Chiquinho me contou por telefone de seus planos neste sábado. Primeiro, ver o jogo do Flu em casa. Desta vez, nada de emoções diferentes em Edson Passos, nem travessuras no trem lotado. Como Esmeralda viajou nesta sexta para um torneio de hóquei no gelo em Cabo Frio, acompanhada por seu personal trainer, o Macunaíma boiola ficou com o apê livre e, claro, chamou os coleguinhas para acompanharem Flu x Sport. Depois da partida, devem fazer uma festa do bafão bafudo.
A novidade estava estava na concentração. Sim, há horas apresentaram-se no Solar de Zanzibar – também conhecido como “A casa rosada” – os amigos Lalá, Lelé, Mimi, Charles de Lausanne, Peter Grau e Mister Filhão – este, cada vez mais escandaloso e chiliquento, a ponto de ter rodado a baiana num grupo da rede antissocial Foicebook: bateu pezinho querendo que só as Filhettes pudessem postar por lá, sendo vetado porque Chiquinho quer acima de tudo uma noite privada e respeitosa. Quase um fronteiriço. A ideia é que todos fiquem lá concentrados, dormindo, depois tomando um café reforçado e entrando no ritmo da partida. Se tiver mamão, pica pra dois.
Com as monas reunidas e animadérrimas na sala, Zanzi mandou servir canapés enquanto escolhia os LPs para a trilha sonora. Cochicho ao pé do ouvido, risos moleques e muita picardia. Gente bem transada, alegre e que quer gozar a vida. Na discoteca, Pet Shop Boys, The Communards, George Michael, Gloria Gaynor e Culture Clube eram presenças certas. No sofá, Charly comentava sobre coisas do Fluminense e os outros escutavam atentamente, até que começaram a cochichar sobre peculiaridades de dirigentes do clube, especialmente os que dão pinta nas redes sociais. Um tal de vice-presidente pra lá, outro pra cá, VP, VP, VP. A tia velha dá uma paradinha, joga o decadente cabelo acaju para o lado, faz pose de gatinha e dispara:
– Que mané VP o que, moçoilas! Vocês tão de sacanagem? VP aqui é Village People, entenderam? VILLAGE PE-O-PLE! Abafa, Filhão!
Pega um LP de seus heróis gays da disco music, põe o disco para tocar e começa a se contorcer todo, como se estivesse em transe musical. Inicialmente tímidos, os bardos começam a levantar, fazem o sofá de armário, saem dele e transformam a sala do solar de Copacabana – futuro campo de pernoite dos garotões – numa pista de dança. Com olhares lânguidos, Lalá e Lelé gritam para Charles e Peter, no ritmo do hit “In the Navy”: “They want you!”. A dupla cobiçada sorri sem graça. Arredio, Filhão só observa. Anda colérico, ríspido, mais primitivo do que de costume: não consegue sequer se liberar em um ambiente que condiz com sua orientação homoafetiva.
– THEY WANT YOU IN THE NAVY!
Depois de horas de drinques e muita disco music ao melhor padrão VP, com cantorias desafinadas e desmunhecantes, alguém acende um relaxante baseado. Homens entendidos brincando de viver numa sala de casa respeitável de um nobre conselheiro tricolor. Aos poucos, sentaram-se no chão como se estivessem em uma comunidade rípi. Um falava do sonho de ver o Ceifador em trajes íntimos, outro com saudades dos cabelos dourados de Diguinho, outros riem e ali eles se sentem livres para viver a apoteose de suas sexualidades. Apenas um destoa da alegria, mas não da obsessão erótica gay, quase recitando uma poesia livre em voz alta com tons de mágoa e desejo:
– Maldito careca suculento, psicopata que mexe com meu ventre, te quero ardente roçando nos meus lábios, afagando minhas doces nadegas. Seja meu rei, meu príncipe, me faça tua fêmea predileta. Meu ódio na verdade é o amor secreto e danadinho que nutro por ti. Foda-se o plano real: eu quero a fantasia do tesão. CARECA DO INFERNO!
E começa a dançar sozinho, rodopiando em gestos rispidos, como se fosse um bailarino trash metal, inconformado com um amor não correspondido. Até Chiquinho, normalmente agressivo e destemperado, cochichou no ouvido esquerdo de Peter Grau: “A mona tá louca. Essa tara pela Galícia bota a Ibéria dele pra ferver. UHUUUUUUUUU!”
Segue o som: “BODY, CAN YOU FEEL MY BODY BABY?”
Entre tapas e beijos, alguns sorrisos, promessas de prazer, drinques, baseados e trocas de olhares. Chiquinho, egoísta que só ele, vai sozinho para o lavabo, saca a gilete, reparte um carreirão de fubá mimoso e dá um cheiradão como se fosse um tamanduá da coca. Quando volta, Lalá e Lelé, desinibidos, dancam apenas de cuecas e se alisam carinhosamente. Tem pau para toda obra. Mais tarde, esquentados pelo álcool e pela libido, todos também ficam apenas de roupas íntimas, exceto o próprio Chiquinho e também Peter Grau.
Perto das dez da noite, depois de horas de baile homo, Chiquinho apaga a luz, liga o abajur, troca o som e o Village People sai de cena para a doçura sofrida de Billie Holiday. Não há mais dança. Estão todos sentados, rindo, conversando à música ambiente. Lelé e Lili já ficam, trocando beijos suaves, prometendo juras de amor e de manutenção do poder supremo das Laranjeiras – seja lá que porra seja essa. A sala do sacripanta cafona é uma versão arejada da sauna de Pecadópolis.
Mimi admira Charles. Peter e Chiquinho conversam delicadamente sobre jovens promessas de Xerém. A peça destoante do balneário da viadagem é Mister Filhão, que não sai de seu smartphone em plena noite de sexta-feira, amargurando, criando tetras virtuais, apregoando aos quatro ventos seus feitos desimportantes, mas não escapando de certa cruel realidade que o acompanhava desde a adolescência. Ao olhar os seis amigos um tanto formados em três duplas, ou casais, ele percebe mais uma vez que seu destino é segurar a vela – e isso lhe dói mais do que pensar nos blogueiros tricolores comunistas, por ele chamados de “laranjas” porque seu sonho é chupá-los.
Chiquinho percebe a angústia de Filhão, pede licença a Peter Grau e teme que a noite de idílio possa ser prejudicada por sua amiga mona colérica. Tocadão de pó ainda, vai até a cozinha, pega o telefone e liga para Marcos Ébano, um trafica do Leme que é também professor de dança de salão. Chiquinho é um racista escroto, mas não quando lhe convém. Afro, um metro e noventa, parrudo, ele pode garantir a noite dos iguais no amor que não ousa dizer seu nome:
– Boa noite, Doutor Francisco. O que o senhor manda?
– Ébano, preciso dos teus serviços. Dois sacolés de cem, mais fazer um entendido tenso. Duzentos, mais o café de amanhã. Pode ser em meia hora?
– Doutor, eu estou aqui para dar o atendimento VIP que o senhor pedir.
– Querido, obrigado. Se puder, venha antes. A mona tá precisada.
– Deixa comigo, patrão. O senhor sabe: o pau vai cantar.
– Rarararararararararara! Ébanooooooo!
Troca tudo de novo. Sai Holiday, volta o Village People com seu som único. Até a hora do jogo do Fluzão, muitas emoções diferentes vão rolar. Chiquinho ri e lembra da canção inesquecível “Ão, ão, ão, na cabeça do negão”. Dá-lhe, VP!
Quando o nosso Tricolor vai bem no campo, até a bruxa má faz ação social…
Panorama Tricolor
@PanoramaTri
Imagem: VP