Faz muito tempo, uns vinte anos talvez, eu estava com Nelsinho no Nova Capela quando Aldir Blanc chegou com uma turma e depois todos se acabaram no goró. Nós, não, porque já tínhamos nos acabado. De toda forma, o meu amigo se levantou para dar um justo abraço no poeta. De longe, fiquei vendo aquilo pensando em como meu pai gostaria de estar ali para também abraçá-lo, mas a cadeira de rodas – sem paraplegia – não lhe permitiria.
Poderia também abraçar o poeta, mas não o fiz pelo mais absoluto respeito. Quando você quer ser grande, precisa ter a noção de quem é gigante do seu lado. Então acenei de longe, como o fã faz com o poeta, ainda sonhando que um dia seria um autor publicado, mas sem a pretensão de escrever alguns dos melhores trechos e versos da música brasileira, sozinho ou acompanhado, atuais de chorar.
[O Brazil não merece o Brasil.
O único jeito de competir com o poeta num imaginário seria jogando um Fluminense versus Vasco, do jeito que a gente disputava nos tempos de outrora. Ali pelo ano 2000 eles tinham um timaço, mas a gente também aprontava. Quem se lembra daquele cruzamento maravilhoso que Roger deu com nojo para Agnaldo marcar de cabeça em São Januário? Aquela vitória valeu a alma. Gonzalez me disse que aquele foi um dos jogos mais tensos de todos os tempos, dentro e fora de casa. Quinze anos depois, botei num livro, já se passaram outros cinco – é rápido, mas faz muito tempo.
Meu Fluminense e Vasco da cabeça agora. Podia ser no Capela mesmo. Nada de televisão. Radinho de pilha, devidamente alimentado com Ray-O-Vac. Dois pra lá, dois pra cá. Eu fico com Pinheiro e Romerito, ele vem com Ademir Menezes e Geovani. Tome Edinho e Félix, encare Andrada e Roberto Dinamite. Pintinho e Paulo Cezar Caju, são dois pra lá, dois pra cá. Seu Armando e Sergio Aiub do meu lado, Dulce Rosalina e Amâncio Cezar lá em frente – Amâncio foi um dos melhores professores que tive na vida: Serra Costa, fundador do curso de Estatística na UERJ e também meu mestre, dizia que só a ele se reportava quando tinha dúvidas sobre o Cálculo. Um craque.
Dois chopes, bolinhos de bacalhau e peço logo outro aperitivo para equilibrar a mesa, está vascaína demais. No Capela tudo é bom. Ainda bem que sobreviveram. Está caro mas um dia eu volto pra lá.
[Mas faz muito tempo.
[Minha cabeça rolando no Maracanã. Dá-lhe, Chico! Agora o jogo empata.
A peleja no radinho prossegue. Ele dá um sorriso numa tabela de Mauricinho e Tesourinha, infernais. Para meu alívio, Altair e Branco chegam rasgando. Dois pra lá, dois pra cá. Ele grita por Jardel, eu festejo com Doval. Posso virar o jogo se apelar para os dois gols do Washington, aquele em que driblou todo mundo, mais o outro em que deu o toquinho por cobertura. Pronto, taí o que você queria.
Não sei porque nunca fizeram nos jornais a comparação entre a enorme semelhança entre Aldir Blanc e Mick Fleetwood, resguardando aqui o fato de serem dois craques, mas Blanc é um dos maiores da Língua Portuguesa em todos os tempos. Sempre achei isso divertido.
Perto do fim do jogo, Tim dá uma arrancada e estica a bola na ponta esquerda. Tato vem com tudo mas Paulinho é uma Williams no auge. Arranca e fuzila. Roberto Costa voa mas não defende, Acácio também tenta, Andrada também, Barbosa também. Nenhum craque impede o sonho. São dois pra lá, três pra cá. Ainda bem que já faz muito tempo, porque hoje em dia seria brabo.
Quando Aldir tenta reverter o placar, entra o Xuru no Capela. O russinho começa a rir, dá um abraço no poeta, os dois pedem mais chope. Eles apelam com Dener, eu imploro pelo Super Ézio. Félix vai garantir tudo.
Mas o tempo é implacável e Nelsinho, que é Flamengo, me dá um cutucão no ombro. Então acordo, sinto um cheiro de segunda-feira triste e aí o Silvio me avisa de que, desta vez, foi a manhã que caiu feito um viaduto.
[Desta vez as manchetes do clássico penduradas na lateral da banca de jornal são tristes.
[Ainda vai fazer muito tempo.
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