Depois de longo inverno quente, vi confortavelmente o primeiro tempo do jogo contra a Chapecoense. Foi até razoável, principalmente porque os gols saíram cedo, mas já se via um problema que atinge não somente o campo, mas parte da arquibancada pré-pandemia, os bastidores, a direção, a gestão e o clube em si.
O apequenamento.
Só ele explica que o Fluminense recue e se encolha diante de um adversário que não venceu ninguém em 19 jogos, e que é candidatíssimo ao posto de time rebaixado com maior antecedência na história dos pontos corridos.
No segundo tempo, o que todo mundo sabe: o Fluminense foi se desmilinguindo, se decompondo e passou quase meia hora de sufoco diante da Chapecoense, repetindo o mesmo modelo dos últimos seis meses.
É certo que, ainda iniciante, Marcão tem mais capacidade do que Roger. Foi ele quem ajeitou a casa no terço final do Brasileiro do ano passado. Porém, já tem uma longa passagem pelo clube e é funcionário desde o início da gestão atual. Não dá para dizer que desconhece os problemas, pelo contrário: sempre os viu de muito perto. É claro que recuperar a terra arrasada do ex-treinador não se faz da noite para o dia, mas espera-se que aja com a velocidade muito maior do que um treinador vindo de fora.
Alguns erros do Fluminense são muito visíveis, outros exigem uma visão apurada. Todos passam de alguma forma pela montagem do elenco e pela insistência permanente em agradar interesses que não são os da torcida. Em nome do coletivo, nenhuma questão individual pode ser maior, seja o caso de um jogador comum qualquer ou até mesmo um ídolo, o caso de Fred por exemplo.
Outra questão que me incomoda e que merece a reflexão de todos os torcedores, incluindo meus amigos cronistas desta casa e de outras, isso para os que merecem respeito – não falo de vagabundos vendidos e/ou oportunistas em busca da velha boquinha: o tradicional erro de inferência que muitas vezes se comete em nome de uma natural torcida apaixonada pelo Fluminense.
O assunto é longo mas faço um resumo: o erro de inferência está em se tirar conclusões gerais com base numa amostra sem consistência estatística (tamanho, justeza, equilíbrio) – taí para o pessoal que adora a leitura fria dos chamados sites especializados. Com isso, dependendo do quesito a ser analisado, um pereba vira líder de alguma coisa no Brasileiro, outro na Libertadores e, juntando isso ao sarapatel pastoso de peças-teste-intensidade-beiradas etc, caímos no mais do mesmo. Na quarta tem uma evolução, no domingo tem uma involução. Ou então quando se faz um recorte conveniente de jogos para se criar um sofisma positivo.
Um exemplo: a amostra aleatória dos três jogos mais recentes, o empate com o Atlético Mineiro, mais as vitórias sobre Bahia e Chapecoense. Ok, o Galo é líder do Brasileiro e candidato ao título, mas o Bahia é 16° colocado e a Chapecoense todos sabem. A obtenção de sete pontos nestes três jogos foi celebrada por muitos como uma grande recuperação ou mesmo evolução. Ela acontecerá se for sucedida por uma sequência de porte, cinco, sete, nove jogos de sucesso. Sem isso, não passará de um pequeno recorte, onde o desejo pessoal de ver o Fluminense bem acaba distorcendo os fatos.
Se os pontos vieram, e isso é bom, e é motivo de algum contentamento, por outro lado a simples atuação no segundo tempo diante da Chapecoense deveria ser motivo de preocupação máxima. É melhor fazer os pontos do que não fazê-los, lógico. Contudo, se o senso crítico não estiver junto da torcida pessoal, todos seremos condescendentes com a mediocridade do Fluminense, esta sim amparada por uma mostra de consistência estatística, balizada por nove anos sem conquistas relevantes. E parece claro que o Fluminense da mediocridade não é o que habita nos corações tricolores.
Hoje, a distância que o Fluminense tem do G4, sete pontos, é a mesma que tem da zona de rebaixamento. Uma tradição do Brasileiro: os times embolados, muito mais próximos em pontos do que a classificação na tabela sugere.
Por fim, depois do alívio efêmero com a vitória de terça-feira, volto a lembrar de um personagem decisivo na Arena Condá, geralmente só lembrado pelas poucas falhas mas esquecido nos muitos acertos: o goleiro Marcos Felipe. Mais uma vez com grandes defesas, Marcos impediu pelo menos um gol da Chape já no primeiro tempo, o que complicaria ainda mais o que já foi difícil no segundo.
Marcos está longe da perfeição, assim como este cronista e qualquer ser humano, mas para mim é um dos melhores goleiros revelados pela base tricolor nas últimas décadas. Será que ninguém se pergunta porque, desde Paulo Victor, o clube que foi referência de goleiros no futebol brasileiro não consegue ter um goleiro estável por anos, sem contestações? Num clube que costuma rifar suas promessas da base em dez ou vinte jogos, se bem trabalhado, Marcos tem potencial para fazer temporadas de valor pelo Fluminense. Basta fazer uma amostra desde o início de sua titularidade e comprovar que os acertos são muito mais numerosos do que os erros.
No próximo domingo, o Fluminense tem um desafio para sabemos se dará mais um passo rumo à evolução real, consistente, de série histórica aceitável, ou se estamos agora a valorizar migalhas ocasionais, como infelizmente tem sido nos últimos anos, a ponto de comemorar quinto lugar e eliminação em quartas de final como se fossem títulos, com todo o ridículo contido nestas sentenças.
Eu já ficaria feliz em não passar agonia no segundo tempo.
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Em tempo: não sou eu quem disse que o Fluminense teve ou tem sua temporada fracassada. Isso ficou por conta de parte da torcida e por sua direção, desprezando tudo em nome de uma Libertadores que, convenhamos, nunca estivemos perto de conquistar de verdade. Inegavelmente fracassamos por essa ótica.
Na Copa do Brasil estão rolando os dados. É difícil, ninguém pode se enganar. Temos chance, favoritismo é outra coisa.
No Brasileirão, há indícios de que o grande sonho é a tal vaga na Libertadores.
Mesmo que venha, não é o verdadeiro perfil do Fluminense. Quem nasceu com a vocação do protagonista não pode se conformar em ser coadjuvante, usando questiúnculas para justificar a possível maior era de seca profissional no Tricolor. Todos queremos uma vaga na Libertadores, mas como campeões brasileiros e/ou da Copa do Brasil.
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E foi, disparado, o melhor em campo.
Marcos Felipe tem um saldo pra lá de positivo. Basta lembrar que antes dele tivemos que aturar Rodolfo, Agenor, Julio Cesar, Felipe Garcia, Muriel ( lembre_se do frango vergonhoso contra o Atl. GO, que nos eliminou na CB). Acho uma sandice maximizar suas falhas e esquecer das defesas. Contra a chape, ele garantiu a Vitória.