A crônica do jogo (por Paulo-Roberto Andel)


Gris de domingo

E o Rio teve um domingo de prata fosca nos céus. Frio, alguma pouca chuva, pessoas recolhidas, o horizonte em gris que muitos cariocas estranham, tendo como resultado um clássico de público modesto no Engenhão. E a modéstia também se fez presente no brilho das jogadas, numa partida em que os times se alternaram em ligeira supremacia um contra o outro, cujo empate final em 1 x 1 acabou sendo justo. Dessa feita, o Botafogo se aproximou dos líderes, o Fluminense ficou com o terceiro lugar e ainda manteve sua invencibilidade no certame.

No começo do jogo, podíamos ter aberto o marcador, no cruzamento da esquerda que Lucas Zen cabeceou contra o próprio travessão – na verdade, Fred, talvez não, tudo num milésimo de segundo. E tivemos uma ou outra oportunidade, num ataque mais lento do que de costume devido à ausência de Wellington Nem. Fomos ligeiramente superiores, mais presentes à frente, mas isso não quer dizer que não poderíamos ter sofrido o gol, muito pelo contrário: Berna foi espetacular depois de espalmar a perigosa bola no canto direito chutada por Andrezinho, depois de uma das mais inacreditáveis “furadas” que já vi numa partida de futebol – obra de Anderson. O zagueiro não esteve numa boa tarde: falhou em várias oportunidades e o gol do Botafogo, que aconteceria no segundo tempo, seria literalmente em suas costas. Leo Prazeres me lembrou durante a partida uma boa observação sobre Bruno: “É bom jogador e sabe driblar, mas precisa aprender a cruzar”. Sábio Leo. Ainda sinto a falta da marcação vigorosa de Valencia, mesmo com Edinho muito aplicado. Deco sempre faz falta a qualquer time, é o melhor meia do futebol brasileiro de hoje. Ainda no primeiro tempo, Fred poderia ter feito o gol de abertura do placar, mas não conseguiu.

Quero falar de Berna. Vi muitas brincadeiras em torno de seu nome antes do jogo. Claro, Cavalieri é uma referência devido à fase que atravessa, também dos melhores do Brasil, isso depois de um início tíbio nas Laranjeiras, merecendo hoje a titularidade. Berna, entretanto, merece mais do que todo respeito. É o jogador mais antigo do elenco. Foi ele quem fechou o gol na decisiva partida contra o Inter em 2010, no Beira-Rio, calando a massa colorada e encaminhando o Fluminense para o título tão sonhado. Mais ainda: foi decisivo na campanha contra o rebaixamento em 2006, espantado a três rodadas do fim da competição. Nunca reclamou, nunca abriu polêmicas, já cumpriu grandes jornadas, é um profissional exemplar. Mostrou ontem que está sempre a serviço do Fluminense.

Volto ao jogo em seu primeiro tempo. Equilíbrio, certa prevalência nossa, mas sem conclusões impactantes. Fizemos nosso jogo com atenção na marcação – sem a volúpia neste aspecto vista no segundo tempo do Fla-Flu e organizando as jogadas à frente. Em vários momentos, Wagner apareceu bem e o que se espera dele é uma evolução cada vez maior. Carlinhos tentou jogadas de ataque. Foram boas as respostas em se tratando de um clássico, descemos para o vestiário com boas expectativas para a etapa final.

Seneme apitou o início do segundo tempo e logo o Fluminense marcou seu gol, num escanteio cobrado por Neves da esquerda e que Fred nem se esforçou muito para cabecear com precisão no canto esquerdo de Jefferson: mal saiu do chão, nem subiu, golpeou certeiro e fez 1 x 0. Na tarde de gris, se o Fluminense já não vinha num ritmo de muita velocidade, aí veio a velha tese de defesa do resultado: recolheu-se à espera de contragolpes, o que sairia caro mais tarde. Revigorado pela entrada de Fellype Gabriel no meio-campo, o Botafogo passou a ocupar espaços e então empatou, depois do cruzamento de Márcio Azevedo e da cabeçada de Andrezinho, com a bola passando por cima de Anderson, batendo Berna – este, indo na bola mas sem conseguir impedir o empate.

Tomado o gol, velhos hábitos: Abel mandou chamar Wellington Nem, o time abandonou a postura exclusivamente defensiva e ainda podia ter marcado ao menos duas vezes, tanto com Neves quanto com Fred. Mas antes disso o Botafogo esteve aos pés do empate, com mais uma grande defesa de Berna contra Gabriel. No fim da partida, últimos grãos da ampulheta, Rafael Moura veio a campo como super-herói de plantão, mas a bola sequer chegou. Nenhuma lamentação: se o Fluminense não teve a pegada do Fla-Flu, enfrentou um dos times que vai brigar pela Libertadores deste ano, era um clássico – o segundo seguido –, o empate não foi mau. Em permanente obra-em-progresso, o Fluminense recebe o Bahia em casa e, conquistando três pontos, consolida a briga pela dianteira da tabela. É o que todos esperamos, todos torcemos. O campeonato é longo, quase quarenta jogos, nem sempre se verá grandes jogadas e espetáculo. Vale pontuar e guardar posições, preparar mais à frente o bote que leve à liderança. Estamos na briga e isso é bom.

 

Paulo-Roberto Andel
@pauloandel
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Crédito das imagens: Dhavid Normando/ Photocamera