SEJA LUZ PARA O LUIZ. COLABORE.
Em 1995, na final do gol de barriga, eu tinha apenas doze anos. Foi o primeiro título marcante que comemorei como tricolor. Na época, o Fluminense já vinha em um processo de degradação institucional que iniciou no final da década de 1980 e teve seu ápice no final da década de 1990. Tínhamos um time simples, uma mescla de desconhecidos com veteranos de qualidade em final de carreira. Nossa equipe estava muito aquém de nossa grandeza. Era o ano do centenário do Flamengo e para evitar o tetra do Vasco, que vinha de três conquistas consecutivas (1992, 93 e 94), investiu pesado para montar um time forte, visando vencer o Estadual e o Brasileirão. Para tanto, pagou milhões ao Barcelona e trouxe Romário, na época o melhor jogador do mundo. Ainda tinham no elenco o driblador Sávio e o lateral esquerdo Branco, outro campeão mundial com a Seleção em 1994. O técnico era Luxemburgo, que chegava com o status de melhor treinador do país após dois títulos brasileiros consecutivos com o Palmeiras.
O Fluminense, por sua vez, atravessava sérios problemas financeiros, como o atraso reiterado de salários e a dificuldade de contratar bons jogadores. Ainda tinha o peso de não conquistar um título desde 1985. O Tricolor iniciou aquele Carioca como a quarta força, tendo como seu principal jogador um Renato Gaúcho em final de carreira, na época com 32 anos e falando em aposentadoria. Parecia que nada poderia estragar a festa do centenário do rival. Enquanto o Flu lutava para pagar os salários de um time simples, Romário desfilava em carro aberto pela cidade, ostentando poder e favoritismo. Na escola, a semana antes do jogo foi agitada. Lembro dos colegas flamenguistas repetindo o que a imprensa da época dizia, que o Flu tinha um time de operários e o Fla um time de craques. Eles precisavam apenas do empate, mas perderam. O time era de operários, mas a camisa era de um gigante. Naquele dia eu senti pela primeira vez o poder das três cores que traduzem a tradição.
Neste ano, mais uma vez, o rival entrou na disputa final como favorito. Para a maioria era extremamente favorito, assim como em 1995, tanto pelo seu elenco quanto pelo futebol pobre que o Flu vinha apresentando, sobretudo diante do Olimpia e do Botafogo. Mas, dessa vez, o nosso time não era de operários. Muito menos podemos erguer esse título sob a égide da superação. O Fluminense foi campeão de forma dominante, controlando o jogo com posse e técnica. O Tricolor tem uma mescla interessante de jovens acima da média e veteranos acostumados a vencer, sendo que estes ainda atuam em bom nível por se cuidarem ao longo da carreira. O problema do Flu era a teimosia de Abel Braga com relação a escalação do meio campo tricolor. Mudar da postura covarde para a impositiva exigia a entrada de qualidade no meio de campo, principalmente no corredor central. Abaixo, um flagrante do 3-4-1-2 em ação, com Ganso de maestro.
Enquanto todos aguardavam um futebol acuado, o Flu surpreendeu praticando um jogo apoiado, associativo, criativo e dominante. Diante de um rival espaçado e sem três homens na fase defensiva, o time de Abel engoliu o meio de campo com a trinca central circulando diante da posse, ou seja, André, Yago e Ganso foram absolutos. As atuações foram excepcionais pelo fato dos três estarem atuando nas funções que conseguem exercer suas melhores qualidades. Abel insistiu muito em improvisar André de segundo volante e Yago como meia criador. Também errou ao demorar para colocar Ganso no time, visto que ele vem pedindo passagem desde o início da temporada. Por fim, resolveu a última questão que era Árias de titular no lugar de Bigode. Com os problemas solucionados e os jogadores bem posicionados, o esquema com três zagueiros funcionou. O problema não estava no desenho tático, mas sim na postura encolhida, nas improvisações e nos nomes escolhidos.
Paulo Henrique Ganso foi um capítulo à parte nesta finalíssima e a ele dedicarei esse parágrafo. O camisa 10 foi a referência técnica e o ponto de referência. Caiu pelos dois lados e circulou por todo o campo, sempre acompanhado de André, Yago, um dos alas e um dos atacantes. O Tricolor jogou mais pela esquerda em virtude da intensidade que Árias imprimia pela canhota. Sua postura mais aguda atraiu a voluntariedade e o talento da trinca de meio, sobretudo de Ganso, o maestro do time. O craque desfilou técnica e categoria durante todos os minutos em que esteve em campo. No lance do gol, ele domina com classe, toca e se apresenta. Depois, faz a mágica do camisa 10 ao rabiscar o gramado com um passe genial. O Fluminense jogou agrupado em torno do seu talento. Ele foi a elegância sutil e a qualidade refinada de um meio campo que jogou pela posse e em torno dela. Abaixo, um flagrante tático do jogo apoiado do Flu que espaçou ainda mais a marcação do adversário.
Por isso a torcida implorava tanto para que Abel escalasse talento pelo meio. Também clamava por André de primeiro volante e por Arias entre os titulares. O time precisava de passagem pelo corredor central e de técnica para poder mudar sua postura. Temos no elenco qualidade para isso, principalmente no meio de campo. Se quer jogar com três zagueiros, o 3-4-1-2 se mostrou uma opção eficaz, principalmente por ter um meia de qualidade livre para circular e dois atacantes em diagonais constantes. Surpreendeu a postura do Flu, além de sinalizar novos caminhos. Mesmo na sequência de vitórias, o time não teve bom desempenho por causa do meio mal escalado e em função das linhas muito recuadas. A torcida só ficava feliz ao ver a equipe reserva no Cariocão, afinal ela tinha um meio campo talentoso e voluntário orquestrado por Paulo Henrique Ganso. Sobre o rival, em 1995 carimbamos o centenário com requintes de crueldade. Em 2022, impedimos o tetra inédito colocando o pessoal na roda. Como eu disse no início desse texto: essa camisa é gigante! Que Abel prossiga no caminho do bom futebol. Salve o Tricolor!
Vamos aguardar agr pra fazer um brasileirão bacana.