito Batutas em pleno Salão Nobre do clube. A seguir, o Flu garantiu a primeira medalha de ouro do Brasil nas Olimpíadas, com o atirador Guilherme Paraense, ao mesmo tempo em que promovia festas apoteóticas no salão das Laranjeiras – posteriormente Bibi Ferreira não sairia de lá, assim como Oscar Niemeyer (que jogou pelo clube).
Depois de ganhar a Taça Olímpica em 1949, comprovando sua excelência esportiva mundial, o Tricolor teve participação decisiva na memória do futebol brasileiro: dois anos depois da derrota no Mundial de 1950, o Flu ganhou o Mundial de Clubes de 1952 no Maracanã, elevando a auto estima carioca e ajudando a recolonizar as arquibancadas do velho Maracanã. Seu símbolo de elegância em campo era Didi, que viria a ser o comandante da Seleção no Mundial de 1958. Quase trinta anos antes, em 1930, o primeiro gol do Brasil em Copas do Mundo foi marcado pelo tricolor Preguinho. São muitas histórias.
Desde então, o Fluminense escreveu algumas das páginas mais belas do futebol brasileiro, conquistando grandes títulos em Fla-Flus abarrotados – como em 1969, 1983 e 1995 -, colorindo o então maior estádio do mundo com sua irresistível nuvem de pó de arroz, mais dezenas de bandeiras tricolores. Arrebatou corações com a Máquina. Viveu tristezas também, pois a história também é feita de cicatrizes para qualquer time de futebol, mas sempre que sofreu, soube dar a volta por cima como nenhum outro. Ah, e novamente mostrou apreço carioca ao ceifar parte de sua arquibancada em Laranjeiras, facilitando a duplicação da rua Pinheiro Machado. Entre idas e vindas, o Fluminense teve a condução de verdadeiras locomotivas fora das quatro linhas, tais como Arnaldo Guinle, Marcos Carneiro de Mendonça, Francisco Laport, Francisco Horta, Manoel Schwartz, David Fischel e Celso Barros. No campo, ah… listas e listas e listas que vão de Romeu a Fred, de Welfare a Doval, de Didi a Deley – e tome Castilho, Píndaro, Pinheiro, Edinho, Pintinho, Rivellino, Denílson, Flávio, Samarone, Lula, Assis, Romerito, Renato Gaúcho… São muitos e muitos nomes.
Nestes 120 anos, o Tricolor encantou meio mundo, especialmente o Estado-Maior da arte e intelectualidade brasileiras. O maior dramaturgo brasileiro de todos os tempos, Nelson Rodrigues, é tricolor, ao lado de nomes como o do escritor Sérgio Sant’anna; dos atores Ítalo Rossi, Sérgio Britto e Fernanda Montenegro; de artistas como Tom Jobim Chico Buarque, Gilberto Gil, Ivan Lins, Maria Bethânia, João Donato e Jô Soares; de feras do rádio como José Carlos Araújo e o tricampeão mundial Gerson, mais uma lista telefônica inteira de personalidades.
Uma coisa é certa: para um clube com a vocação da eternidade, os 120 anos de glórias do Fluminense são apenas o começo. Salve o Tricolor!