Às vésperas de um grande Fluminense (por Paulo-Roberto Andel)

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NAQUELE TEMPO eu era bem pobre, o que não mudou muito, mas tinha o futuro pela frente e era um garoto com momentos felizes: acampava, ia à praia, ao Maracanã.

Acordei cedo no domingo e fiquei na expectativa. Meu pai não deu sinais de ir ao jogo. Para economizar o dinheiro do lanche, resolvi sair com meu uniforme escoteiro – que me garantia a gratuidade no Maracanã -, com um agasalho fino verde que meu pai me deu de presente, e que eu gostava muito.

Estava nublado, chovia, era perto de uma da tarde. O jogo era às cinco. Fui criado chegando cedo aos jogos. Fazia parte da liturgia do futebol espiar o Maracanã, os arredores, as pessoas chegando aos poucos até se completar a grande multidão com seus urros de “Uhhhhhhhhh”, naquele cenário inesquecível do futebol.

O Flu tinha acabado de montar um time novo, com ótimos jogadores jovens misturados a outros que já eram da casa. Uma vitória atrás da outra, deu liga. O Bota pela primeira vez em muitos anos brigava pelo título da Taça Guanabara. Ingredientes de um jogão. Para culminar, passaram a semana inteira falando de Marco Antônio, campeão mundial de 1970, cria das Laranjeiras e protagonista da eterna discussão de 1971, então jogando no Botafogo.

Peguei o 435 na Figueiredo Magalhães e, com o trânsito livre, rapidamente me emocionei ao passar pela sede do clube na Pinheiro Machado. É algo que sinto até hoje, tantos anos depois. Volto à infância.

Já no Catumbi, houve um assalto ao ônibus. Na verdade roubaram apenas o primeiro passageiro, sentado no banco solitário ao lado do motorista. O ladrão desceu correndo as pistas e fugiu. Acho que roubou um cordão. Afora o prejuízo, não houve maior violência e seguimos frente. A vítima saltou na Praça da Bandeira.

Ao mesmo tempo em que estava ansioso pelo jogo, achava estranho estar sozinho. Eu já tinha ido algumas vezes assim, mas sequer desconfiaria que a solidão em meio à multidão seria uma marca da minha vida de torcedor, às vezes quebrada pela presença de alguns amigos. Nem vi Eliane nas cadeiras azuis, tão linda, sempre ia com sua mãe.

O certo é que o Maracanã encheu e ficou lindo. Foi o primeiro e único Fluminense e Botafogo que vi com mais de 100 mil pessoas. É o jogo que inventou o futebol brasileiro. E quando a bola rolou, senti que o Fluminense tinha condições de ir mais longe: era um time muito bom. Imagine: três meses antes, a gente passava humilhação no Campeonato Brasileiro e ali começava a desenhar nossa apoteose.

O Fluminense poderia ter vencido no primeiro tempo mas parecia um pouco nervoso – é preciso entender que, em 1983, o Carioca era o campeonato mais importante do país, com grandes jogos e recorde de público. Terminou o primeiro tempo em 0 a 0. No começo do segundo, o Flu fez um golão com Washington e a nossa torcida explodiu – estávamos com a Taça Guanabara nas mãos, a presença na final do campeonato assegurada e tudo depois de… dois anos e nove meses sem títulos. Podíamos ter feito mais, demos mole e o Botafogo cresceu. A dez minutos do fim, Nunes acertou uma bomba no travessão, a bola caiu em cima da linha e quem a tocou de cabeça para dentro? Marco Antônio, senhor. Os botafoguenses enlouqueceram com o gol enquanto nos falamos, mas ainda tínhamos a faca e o queijo na mão para a Guanabara. Acabou empatado e a decisão ficou para a última rodada. O Maracanã foi uma grande festa e teatro de glória naquele dia. Saímos tristes porque poderíamos ter ganho a taça naquele dia, mas tínhamos certeza de que estávamos às vésperas de um grande Fluminense, que duraria muitos anos e traria muita felicidade. O tempo foi senhor da razão. O time todo teve boas atuações, mas lembro que Leomir jogou demais. Quem marcava o ataque tricolor era o Abel.

Voltei para casa de 434. Meu pai estava feliz em casa, minha mãe me deu um pedaço de torta de morango depois de um sanduíche de presunto. Depois vi os gols do Fantástico, a mesa redonda da TVE e a reprise do jogo. Era o fechamento de um domingo feliz, de uma tarde colossal no Maracanã.

Minha tristeza é saber que aquilo tudo ficou para trás de alguma forma. O Fluminense pode se classificar hoje e ser campeão carioca, é o que quero, mas tudo é bem diferente de quase quarenta anos atrás. Onde está o jogo decisivo com cem mil torcedores? Onde está o Tricolor com o início de um dos seus grandes e duradouros times? Onde está o garoto com o coração batendo forte louco para ir ver o grande clássico? O sentimento de emoção na Pinheiro Machado ainda resiste, mas fica difícil aguentar Cris Moldávia, Caio Paulista e companhia para quem viu Paulo Victor, Aldo, Duílio, Ricardo e Branco; Jandir, Deley e Assis; Leomir, Washington e Tato. Fica difícil aguentar tanta ladainha e mentira com o futebolês de “gestão”, “trabalho” e outras conversas fiadas.

Lá fora parece nublado. Trinta e nove anos passam com enorme velocidade. Vivo alguns dos meus dias mais tristes, mas sigo torcendo até não aguentar mais. O problema é que não vai ter nenhum 435 me esperando, nem torta de morango, nem pai, nem mãe nem ninguém, mas tomara que o Fluminense conquiste esse título que, um dia, já foi favas contadas para nós. Os garotos de 2022 merecem isso.

Pelo menos, feito aquele setembro de 1983, somos favoritos antes da bola rolar.